O crime é um problema que começa na família. Pessoas não nascem prontas para lidar com regras, resolver conflitos, adiar gratificações ou controlar as próprias emoções. Se o crime é um problema de escolha, essa escolha se estabelece pela relação entre a razão, a vontade e os sentimentos de uma pessoa em face de determinada circunstância. Alterações em quaisquer um desses fatores podem inclinar mais para um curso de ação do que para outro. E talvez não haja elemento mais importante para exercer influência disruptiva sobre eles do que a formação do indivíduo no seio da família, particularmente nos primeiros anos de vida.
Esse tipo de conhecimento bem assentado no senso comum é confirmado pela literatura especializada. Estatisticamente, as chances de se tornar um delinquente são maiores para pessoas criadas em famílias desestruturadas do que em lares estáveis e amorosos. O número de crimes não somente tende a se concentrar em determinados indivíduos, como também em um número mais restrito de famílias problemáticas.
Os fatores mais comumente relacionados com esse tipo de desordem gestada no ambiente familiar incluem ausência da figura paterna, falta de supervisão parental, incompetência no exercício da disciplina, abuso infantil, deficiência de formação dos pais, estresse familiar, carência de amor materno, histórico de delinquência do pai ou da mãe e divórcio.
Não raro, muitas vezes se pensa que não há muito o que fazer em face da natureza desse problema. Salvo em situações de abuso, é comum que pessoas normais olhem com desconfiança a ingerência do Estado em assuntos de família. E mesmo nos casos mais flagrantes, a sensação é que essa interferência costuma não produzir menos infelicidade para os envolvidos, como prova a triste experiência de orfanatos públicos e casas de acolhimento.
Porém, a verdade é que existem políticas públicas voltadas para a família com relativo sucesso em outros países do mundo, que poderiam servir de inspiração para os problemas nacionais. A ignorância sobre esse tipo de iniciativa impacta diretamente na falta de criatividade de gestores para se contrapor às agendas estabelecidas do progressismo dominante.
É claro que nem todo problema relacionado com família é igual. Uma iniciativa que serve para incapacitar ou reduzir o dano provocado pela ausência de disciplina na educação dos filhos não é a mesma que deve ser direcionada para crianças que foram criadas sem a presença de uma figura paterna. O problema do crime começa na família, mas nem sempre se trata do mesmo problema, com o mesmo tipo de impacto.
Por isso, uma escolha razoável para debater o assunto pode recair sobre a generalidade de determinado fator relacionado a um quadro socialmente patológico. E nesse aspecto, nenhuma patologia é mais generalizada que o divórcio na nossa sociedade. Por causa disso, a construção de uma política pública voltada para a redução do crime deve passar por um esforço concertado para a redução do número de divórcios no país.
O grande vilão do crime?
É normal que discussões sobre divórcio e crime gerem desconforto na esfera pública. Afinal, trata-se de um comportamento legal e moralmente aceito na maior parte das sociedades ocidentais. No Brasil, a Lei do Divórcio foi sancionada em 1977. De lá até aqui, o número de novos divórcios cresceu exponencialmente, chegando a um patamar próximo dos 400 mil todos os anos. Em média, isso significa 10 divórcios para cada 24 novos casamentos todos os anos. Do total de 69 milhões de famílias existentes no Brasil, aproximadamente 12,7 milhões são monoparentais, sendo a maior parte delas chefiadas por mulheres.
De certa forma, o dispositivo já está entranhado na nossa cultura. É um comportamento não só legitimado, como até esperado para muitos, principalmente os mais jovens, que tendem a olhar com desconfiança o casamento. Em um contexto de normalização como esse, é compreensível que muitas pessoas demonstrem descrença em relação à associação entre o divórcio e problemas sociais, como o crime e a violência.
Na medida que muitos dos casamentos terminam em divórcio, é esperado que pessoas se sintam ofendidas quando se procura estabelecer algum tipo de relação entre esse fato, que aparentemente só diz respeito à vida íntima de duas pessoas, e um fenômeno socialmente tão danoso como o crime.
Nenhum pai ou mãe gosta de se ver diante de afirmações que insinuam irresponsabilidade ou risco para a prole por causa de uma decisão tomada por livre consentimento das partes. É compreensível, portanto, que se rejeite o debate a respeito dos problemas do divórcio pelo simples fato que ninguém está disposto a tratar o fenômeno como uma doença ou enfermidade social que devesse ser objeto de algum tipo de intervenção do Estado.
Além disso, sempre existe a dificuldade de demonstrar relações causais indiscutíveis em termos de ciências sociais. Afinal, o Brasil realmente estaria numa situação bem pior se a maior parte dos filhos de pais separados se dedicassem a algum tipo de atividade criminosa. Nenhuma associação simplista consegue se manter em face de um comportamento tão generalizado como esse.
Contudo, existem dados sobre o fenômeno que não podem ser ignorados. Em termos de criminalidade, um estudo de 1985, que monitorou 1.000 famílias com crianças entre 6 e 18 anos ao longo de seis anos, revelou que aquelas advindas de famílias com pais casados e juntos apresentavam menores índices de delinquência. Por outro lado, as crianças que viviam em famílias com padrastos mostraram maior propensão a comportamentos disruptivos.
