A base para a defesa do direito às armas não é, nunca foi nem pode ser a estatística. Podemos usar as estatísticas para reforçar nosso argumento, mas elas não podem ser o pilar da argumentação.
É bom quando as estatísticas estão ao nosso lado. No que diz respeito às armas, acho que as melhores provas estatísticas mostram que as armas são, de fato, uma força para o bem. Mas e se não fosse assim? E se as estatísticas mostrassem que a permissão de portar armas na verdade faz mais mal do que bem?
Nada mudaria. Por mais valiosas que sejam, as estatísticas não são tudo o que importa. Elas não são nem mesmo o fator mais importante a considerarmos quando tomamos decisões de políticas públicas – sobretudo decisões que envolvem os direitos naturais.
Problemas com o modelo utilitarista
Quando se invoca estatísticas nas discussões de políticas públicas, isso quase sempre é feito como parte de uma análise de custo-benefício. Isso significa pegar certa medida e avaliar seus prós e contras. Se há mais prós do que contras, isso quer dizer que a adoção da medida é uma boa ideia. Se há mais contras do que prós, isso quer dizer que a adoção da medida é uma má ideia.
Parece simplista demais, não?
Muitos acham que todas as nossas decisões sobre as políticas que adotamos deveriam seguir esse modelo. O termo técnico para essa linha de raciocínio é “utilitarismo”. A virtude do utilitarismo é ser uma forma fácil, natural e direta de tomar decisões. Apesar de exigir certa familiaridade com dados e metodologias (o que significa ter de confiar frequentemente em “especialistas”), o princípio subjacente é intuitivo: tem tudo a ver com números.
Por mais intuitivo que pareça, contudo, há muitas coisas que simplesmente não podem ser reduzidas a apenas números. Vamos supor, por exemplo, que escravizar uma minoria inocente da população seja algo que vá gerar mais efeitos positivos do que negativos. Como os números batem, isso tornaria a escravidão involuntária justificável nesta situação? Claro que não. O direito da minoria inocente à autonomia é mais importante do que qualquer ganho social.
Eis outro exemplo famoso: vamos supor que a única forma de impedir que cinco pessoas morram é obrigar um cirurgião a matar um inocente e distribuir os órgãos dele entre as cinco outras. Supondo que os números demonstrem um resultado “positivo”, seria justificável que o médico matasse uma pessoa para salvar cinco? Mais uma vez, não. O direito de uma pessoa inocente à vida é maior do que o apelo de um “bem maior”.
Então só porque algo “faz sentido” sob a perspectiva dos números não quer dizer que seja moralmente admissível.
Ora, sempre que faço menção a esses exemplos na sala de aula, alguém me diz que esses cenários são “tolos” porque “jamais aconteceriam”. Talvez, mas isso é ignorar completamente o argumento. O que esses exemplos demonstram é que há certas coisas que são mais importantes do que a análise do custo-benefício. O caráter extremo desses cenários só serve para enfatizar o argumento.
Os direitos são maiores do que a utilidade
O que estou querendo dizer com tudo isso? Bom, a conclusão desses exemplos é a de que os direitos naturais não dependem do equilíbrio da utilidade social nem podem ser suplantados somente porque há um bem maior em jogo.
Para entender por quê, pergunte-se: por que você tem direito à vida? Seria por causa da sua contribuição à sociedade? Não. Seu direito à vida não depende da sua capacidade de desempenhar suas funções em certo nível ou de gerar utilidade social. Você não trabalhar para “merecer” o direito à vida e ele não lhe é concedido com base em mérito. Ao contrário, é um direito natural que todos têm simplesmente por serem humanos.
Em essência, a moral tem a ver com viver bem, mas isso é impossível se os demais interesses dos indivíduos forem sufocados pelos direitos dos outros. Por isso, os direitos existem como escudos que protegem os bens de que precisamos para prosperarmos como deveríamos. Eles impõem obrigações aos outros, que devem respeitá-los. Por seu caráter, os direitos são fortalezas contra o utilitarismo.
