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O ensino da teoria da evolução no Brasil ainda está na Idade da Pedra

Dinossauros x humanos? A imagem, que nunca existiu no mundo real, é tida como verdadeira por alunos brasileiros | Robson Vilalba
Dinossauros x humanos? A imagem, que nunca existiu no mundo real, é tida como verdadeira por alunos brasileiros (Foto: Robson Vilalba)

Diferentemente do governo turco, que se prepara para banir a evolução das espécies da escola secundária, no Brasil as autoridades educacionais seguem a máxima do geneticista russo-americano Theodosius Dobzhansky, “em biologia nada faz sentido, senão à luz da evolução”. Por exemplo, nas diretrizes curriculares para o ensino médio publicadas pelo MEC em 2006, lê-se que os conceitos relativos à evolução “são tão importantes que devem compor não apenas um bloco de conteúdos tratados em algumas aulas, mas constituir uma linha orientadora das discussões de todos os outros temas”. A despeito dessa centralidade, no entanto, o assunto ainda é mal aprendido e mal compreendido por parcela significativa dos alunos – e mesmo por parte dos professores – brasileiros.

“Algumas questões são particularmente complicadas para a compreensão dos jovens. Uma das mais complicadas é o papel da aleatoriedade na evolução. É comum que os jovens confundam a seleção natural com um processo aleatório, quando um dos principais papéis da aleatoriedade é no surgimento das variações. A seleção natural é justamente o oposto de um processo aleatório”, explica o geneticista Rubens Pazza, pesquisador e professor da Universidade Federal de Viçosa, que já conduziu pesquisas sobre a percepção pública da teoria da evolução, principalmente entre estudantes. 

“Outro ponto importante é a confusão entre evolução e progresso, e o ser humano como o ápice do processo. A ilustração da ‘marcha para o progresso’, é extremamente difundida para ilustrar evolução humana, por exemplo, mas é um conceito errôneo, que contribui para a disseminação da confusão. Enfim, o que vemos é um baixo grau de compreensão das bases da evolução de um modo geral, que é ainda mais acentuado de acordo com certas denominações religiosas”. 

Um dos estudos conduzidos por Pazza e colegas envolveu a aplicação de um questionário sobre temas relacionados à evolução a 231 estudantes do primeiro ano de diversos cursos da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná. Publicados em 2009 no periódico “Evolution: Education and Outreach”, os resultados mostram que, na média geral de todos os cursos sondados, a taxa de acertos ficou em 49%. O curso de Biologia noturno foi o que se saiu melhor, mas não muito, com média de 59% de acertos. 

O questionário foi elaborado de modo a apresentar tanto questões básicas quanto perguntas sobre aspectos mais sofisticados da teoria. Questões que requeriam uma distinção clara entre a acaso e seleção natural tiveram baixos índices de acerto, e estudantes de cursos de Humanas e Exatas tenderam a responder que o ser humano é “o organismo mais evoluído, mostrando uma clara confusão entre evolução e progresso”, de acordo com o artigo publicado. 

Professores 

Primeiranistas de curso superior são, em geral, egressos do Ensino Médio. Em 2011, pesquisadores gaúchos publicaram, na “Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias”, os resultados de um questionário sobre evolução aplicado a professores de Biologia dessa etapa educacional, atuantes na rede pública do Estado

A amostra utilizada foi pequena – apenas 20 docentes – mas a maioria contava com mais de uma década de atuação, lecionando não só Biologia como também, eventualmente, conteúdos de Física, Matemática e, até, Ensino Religioso.  

Dos 20 professores, nove indicaram concordar com a ideia de que evolução significa progresso, enquanto nove discordaram. Dois ficaram em dúvida. Em outra questão, sobre em que nível a evolução ocorre – se em populações (a resposta correta) ou no indivíduo – oito responderam que a evolução pode ocorrer em indivíduos e dois não souberam responder

“Isso demonstra que a metade dos professores não tem conhecimento de um dos princípios fundamentais do processo evolutivo, ou seja, as populações como unidades evolutivas”, apontam os autores. 