Em 1990, David Farrington, professor de criminologia na Universidade de Cambridge, conduziu um estudo longitudinal de homens de 8 a 32 anos, que apontou que o divórcio dos pais antes da criança completar 10 anos é um importante preditor de delinquência na adolescência e criminalidade na idade adulta.
Em 1991, uma pesquisa conduzida por Robert Sampson, professor da Universidade de Chicago, em 171 cidades norte-americanas com população acima de 100.000 habitantes, descobriu que a taxa de divórcio previa a taxa de roubo em qualquer área, independentemente da composição econômica e racial. Isso porque, quanto menores as taxas de divórcio, maiores os controles sociais formais e informais (como a supervisão de crianças) e menores as taxas de criminalidade.
Em 2004, um estudo longitudinal realizado nos Estados Unidos, que acompanhou mais de 6.400 meninos ao longo de 20 anos até a idade adulta, revelou que crianças que crescem sem a presença do pai biológico em casa têm aproximadamente três vezes mais chances de cometer delitos que resultam em encarceramento em comparação com aquelas de famílias com ambos os pais presentes.
Em 2012, dois pesquisadores da Universidade Carlos III, de Madri, publicaram uma investigação sobre o impacto das leis de divórcio unilateral nos EUA, igualmente impactante. Após a implementação da reforma entre 1965 e 1996, houve um aumento de 9% nas taxas de crimes violentos e 18% nas taxas de prisões por crimes violentos. A análise dos dados do Censo dos EUA de 1960 a 2000 também mostra um agravamento das condições econômicas das mães com baixa escolaridade e um aumento na desigualdade de renda.
Essa descoberta inclusive remete a uma discussão mais ampla, sobre outras consequências do aumento do divórcio na sociedade. Em termos científicos, é relativamente seguro afirmar que há correlação entre divórcio e fenômenos variados como o aumento da pobreza; o incremento de casos de evasão escolar; o desempenho acadêmico deficiente; o crescimento de casos de abuso infantil; o enfraquecimento das relações entre pais e filhos; a diminuição da capacidade de desfrutar de relacionamentos amorosos saudáveis; a degeneração da masculinidade e da feminilidade na adolescência; o aumento de relações sexuais na adolescência; o incremento médio do número de parceiros durante a vida adulta etc.
Para além de questões de segurança, educação, saúde pública e empobrecimento, um número elevado de divórcios é também um problema demográfico para os Estados nacionais. A população brasileira vem envelhecendo exponencialmente desde 2018. Com o fim do dividendo demográfico, tende a cair a partir de 2030, até que surjam novas motivações para ter famílias numerosas. Esse estado de coisas, com uma população de idade de primeiro mundo e uma economia de país subdesenvolvido, que não dispõe mais da vantagem demográfica para fortalecimento do mercado interno, anuncia um colapso mais do que provável da Previdência, bem como de diversos serviços públicos sustentados pelo Estado.
O que o governo pode fazer em relação a isso?
As evidências científicas sobre a natureza do divórcio enquanto problema social fundamentam a possibilidade de que uma ação do Estado possa lidar com sua proliferação do ponto de vista da política pública. É claro que se pode argumentar que os custos de abolir essa instituição já se tornaram contraproducentes numa sociedade em que grande parte das pessoas não acredita na indissolubilidade do matrimônio. Contudo, não é porque a opção esteja disponível para a escolha de pessoas livres que governos não possam investir recursos para incentivar o comportamento na direção oposta, especialmente quando se trata de uma instituição tão fundamental quanto a família.
Aliás, é possível analisar muitas mudanças sociais relativamente recentes na história humana como resultado parcial de incentivos públicos. Por exemplo, em 1992, Leslie A. Whittington, professor da Universidade de Maryland, examinou a relação entre a isenção fiscal para dependentes no imposto de renda federal dos EUA e o comportamento de fertilidade de casais casados entre 1979 e 1983. O seu estudo descobriu que a isenção fiscal diminui o custo econômico de se ter um filho, influenciando assim o número e/ou o momento dos nascimentos dentro das famílias. Os resultados mostraram que a isenção teve um impacto positivo e significativo na probabilidade de ter um filho durante o período estudado.
Especificamente sobre o divórcio, o mesmo Whittington publicou uma pesquisa em 1997, junto com James Alm, sobre os efeitos da taxação no aumento dos divórcios nos EUA. Um fator econômico que influencia as decisões matrimoniais nos Estados Unidos é o imposto de renda individual. Até 1948, o imposto era neutro em relação ao casamento, pois a unidade básica de tributação era o indivíduo. Com a introdução da divisão de renda em 1948, o imposto passou a favorecer os casados, geralmente oferecendo um "subsídio ao casamento", pois a responsabilidade tributária conjunta diminuía com o casamento. Em 1969, no entanto, uma nova tabela de imposto foi adotada, reduzindo a carga tributária dos indivíduos solteiros. Essa mudança piorou a posição relativa dos casados em termos econômicos, criando uma espécie de “imposto sobre o matrimônio”, especialmente quando os rendimentos dos dois indivíduos eram semelhantes.
