O depoimento de duas médicas trans negado pelo New York Times| Foto: Pixabay
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Com passagem pela Universidade de Washington, pela Universidade do Minnesota e pelo Centro Médico da Suécia, a ginecologista Marci Bowers é reconhecida internacionalmente por sua especialidade em cirurgias de redesignação de gênero. Foi ela a responsável por operar a ativista Jazz Jennings, estrela do reality show americano “A vida de Jazz” e uma das pessoas mais jovens a se identificar como transexual nos Estados Unidos, tendo feito a cirurgia aos 17 anos.

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Erica Anderson, por sua vez, atua como psicóloga clínica da Clínica de Gênero Infantil e Adolescente da Universidade de São Francisco na Califórnia e também possui extensa experiência com pacientes com disforia de gênero. Ambas são mulheres transexuais e membros do conselho da Associação Profissional Mundial para Saúde Transgênero (WPATH), a organização que define os padrões mundiais para atendimento médico de pessoas transexuais.

No último mês de setembro, a dupla enviou ao The New York Times um artigo alertando para o fato de que muitos profissionais da área estão, consistentemente, tratando crianças com sintomas de disforia de gênero de forma desleixada. O texto foi rejeitado pelo jornal, por estar “fora das prioridades de cobertura”. Coube à jornalista Abigail Shrier, autora do livro “Irreversible Damage”, que trata o aumento súbito de casos de adolescentes auto-identificadas como transgênero e submetidas a tratamentos hormonais sem o devido diagnóstico, ouvir os depoimentos das duas especialistas. A reportagem foi publicada em inglês, na newsletter da jornalista Bari Weiss, que pediu demissão do Times em 2019 expondo a falta de compromisso do veículo com a tão divulgada pluralidade de opiniões.

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Didático e revelador, o artigo de Shrier é calcado na vasta experiência de Anderson e Bowers - esta, com mais de 2 mil cirurgias de vaginoplastia no currículo e eleita para liderar a WPATH a partir do ano que vem. Hoje, a organização recomenda que a supressão hormonal da puberdade comece nos primeiros estágios para muitas crianças disfóricas ou mesmo não-conformes de gênero (meninas com comportamentos vistos como masculinos e vice-versa), insistindo que seus efeitos são “totalmente reversíveis”.

Bowes discorda. “Acho que houve ingenuidade por parte dos endocrinologistas pediátricos que eram proponentes do bloqueio precoce [da puberdade] pensando que apenas essa mágica pode acontecer, que os cirurgiões podem fazer qualquer coisa”. A ginecologista afirmou também que a WPATH não está preocupada em ouvir pontos de vistas diversos sobre o assunto - incluindo médicos genuinamente preocupados com a saúde da população LGBT. “Definitivamente, existem pessoas que estão tentando impedir a entrada de qualquer pessoa que não acredite na opinião geral de que tudo deveria ser afirmativo e que não há espaço para divergências”, disse.

Uma das maiores preocupações da ginecologista, inclusive, é com a futura vida sexual das crianças e adolescentes submetidas a estes processos hormonais. O caso de Jazz Jennings, que ajudou a alçar Bowels ao estrelato, não foi isento de complicações: por ter tomado bloqueadores hormonais desde os 11 anos de idade, aos 17, Jennings possuía o órgão sexual do tamanho do de uma criança pré-púbere. A “construção” do canal vaginal e do clitóris exigiu a retirada de revestimento do estômago. Aos 25 anos, a ativista nunca experimentou prazer sexual - e nunca experimentará.

“Se você nunca teve um orgasmo antes da cirurgia, e sua puberdade foi bloqueada, é muito difícil conseguir isso depois (...) Eu considero isso um grande problema, na verdade. É o tipo de problema do qual nós, em nosso ‘consentimento informado’ de crianças submetidas a bloqueadores da puberdade, esquecemos um pouco”, diz Bowers, que explica que a combinação de bloqueadores precoces com hormônios do sexo oposto desde a tenra idade tende a deixar os pacientes inférteis e sexualmente disfuncionais.

Por conta destes tratamentos movidos à ideologia no lugar da prudência (Shrier recorda que, por décadas, médicos especialistas em gênero recomendaram que crianças e adolescentes com sintomas disfóricos fossem cuidadosamente observados antes de qualquer intervenção), Anderson afirma, na reportagem, que provavelmente haverá um número crescente de arrependimentos entre esta população de adolescentes.

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“É minha opinião que devido a alguns dos - como dizer? - vou chamar apenas de tratamentos ‘desleixados’, que teremos mais jovens adultos que se arrependerão de ter passado por esse processo. E isso vai me render muitas críticas de alguns colegas, mas dado o que vejo - e sinto muito, mas é minha experiência real como psicóloga que trata de jovens variantes de gênero - estou preocupada com decisões que mais tarde serão lamentadas por aqueles que os fizeram”. Para ela, o erro dos profissionais de saúde está em “apressar as pessoas na medicalização e falhar - terrivelmente - na avaliação do histórico de saúde mental e alguém historicamente nos tempos atuais e em prepará-los para tomar essa decisão de mudança de vida”.

Vale ler, na íntegra, o texto de Abigail Shrier: além das falas destacadas, a jornalista traça um histórico dos protocolos de tratamento para disforia de gênero, caracterizada como um severo desconforto ou inadequação com o sexo de nascença. Trata-se de uma condição médica real, prevista no Manual de Diagnósticos da Associação Americana de Psiquiatria (DSM). Precisamente por isto, deve ser avaliada e tratada com o máximo de cuidado, tendo por amparo as melhores práticas científicas construídas através de pesquisas de ponta e diálogo franco, ao invés de bravatas revolucionárias.