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Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai.
Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai.| Foto: Wikimedia Commons

O único partido com o nome de Conservador no Brasil funcionou durante o Império. E a figura mais influente da sigla foi um político quase desconhecido atualmente, mesmo entre os grupos mais conservadores: Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai.

Paulino nasceu em Paris, em 1807. Era filho de um médico mineiro que emigrara para a França e de uma francesa cujo pai, um livreiro, foi morto na guilhotina durante a Revolução Francesa. O futuro visconde mudou-se para o Brasil com a família apenas aos 11 anos de idade e viveu no Maranhão antes de estudar Direito na Universidade de Coimbra, e depois, na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo. Por fim, mudou-se para o Rio de Janeiro.

Considerado o principal pensador do Partido Conservador do Império, ele começou a carreira política como um membro da assembleia da província do Rio de Janeiro, aos 25 anos. Aos 29, foi nomeado presidente da Província pelo regente Feijó (que, por causa da menoridade de Dom Pedro II, era responsável por administrar a Coroa). Foi duas vezes ministro da Justiça e três vezes ministro dos Negócios Estrangeiros, além de senador.

O testemunho de quem conviveu com Paulino dá conta de que ele conciliava sabedoria política, amplos conhecimento de Direito e incomparável habilidade diplomática.

Campanha contra o tráfico negreiro

Uma das principais marcas do Visconde do Uruguai foi sua bem-sucedida campanha contra o tráfico negreiro. Em 1851, o esforço frutificou e o Parlamento baniu a importação de escravos. A escravidão não seria abolida até 1888, mas a lei que vetava a aquisição de africanos para o Brasil foi essencial porque estancou o tráfico desumano que durara quase três séculos.

Além da questão moral da escravidão, o assunto envolvia um possível conflito bélico com a Inglaterra, que chegou a atacar navios negreiros a caminho do Brasil. Como diplomata, o Visconde do Uruguai remediou a situação.

O visconde também foi figura central na elaboração e implementação da Lei de Interpretação do Ato Adicional, que reduziu a autonomia dos estados e aumentou o poder do governo central. Apesar da aparente contradição entre centralização de poder e conservadorismo, o Visconde do Uruguai buscava enfrentar um problema real: nas primeiras décadas de Brasil independente, a administração do governo nacional havia passado de muito centralizada para perigosamente descentralizada, em um país de dimensões continentais e pouca interligação entre as províncias. Não por acaso, a primeira metade do século 19 foi marcada por revoltas regionais - a maior delas, a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Paulino defendia a centralização de poder no regime monárquico como forma de preservar a união nacional.

Internacionalização da Amazônia

Com o mesmo espírito, o visconde atuou para consolidar as fronteiras brasileiras. Seu esforço apareceu sobretudo na definição da divisa com Argentina e Uruguai ao Sul, e nas extremidades da Amazônia, em meio a uma campanha aberta pela internacionalização da floresta.

"Sem a atuação diplomática de Paulino José Soares de Souza no Segundo Reinado - e dos seus colaboradores - o Brasil poderia ser bem menor", escreveu o diplomata Miguel Gustavo de Paiva Torres, em artigo publicado pela Fundação Alexandre Gusmão, do Itamaraty.

Ele prossegue: "A herança recebida por Paulino, portanto, foi essencialmente o patrimônio territorial conquistado pelos portugueses na era colonial e, por isso, o seu objetivo fundamental na direção dos negócios estrangeiros do Império era o de assegurar este patrimônio." Paulino, aliás, ganhou o título de Visconde do Uruguai por causa de sua participação decisiva no fim do conflito envolvendo Brasil e Argentina pelas terras que hoje pertencem ao território uruguaio.

Moderação e liberdade

O conservadorismo do Visconde do Uruguai, evidentemente, não tratava de pautas que chegariam ao debate público muito mais tarde, como o aborto e a ideologia de gênero. O rótulo tinha mais a ver com sua postura moderada e à sua tentativa de buscar inspiração nas ideias pró-liberdade que se espalhavam pela Europa e pelos Estados Unidos sem, entretanto, ignorar as peculiaridades brasileiras. Nenhum modelo poderia ser simplesmente transplantado para o Brasil.

Ele também enfatizava a importância de instituições e leis estáveis, assentadas nos costumes da população, diante de ameaças revolucionárias. “Quando uma nação tem instituições administrativas conformes com os bons princípios, úteis, protetoras, arraigadas nos hábitos da população, os novos governos, dada uma mudança politica, servem-se delas; apenas modificam uma ou outra base, um ou outro principio, mas não as destroem, nem podem destruir”, escreveu.

Anna Maria Moog Rodrigues, doutora em Filosofia e professora da Universidade Gama Filho, observa que o visconde era pouco afeito a fórmulas de governo puramente teóricas, sem lastro na realidade: “No Ensaio Sobre o Direito Administrativo, ele reiterou insistentemente a necessidade do estudo da Ciência da Administração e, mais ainda, do estudo da realidade cultural, geográfica e sociológica de cada região a ser administrada, das características do povo, sua índole, sua história e tradições”. Não por acaso, Paulino foi responsável pelo primeiro concurso público para a carreira de diplomata no país.

Ao mesmo tempo, o Visconde do Uruguai reconhecia que a política - porque sujeita à vontade popular - deve se sobrepor à mera administração. “O poder administrativo é portanto secundário e subordinado ao poder político. Organiza o pensamento deste e o põe por obra”, afirmou ele também em Ensaio sobre o Direito Administrativo, seu livro mais conhecido.

No primeiro capítulo da obra, aliás, o visconde aponta que as leis civis se baseiam em uma lei natural, que não depende do Estado. “O Direito natural, o qual constitui o que se chama filosofia do direito, é a coleção das regras que a razão revela a todos os homens, e que são consideradas como gravadas no nosso ser pela mão de Deus.”

É uma visão semelhante à que inspirou os fundadores dos Estados Unidos, e que ainda hoje constitui um elemento central do pensamento conservador. Mas pouca gente nota, inclusive no meio político: pelos registros oficiais, já se passaram 17 anos desde que o nome do visconde foi citado no plenário da Câmara dos Deputados. A última referência foi uma breve citação feita pelo deputado paranaense e ex-prefeito de Curitiba Gustavo Fruet.

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