Analisando o histórico dos divórcios a partir dessas mudanças, os autores descobriram que os impostos sobre a renda individual nos EUA influenciam as decisões de divórcio. Uma descoberta interessante é a diferença no impacto dos impostos entre homens e mulheres, com as mulheres, muitas vezes ganhadoras secundárias, enfrentando desvantagens fiscais ao se casarem. Isso levanta a hipótese de que, além de afetar a oferta de trabalho feminino, os impostos podem também influenciar a estrutura familiar, criando incentivos fiscais para o divórcio entre mulheres.
Desde 1969, várias modificações alteraram a magnitude da penalidade do casamento, mantendo também a possibilidade de um subsídio ao casamento em muitos casos. Esses efeitos fiscais podem ser significativos, e suas magnitudes, tanto positivas quanto negativas, variaram substancialmente e aumentaram de forma um tanto errática ao longo do tempo. Para os pesquisadores, a busca por uma tributação mais neutra em relação ao casamento pode ter efeitos variados na estrutura familiar. Por exemplo, se o Congresso reduzisse as penalidades e subsídios do casamento em 50%, os resultados indicam mudança provável nas probabilidades de divórcio, variando em tamanho e direção entre as classes de renda. Para casais que sofrem penalidades pelo casamento, a probabilidade de divórcio cairia. No entanto, para aqueles que recebem subsídios, essa mudança aumentaria a probabilidade de divórcio.
Isso significa que mudanças tributárias bem elaboradas podem influenciar diretamente na configuração familiar de uma sociedade. Em termos práticos, no Brasil, um aumento da isenção para famílias de casamentos estáveis poderia ter impacto direto sobre as decisões de se divorciar de um casal. Essa isenção poderia ser progressiva em relação ao tempo de casamento, bem como mais robusta em termos da quantidade de filhos do que é hoje. Um arranjo mais favorável ao casamento diminuiria parte da desvantagem competitiva de casados em relação aos não casados na arena econômica. Assim, poderia influenciar na postergação da separação ou mesmo na busca por soluções produtivas para o conflito entre casais, em face dos incentivos econômicos dominantes.
Para além dos tributos
Por óbvio, mudanças tributárias não são os únicos mecanismos ao alcance de governos quando se trata de reduzir divórcios. Decisões importantes podem incluir a criação de políticas públicas nacionais, estaduais e municipais voltadas para a redução do número de divórcios. Isso inclui assumir metas que sirvam de baliza para gestores públicos e referência para a sociedade.
Em termos de informação e ação política, é possível direcionar recursos materiais e humanos para a área, na medida em que se entende como um problema social que demanda intervenção. As estatísticas de divórcio podem ser monitoradas anualmente, com detalhes por tempo de casamento, renda, nível de escolaridade, religião etc. Esse tipo de dado fornece material de referência para pesquisadores interessados em entender a natureza do problema (o que, afinal, está causando tantos divórcios?) e profissionais dedicados a construir políticas públicas.
Campanhas de valorização da família e de resolução positiva de conflitos também podem ter impactos positivos. Elas podem não só servir para esclarecer sobre riscos e problemas envolvidos no divórcio, como também apelar para a resolução produtiva de conflitos matrimoniais que levam ao fim dos relacionamentos. Mais ainda, sinalizam para uma valorização pública do matrimônio estável, como ideal de vida protegido e estimulado pelo Estado.
Nos EUA, a política mais conhecida nesse sentido é a iniciativa federal Healthy Marriage and Relationship Education Initiative [Iniciativa de Educação para Casamento e Relacionamento Saudável, em tradução livre], que promove casamentos e relacionamentos saudáveis como parte da política federal de bem-estar. Por meio dela, entre 2006 e 2019, a Administração para Crianças e Famílias forneceu cerca de 1,1 bilhão de dólares em subsídios para organizações comunitárias apoiarem a educação matrimonial e serviços de fortalecimento familiar, focando em indivíduos e casais de baixa renda. Alguns estados norte-americanos, como Oklahoma, Utah, Texas e Flórida, têm esforços paralelos para promover a estabilidade dos matrimônios e reduzir a quantidade de divórcios. Entre os esforços legais adicionais, pode-se citar a adoção de leis de casamento de aliança, que exigem educação pré-matrimonial formal, aconselhamento matrimonial antes do divórcio e um período de espera prolongado para o divórcio.
Conhecer essas iniciativas é importante para se saber que há alternativas em curso em diversos países do mundo. O Brasil é o país onde quase tudo ainda está por fazer e isso é uma vantagem. O atual contexto político pode não ser favorável para esse tipo de mudança, mas qualquer transformação substantiva começa no campo da imaginação. Quanto mais pessoas souberem que as coisas podem ser diferentes do que são, mais possibilidades surgem para que se aproveitem janelas de oportunidades, no nível municipal, estadual ou federal, ou no âmbito do Poder Legislativo.
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