O governo russo reconheceu formalmente as Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk, duas províncias ucranianas que há anos são motivo de disputa entre as milícias dos dois países. Esse reconhecimento significa que o governo russo está dando a si mesmo permissão para intervir a fim de proteger as regiões separatistas.
Tão preocupante quanto o ato em si foi o discurso que Vladimir Putin fez para anunciá-lo ao mundo. Eu mesmo escrevi um artigo que, numa das frases, sugere que Putin estivesse agindo como um ator racional. Eu me arrependo de ter escrito isso. Se o discurso grandioso e raivoso foi dito com sinceridade é porque Putin acredita na própria propaganda e agora é um ente imprevisível que provavelmente levará seu país e outros países ao desastre.
É bem verdade que também pode haver muita dissimulação no discurso. Mas que acompanhou a reunião de Putin com o presidente francês Emmanuel Macron sugere que Macron foi submetido a seis horas do mesmo discurso raivoso, sendo incapaz de fazer com que Putin obedecesse ao que os europeus veem como garantias de paz: os acordos de Minsk, a retirada das tropas russas e uma série de outras medidas, incluindo conversas diplomáticas sobre os acordos de segurança de longo prazo no continente.
O discurso continua toda a litania russa do pós-Guerra Fria, isto é, as promessas não cumpridas de não se ampliar a OTAN. “Eles tentam nos convencer de que a OTAN é uma aliança defensiva e pacífica, dizendo que ela não ameaça a Rússia. Novamente eles propõem que acreditemos em suas palavras”, disse Putin. Pior do que isso, ele sugeriu que a ampliação da OTAN funcionaria “como uma catapulta para um ataque”.
Putin questionou a própria legitimidade da Ucrânia enquanto nação, dizendo que o país é produto da União Soviética:
“Como resultado da política bolchevique, surgiu a Ucrânia Soviética, que ainda hoje pode muito bem ser chamada de ‘Ucrânia de Vladimir Ilyich Lenin’. Ele é o criador e arquiteto do país. Isto consta em documentos. (...) E agora os descendentes destroem os monumentos a Lênin na Ucrânia. E chamam isso de descomunização. Vocês querem mesmo descomunização? Que bom. Mas é desnecessário, como se diz, parar no meio do caminho. estamos prontos para mostrar o que significa realmente a descomunização da Ucrânia”.
Isso faz parte do argumento dele de que a “Ucrânia nunca teve a tradição de ser um Estado genuíno”. Sim, é verdade que a existência da Ucrânia enquanto Estado independente é recente, mas os rutenos ocupam o leste da Ucrânia há séculos e essa ocupação os tornou membros distintos do Império Austro-Húngaro. As nações – povos – realmente emergem com uma consciência histórica e uma narrativa coerente a partir dos eventos que Putin descreve. Mas não cabe a mim debater com Putin.
Putin disse que as sanções sugeridas pelos norte-americanos provavelmente seriam usadas contra a Rússia sob qualquer pretexto, independentemente do que aconteça na Ucrânia. O pior é que ele fez referência a ucranianos que estariam fomentando a violência contra os aliados da Rússia na Ucrânia e, assim, afastando os dois países. Putin disse que esses homens deveriam ser julgados.
“Quero dizer clara e diretamente que, na atual situação, sendo que nossas propostas de um diálogo franco sobre questões fundamentais continuam sem resposta dos Estados Unidos e da OTAN, e sendo que o nível de ameaça ao nosso país está aumentando exponencialmente, a Rússia tem todo o direito de retaliar com medidas que garantam sua segurança. E é exatamente isso o que faremos”, disse Putin.
Esse discurso serve para se questionar a sanidade de Putin. É de se perguntar se a confiança dele em si próprio e em seu regime é tão firme assim.
Com o Ocidente apenas contemplando a possibilidade de sanções e sem outras ideias para o caso de uma escalada nas tensões, me parece que a fase de conversas acabou e que agora a crise se resolverá por meio da ação. Qualquer um que lhe diga como isso vai acontecer é um tolo. Agora é a hora de nações como a Polônia apresentarem ideias para como a Europa pode manter a segurança em seu próprio quintal. Enquanto isso, observamos e rezamos por nossos amigos ucranianos.
Michael Brendan Dougherty é redator sênior na National Review.
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