Se a letal e destrutiva Covid-19, de fabricação chinesa, tem um lado bom, é este: as qualidades e fraquezas de líderes, governos e instituições ao redor do mundo foram expostas pela pandemia, motivando, assim, reformas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem sido alvo de pesadas críticas numa era de ceticismo crescente quanto à capacidade das instituições internacionais de agirem com responsabilidade e transparência, sem influência política. Os Estados Unidos, que são o maior doador único para a OMS, têm bastante espaço de manobra neste caso e agora está começando a agir. A administração Trump, furiosa por causa do papel da OMS na pandemia, recentemente anunciou que suspenderá e revisará a contribuição anual de US$400 milhões que os norte-americanos dão à instituição.
O dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, é o principal responsável por suas trapalhadas na reação a essa crise, sobretudo o atraso crucial em classificar a Covid-19 como Emergência Internacional de Saúde Pública. Assim, é necessário investigar o passado dele e as motivações que o levaram a agir assim nessa pandemia.
Tedros, um microbiologista com mestrado em imunologia pela Universidade de Londres, foi ministro da Saúde da Etiópia de 2005 a 2012 e, depois, ministro das Relações Exteriores de 2012 a 2016. Ele também trabalhou no comitê executivo da Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF), um dos quatro partidos políticos étnicos que compunham a Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (EPRDF), o regime autoritário brutal que governou a Etiópia entre 1991 e 2019.
Quando Tedros anunciou sua intenção de se tornar diretor-geral da OMS, em 2017, sua candidatura enfrentou a oposição de etíopes com raiva por ele ter trabalhado e defendido o regime violento do país, e também por causa de seu histórico como ministro da Saúde. Ele acabou confirmado no cargo, apesar de alegações de que, como ministro da Saúde, ele encobriu três epidemias mortais de cólera simplesmente insistindo que se tratava de Diarreia Aquosa Aguda, aparentemente com a esperança de evitar o impacto que a admissão de um surto de cólera teria no turismo etíope e na imagem do seu partido.
Em retrospecto, esse episódio tem uma semelhança absurda e assustadora com a reação da OMS diante do surgimento do coronavírus na China.
Até onde pôde, Tedros se esforçou para validar os esforços patéticos de Pequim de menosprezar o surto do vírus em Wuhan. Enquanto a China encobria a doença e censurava informações a respeito dela, Tedros se esmerava em elogiar a resposta de Xi Jinping como “transparente”, “responsável” e “estabelecendo um novo padrão ao mundo”.
Mesmo depois que a pressão internacional aumentou, ele demorou para chamar o surto de pandemia internacional. Quando a declaração foi finalmente feita, no dia 30 de janeiro de 2020, ele tomou o cuidado de dizer “isso não é um voto de desconfiança em relação à China. Ao contrário, a OMS continua confiando na capacidade chinesa de controlar o surto”.
Dias mais tarde, quando a China anunciou 361 mortos por Covid-19 — e quando, todos sabemos agora, o número real de chineses mortos era muito maior — Tedros, ecoando a postura do governo chinês, continuou se opondo a restrições para deter a disseminação do vírus e que “interfeririam desnecessariamente nas viagens e no comércio internacional”. Até ao menos 29 de fevereiro, pouco antes de a extensão da pandemia começar a ficar clara, A OMS ainda se opunha a tais restrições. O Partido Comunista da China, por sua vez, correu para criticar os Estados Unidos e outros países que tinham imposto restrições de viagem à China, dizendo que isso “violava as orientações da OMS”.
Enquanto isso, vários países acreditaram no Partido Comunista chinês e na OMS e optaram por não implementar controles de fronteira necessários contra a pandemia. Como resultado, o vírus começou a se espalhar de um país para o outro até que mesmo aqueles países que tentaram restringir viagens de áreas afetadas no começo não conseguissem impedir que a doença chegasse até eles.
