Oskar Gröning: em 2015, aos 93 anos, foi processado e julgado por sua participação na engrenagem assassina do maior campo de concentração montado pelos nazistas| Foto: Divulgação
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Sete décadas e meia depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o horror absoluto do nazismo continua confrontando a humanidade com dilemas morais profundos. O documentário “O Contador de Auschwitz”, disponível na Netflix, explora algum deles. A obra gira em torno do julgamento do Oskar Gröning, que, em 2015, aos 93 anos, foi processado e julgado por sua participação na engrenagem assassina do maior campo de concentração montado pelos nazistas. Sua função era administrar os bens apropriados dos judeus levados para morrer em Auschwitz.

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Gröning não era um fugitivo: viveu por sete décadas na mesma cidade alemã. Mas, por causa de uma opção da Justiça de seu país, que abriu mão de processar nazistas de cargos considerados secundários, nunca foi incomodado. Até que, por uma mudança de interpretação jurídica, ele acabou finalmente levado aos tribunais.

A pergunta que define o documentário dirigido pelo canadense Matthew Shoychet vem do professor de Ética Peter Singer, um dos entrevistados: “Se você pune um homem de 93 anos por algo que ele fez quando tinha 23, você ainda está punindo a pessoa que cometeu o crime?”, indaga. No caso de Gröning, como no de outros nazistas, uma segunda questão se impõe: qual o grau de responsabilidade individual eles tinham na linha de montagem da morte criada pelo Terceiro Reich?

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O filme faz um bem-documentado registro de como a Alemanha falhou ao não punir adequadamente os responsáveis pelos crimes do nazismo. Embora os julgamentos de líderes nazistas em Nuremberg tenha atraído os holofotes de todo o mundo, a maior parte dos criminosos de guerra jamais esteve no banco dos réus. Ainda pior é o fato de que, como explica o documentário, grande parte dos juízes da Alemanha pós-guerra eram simpatizantes do nazismo eles próprios.

“O Contador de Auschwitz” tem como tema principal uma discussão sobre direito, mas, num nível mais profundo, explora a própria ideia de justiça, que transcende a própria lei positiva. E, também por isso, traz desdobramentos que ultrapassam o debate entre legal e ilegal. Eva Mozes Kor, sobrevivente do Holocausto que perdeu os pais e as duas irmãs num campo de concentração, não só cumprimentou cumprimentou Gröning com um abraço como disse que o perdoava. O gesto gerou controvérsias. Todo criminoso é perdoável? E, se sim, quem pode perdoar um nazista em nome das vítimas?

Em alguns momentos, o documentário não resiste à tentação de fazer política. Um dos entrevistados não faz distinção entre os nazistas e a ala direita do espectro político de forma geral. Por um momento, a obra também exagera ao insinuar que a rejeição a imigrantes na Europa de hoje é comparável à perseguição aos judeus sob o regime de Adolf Hitler. Mas, felizmente, a narrativa retoma rapidamente o foco. E ela traz verdades dolorosas para a Alemanha - não apenas por relembrar o Holocausto em si, mas por destacar o fato de que o país falhou em sua missão de punir os responsáveis no pós-guerra.

Ao apresentar as justificativas de alguns dos criminosos nazistas para seus atos, o documentário remonta às reflexões da escritora Hannah Arendt sobre a “banalidade do mal” - o fato de que grande parte dos criminosos nazistas alegou estar apenas cumprindo ordens, como se enviar pessoas para a morte na câmara de gás fosse uma tarefa tão prosaica quanto construir uma ponte ou redigir um relatório de almoxarifado. Neste aspecto, é verdade, o documentário pouco acrescenta de novo. Mas a obra traz o mérito de apresentar esse debate a uma geração que não só não viveu os horrores do nazismo como não acompanhou os julgamentos de Nurenberg, sabe pouco ou quase nada sobre Hannah Arendt e não assistiu nem mesmo ao aclamado “A Lista de Schindler”, lançado 27 anos atrás.

Por meio de depoimentos comoventes das vítimas do Holocausto, especialmente órfãos separados à força de seus pais, “O Contador de Auschwitz” acaba por responder à pergunta de Peter Singer. Se você pune um homem de 93 anos por algo que ele fez quando tinha 23, você ainda está punindo a pessoa que cometeu o crime? Sim, porque as vítimas ainda são as mesmas e carregam o mesmo sofrimento.

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