Uma questão pedia que os professores avaliassem a validade, como modelo da evolução humana, do famoso desenho da “marcha para o progresso” criticada por Rubens Pazza – que mostra uma fila indiana progressiva, começando com um animal semelhante a um chimpanzé e terminando num ser humano. Nesse caso, sete professores concordaram com o esquema, sete responderam de modo ambíguo e seis o condenaram como inadequado. 

Outra pesquisa, esta realizada entre professores de Biologia do Ensino Médio de Brasília e publicada em 2004 no periódico “Genetics and Molecular Biology”, apontava que 60% dos entrevistados admitiam dificuldades para ensinar a teoria da evolução; 62% acreditavam que os estudantes eram muito imaturos ou despreparados para entender a teoria. Sessenta e cinco por cento disseram restringir o tema a dez aulas dentro do curso, geralmente no último ano. 

“Considerando que mais de 200 aulas de Biologia são dadas durante os três anos de educação secundária, essa proporção dedicada ao estudo da biologia evolutiva dificilmente pode ser considerada significante”, escrevem os autores. 

Ensino Fundamental 

Uma tese de doutorado defendida na Faculdade de Educação da USP, em 2015, por Graciela da Silva Oliveira, comparou a percepção da teoria da evolução entre estudantes brasileiros do primeiro ano do Ensino Médio – isto é, egressos do Ensino Fundamental – e jovens italianos de série equivalente. 

A conclusão de que os italianos dominam muito melhor os conceitos científicos envolvidos é precedida por um minucioso levantamento do pensamento dos jovens brasileiros sobre a evolução, baseado em questionários respondidos por mais de 2.400 estudantes de 78 escolas de 72 municípios das cinco regiões do país. 

Entre os jovens brasileiros, 63% aceitam a ideia de que as espécies atuais se originam de espécies diferentes que existiam no passado (27% discordam dessa afirmação, e 31% não sabem); quanto à afirmação de que organismos diferentes podem ter ancestrais comuns, 30% consideram-na verdadeira, 19% falsa, e 51% não souberam responder. A ideia de que, no passado, dinossauros devoravam seres humanos (na verdade, os dinossauros foram extintos milhões de anos antes de a linhagem humana emergir) é verdadeira para 22%, falsa para 37% e 40% não tinham resposta.  É como se os alunos considerassem verdade o anedotário mostrado em desenhos como “os Flintstones”.

Religião 

A tese encontrou correlações importantes entre a fé religiosa e as respostas às questões sobre evolução. Por exemplo, enquanto 84% dos católicos e 87% dos sem religião concordam que “fósseis são evidências de seres vivos do passado”, apenas 76% dos protestantes (na média entre históricos e pentecostais) aceitaram a afirmação. Perguntados se organismos diferentes podem ter ancestrais comuns, concordaram 31% dos católicos, 39% dos sem religião e 26% dos protestantes. “Quanto maior a proximidade com a religião, maior a frequência de jovens que consideram inválidas as ideias evolutivas”, escreve a autora. 

A constatação de que barreiras culturais e religiosas podem dificultar o aprendizado a teoria da evolução – seja por meio de rejeição direta do conteúdo ou pela confusão trazida por ideias preconcebidas – não é nova. Pesquisadores que estudam o ensino das ciências reconhecem, há tempos, que os estudantes chegam à escola já com explicações formadas para os fenômenos da natureza. Essas explicações prévias nem sempre são compatíveis com a realidade científica, mas podem estar fortemente assentadas na educação familiar, e na própria experiência de vida do jovem. 

“Há alguns anos temos avaliado o grau de conhecimento de jovens em assuntos relacionados com evolução. Temos visto que poucas coisas influenciam tanto no aprendizado de evolução como a religião”, disse Pazza. “Adeptos de denominações evangélicas, por exemplo, têm muito mais dificuldade em aceitar a evolução como ciência, e isso influencia no seu aprendizado na escola”. 

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