O que torna tudo ainda mais absurdo é que a OMS liderada por Tedros foi informada sobre a verdade do vírus num momento em que ainda era possível fazer alguma coisa – e mesmo assim optou por ignorar isso. Em 31 de dezembro de 2019, cientistas de Taiwan, que continua de fora dos quadros da OMS por pressão da China, notificaram autoridades da OMS sobre indícios de transmissão de humano para humano, mas as autoridades não repassaram a informação aos outros países. (Ironicamente, Taiwan, obrigada a enfrentar a ameaça sem ajuda da OMS, se deu melhor do que os outros países justamente por não confiar no Partido Comunista chinês. Eles não foram enganados pelos esforços de Pequim em menosprezar a seriedade da doença).
Até onde pôde, Tedros ignorou os alertas de Taiwan e endossou as mentiras da China. Quando o mundo finalmente começou a perceber a ameaça da Covid-19, Tedros quase que imediatamente começou a culpar a comunidade internacional por sua inação. Em 11 de março de 2020, enquanto a OMS declarava que o coronavírus tinha se tornado uma pandemia mundial, Tedros tinha a audácia de dizer que “alguns países estão enfrentando a falta de decisões”, que a OMS estava “profundamente preocupada com os alarmantes níveis de passividade” e que “alguns países não estão encarando a ameaça com o comprometimento político necessário para controlá-la”.
Há uma lição a se tirar da reação da OMS a essa crise mundial: o corrompimento das instituições internacionais por regimes autoritários. Tedros defende ditadores porque é defendido por eles e vice-versa. Sua candidatura ao cargo de diretor-geral da OMS contou com o apoio do ministro da Saúde da Argélia e de vários outros países não-democráticos. O Assembleia Mundial da Saúde o elegeu para o cargo por uma maioria avassaladora de 133 votos, dentre os 185 possíveis, apesar da oposição de muitos etíopes que conheciam o histórico de decisões dele. A China foi uma das principais apoiadoras da candidatura de Tedros, assim como seu próprio partido, que gastou milhões de dólares em sua campanha.
Não por acaso, a atuação de Tedros frente à OMS tem se assemelhado a uma ditadura. Em 18 de outubro de 2017, apenas três meses depois de assumir o cargo de diretor-geral, Tedros nomeou o ditador do Zimbábue, Robert Mugabe, um dos mais longevos e brutais do planeta, como embaixador honorário da OMS, voltado para a luta contra doenças não-transmissíveis na África. “Tenho a honra de me juntar ao Presidente Mugabe, do Zimbábue, país que tem a saúde como prioridade”, disse ele numa conferência no Uruguai ao anunciar sua decisão. (Depois que a nomeação foi criticada por influentes líderes do setor de saúde, políticos e ativistas dos direitos humanos, ele acabou por retirá-la).
Claro que não é preciso nem mencionar a predileção de Tedros por ditadores para explicar sua atuação na reação da OMS à pandemia do coronavírus. O Partido Comunista chinês e Tedros claramente gozam de uma relação de proximidade baseada em interesses materiais e valores comuns. O PC da China fez doações generosas à Etiópia enquanto Tedros era ministro das Relações Exteriores e apoiou incisivamente a campanha dele para liderar a OMS. Em resposta às críticas cada vez maiores aos equívocos da organização no trato da pandemia, a imprensa estatal chinesa defende com vigor Tedros, dizendo que ele está sendo “atacado pelo Ocidente” por “nos ajudar”.
As maiores responsáveis pela pandemia de Covid-19 são as autoridades do Partido Comunista chinês, que esconderam o surto e impediram a divulgação de informações precisas sobre o assunto. Mas Tedros também deve ser responsabilizado por ajudar e endossar o acobertamento do Partido Comunista chinês.
Ele é uma prova viva do sucesso dos esforços cada vez mais agressivos de Pequim para cooptar as instituições internacionais ao bel prazer, esforços que devem ser interrompidos cedo ou tarde. E suas ações colocaram em risco a vida de milhares, se não milhões, de pessoas ao redor do mundo. Os cidadãos e os governos livres do mundo não devem descansar até tirarem Tedros do cargo máximo na OMS.
Jianli Yang é fundadora e presidente da Citizen Power Initiatives for China.
Aaron Rhodes é presidente do Fórum de Liberdade Religiosa na Europa e editor de direitos humanos da revista Dissident.
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