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O dia em que uma escritora woke transformou a pacata Urubici em célula nazista

Casas particulares Heil
O sobrenome Heil no telhado de uma casa foi confundido pela escritora Giovana Madalosso com uma saudação nazista (Foto: Reprodução)

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A escritora Giovana Madalosso não é a pessoa mais querida em Urubici (SC) no momento. Compreensível: ninguém gosta de ser chamado de simpatizante do regime mais cruel da história.

Em um artigo publicado na Folha de S. Paulo neste domingo (21), Giovana fez uma denúncia que, se verdadeira, seria chocante. Não só há nazistas em Urubici, uma cidade de aproximadamente 11 mil habitantes, mas um deles teve a ousadia de escrever uma saudação a Hitler no telhado da própria casa — o que foi aceito pela cidade inteira (que tem uma delegacia, um posto da Polícia Militar e pelo menos dez igrejas).

Mas não demorou muito até que a acusação caísse por terra. Não, o “Heil” desenhado no telhado não era uma referência à saudação nazista “Heil Hitler”, mas o sobrenome do empreendedor local Valmor Heil, o orgulhoso proprietário das “Casas Particulares Heil” — uma espécie de pousada em que é possível alugar imóveis por temporada na cidade turística, que fica na interseção de três serras e tem cerca de 80 cachoeiras catalogadas.

Se o bom-senso não fosse o bastante para evitar conclusões precipitadas sobre o desenho no telhado, uma simples consulta ao Google bastaria para descobrir a verdade. A simpática família Heil mantém páginas no Facebook e no Instagram. Lá, é possível encontrar um vídeo feito por drone em que o nome da família aparece no telhado não de uma, mas de quatro construções diferentes.

A página no Facebook intercala anúncios sobre as tais “casas particulares” com cenas da vida cotidiana dos Heils. Uma das últimas postagens mostra uma animada reunião familiar em torno da mesa de jantar. “Sextou pizza com a família e netos ”, diz a legenda. Outro ponto alto das últimas semanas foi o aniversário do patriarca, que completou 73 anos e soprou as velhinhas sobre um bolo de chocolate com morango. As imagens mostram Valmor Heil cercado de (presume-se) filhos, netos e agregados enquanto sorri e acena com o polegar para cima.

O quartel-general dos Heils, tem decorações de madeira típicas de casas do interior (incluindo a reprodução artística de uma coruja esguia) e uma televisão com no mínimo 15 anos de uso. Em uma das imagens das muitas celebrações organizadas pela família, um rapaz pardo (ou negro, como diriam os militantes contemporâneos) sorri ao dividir a mesa com a família, a pouco mais de um metro de Valmor Heil.

O surrealismo do artigo de Giovana Madalosso não se deve apenas à suposição de que os Heils sejam adeptos do nazismo, mas à crença que uma cidade inteira tem sido conivente, por anos, com uma clara apologia ao regime mais desprezível da história, e que essa cadeia maligna só seria quebrada quando a forasteira esclarecida finalmente se deparasse com a mensagem criminosa e resolvesse divulgá-la ao mundo nas páginas do prestigioso jornal Folha de S. Paulo. É exatamente isso que Giovana afirma em sua coluna: “Era impossível que aqueles moradores não tivessem consciência do que suscitavam com suas telhas arianas. E, ainda que tivessem chegado de Marte há poucas semanas e tudo neste mundo ignorassem, em circunstâncias normais teriam sido avisados do ultraje por seus vizinhos.”

Diante de uma hipótese absurda, a escritora preferiu acreditar que os 11.311 moradores de Urubici é que enlouqueceram, e não ela.

Depois que o erro veio à tona, a Folha de S. Paulo publicou uma errata tímida, mas manteve o artigo no ar e não admitiu por completo o equívoco.

Em Urubici, os grupos de Whatsapp entraram em polvorosa com a acusação. A prefeitura decidiu não entrar em uma queda-de-braço com a Folha de S. Paulo, mas começou a preparar um material informativo explicando a história da cidade, que tem uma rica história envolvendo povos indígenas, tropeiros e, mais tarde, imigrantes alemães, letos e italianos. O texto exalta Urubici como um lugar “que tem sua força na pluralidade cultural e que convida a conhecer por seu povo acolhedor e por seu potencial econômico.”

Regiane Pesenti, urubiciense legítima e assessora de imprensa da Prefeitura da cidade, reforça que atribuir aos moradores de Urubici o rótulo de intolerantes é absurdo. “Temos a essência de cidade pequena, com uma população unida e onde as pessoas cuidam umas das outras”, diz.

Demanda por nazismo é maior que a oferta

Os ativistas que ganharam holofotes alertando para uma suposta ascensão do neonazismo no Brasil nos últimos anos têm um problema difícil de resolver: a absoluta falta de oferta para dar conta da demanda. O caso de Urubici não é o primeiro do tipo.

Em 2022, um grupo de apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro foi filmado enquanto cantava o Hino Nacional utilizando um gesto que era comum nos tempos de regime militar: o braço estendido à frente do corpo. Dessa vez, o flagrante imaginário foi feito em São Miguel do Oeste (SC) — que, registre-se, tem população de origem predominantemente italiana, e não alemã.

A confusão se espalhou rapidamente e ganhou o noticiário. As embaixadas da Alemanha e de Israel, confiando no que dizia o noticiário, emitiram comunicados de repúdio. O Ministério Público de Santa Catarina também entrou na história, mas logo constatou o óbvio: não, não havia uma célula nazista formada por taxistas, padeiros e donas de casa de São Miguel do Oeste. “Segundo o apurado, o gesto realizado pelos manifestantes foi executado após serem conclamados pelo locutor do evento, empresário local, a estenderem a mão sobre o ombro da pessoa a sua frente ou, se não houvesse, para que estendessem o braço, a fim de ‘emanar energias positivas’, explicaram os promotores. O caso foi arquivado em definitivo logo em seguida.

Exceto na imaginação dos militantes mais entusiasmados de esquerda, faz pouco sentido que dezenas de pessoas resolvam repetir um gesto nazista em praça pública sem que alguém questione a defesa do regime genocida. Tampouco faz sentido que um morador de Urubici tenha decidido decorar os telhados de casa com uma saudação (capenga) a Adolf Hitler, e que toda a comunidade tenha decidido acobertar a evidente proclamação de apoio ao nazismo. Mas não para Giovana Madalosso. Em seu artigo na Folha, ela conta como explicou o caso do telhado aos enteados de 14 e 18 anos, que acompanhavam ela e o companheiro na viagem. Ela diz que o mais novo pareceu ficar entristecido com a constatação de que há nazistas em Urubici. No artigo, Giovana lamenta que os adeptos (imaginários) de Hitler tenham estragado o clima no passeio da família.

É provável que, em suas andanças por Curitiba (onde foi criada), Nova York e Londres (onde morou) e pelo rico bairro de Higienópolis, em São Paulo (onde mora), Giovana nunca tenha se deparado com nazistas verdadeiros. Ávida por fazer a realidade se ajustar às suas expectativas, ela acreditou ter encontrado em Urubici não só uma célula nazista, mas uma comunidade inteira confortável com uma saudação a Adolf Hitler.

Se é possível dizer algo em defesa da colunista da Folha, talvez seja isto: embora tenha cursado faculdade de jornalismo, Giovana Madalosso ficou conhecida mesmo é como autora de obras de ficção.

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