Os direitos à vida, autodefesa e armas formam um conjunto
Vamos voltar ao direito à vida. O direito à vida é nosso direito mais fundamental. É o direito do qual todos os outros dependem. O direito à autonomia do corpo, à liberdade de expressão e outros não fazem sentido se a pessoa detentora desses direitos estiver morta. Talvez alguns direitos possam gerar problemas significativos, mas o direito à vida não parece ser um deles.
Também já vimos que o direito à vida não depende do fato de que o respeito à sua vida vai dar gerar consequências melhores. Ele é absoluto e incontestável, mesmo que seja mais benéfico violá-lo. Seria errado que um cirurgião tirasse seu direito à vida a fim de usar seus órgãos para salvar cinco outras pessoas, mesmo se isso gerasse benefícios maiores a todos. Seria errado que eu empurrasse intencionalmente um homem inocente diante de um trem em alta velocidade mesmo que a morte do homem resultasse na salvação de dez vidas.
Então o direito à vida tem um valor fundamental que não pode ser suplantado por qualquer outro direito ou função social. Mas o mesmo serve para o direito à autodefesa. Como o objetivo da autodefesa é proteger a vida, ele deve ser estendido a todos os casos que envolvam o direito à vida. Assim, o direito à autodefesa deve ter força e abrangência equivalentes ao direito à vida. Na verdade, como o direito à autodefesa é apenas uma parte do direito à vida, ele deve ter a mesma força.
Há outros direitos que compartilham da mesma força do direito à vida? Sim. Note que o direito à autodefesa é o direito a repelir, por meio da força, uma ameaça contra si. Mas não posso usar a força para repelir um ataque sem usar alguns meios de aplicar essa força, sejam eles um galho, um taxo de beisebol ou até mesmo meus braços e pernas. O exercício da autodefesa exige que eu faça algo, mas, a fim de fazer algo, eu primeiro tenho de ter meios para isso. Então, se tenho o direito à autodefesa, também devo ter o direito a algum meio de me defender.
Essa é outra forma de dizer que tenho de ter o direito a portar armas como um componente essencial do direito à autodefesa. Como o direito à vida inclui o direito à autodefesa, que por sua vez inclui o direito a portar armas, o direito à vida deve incluir o direito a portar armas.
Portanto, o direito de portar armas é uma extensão natural do direito à vida. O direito à vida, autodefesa e ao porte de armas formam um conjunto. Se você tem um, tem todos. Se você não tem um, não tem nenhum. Todos têm a mesma força e escopo.
Autodefesa e armas
A conexão com o direito a ter armas deveria ser óbvia. As armas são meios acessíveis, eficientes e proporcionais de autodefesa. O direito a ter uma arma é, portanto, simplesmente uma extensão do direito à vida.
Embora o direito às armas não seja, em si, um direito natural (afinal, armas são coisas inventadas), seu papel na defesa do nosso direito natural mais básico significa que ele compartilha com ele sua força e abrangência. Como o direito à vida se sobrepõe ao utilitarismo, o direito às armas também.
Esta é a base do direito às armas: ele tem a ver com o direito de todo indivíduo a ter um meio razoável de repelir uma ameaça mortal (seja um criminoso ou um governo descontrolado). Quaisquer efeitos que as armas tenham sobre a segurança média ou as taxas de crimes (negativos ou positivos) são secundários. Mesmo que um direito amplo às armas aumentar a criminalidade média, isso não enfraquece em nada o direito.
Mais uma vez, acho que as melhores provas estatísticas mostram que as armas são, na verdade, uma força para o bem. Além disso, há um sentido no qual as estatísticas exercem um papel importante na defesa do direito às armas. Há também um quê de simplicidade e conveniência no ato de mencionar a esmo números, em comparação com um discurso amplo sobre os direitos naturais.
Dito isso, a base para o direito às armas não é, nunca foi e não pode ser a estatística. Podemos usar as estatísticas para reforçar nosso argumento, mas elas não podem ser o pilar sobre o qual tudo o mais se assenta.
Tim Hsiao é professor de filosofia e humaniddes na Grantham University.
© 2019 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês
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