O ar úmido e quente carregava a cacofonia das ruas para dentro pelas janelas da capela vazia. Mesmo nesse local de silenciosa oração, Calcutá implorava pelo amor delas. O ronco de motores e o som metálico das buzinas dos carros as lembravam de seu chamado. Elas encontravam Jesus não apenas se ajoelhando, mas na forma dos pobres — os corpos esqueléticos das crianças de rua, os moribundos cobertos de feridas, os doentes dos quais ninguém cuidava.
Hoje, os sons acalmavam o silêncio sufocante em seu coração.
Ó Ausente, quanto tempo permaneceras afastado? Anseio por ti, mas tu não me queres. Vazio. Dor. Solidão. Não consigo expressar essa dor. É assim que é o inferno: sem Deus, sem amor, sem fé. A dor é tamanha que sinto como se tudo fosse se romper. Quem sou eu para que me tenhas abandonado?
Ela olhou para as irmãs inclinadas em oração. Elas se ajoelhavam com ela em fileiras sobre tapetes que revestiam o chão, as cabeças cobertas com os saris simples brancos e azuis de sua ordem. Se apenas elas soubessem da dor em seu coração! Elas pensavam que a vida dela com Jesus era repleta de consolação, enriquecida pela comunhão — mas havia naquele jardim mais espinhos do que rosas. Ela lhes falava do amor dele. Guiava-as em sua devoção a ele. Mas o coração dela estava vazio. Ensinava-lhes sobre a proximidade dele ao mesmo tempo que perguntava em seu coração: “Onde está Jesus?”. Não havia Deus dentro dela. Apesar disso, escondia a tristeza com um manto de alegria.
Não deixes minha alma ser enganada. Não deixes que eu engane ninguém. Por favor, Deus, não me deixes estragar a Obra. A Obra é tua.
Era a única certeza que ela possuía — a obra era dele. Aquelas irmãs eram dele. Elas eram sacrifícios vivos de amor, cuidando de Jesus sob o disfarce penoso dos pobres. Ela o havia visto reunir as irmãs — e depois os irmãos — a seu serviço. O mundo percebeu e concedeu dádivas e prêmios. Mas tudo o que ela queria era ele. Por que ele lhe dava todas aquelas outras coisas, mas não a si mesmo? Por que a deixava a sós andando na escuridão?
Pai, que eu tome o que me dás e dê o que me tomas. Não me deixes te recusar. Estou tão perto de dizer “Não”! Concede-me coragem para continuar sorrindo a ti, sorrindo para a Mão que me golpeia, sorrindo para a Mão que me prega à cruz. Tudo o que posso fazer é, como um cachorrinho, seguir tuas pegadas — as pegadas de meu Mestre. Doce Jesus, deixa-me ser um cachorro alegre. Dá-me forças para continuar dizendo “Sim”, para sorrir diante de teu rosto oculto — sempre.
A grande "contradição"
O mundo conhece o nome dela. Madre Teresa. A santa de Calcutá.
Desde os dias de sua juventude no que é agora a Macedônia do Norte, ela ansiava por “amar a Deus como ele nunca foi amado antes”. Jurou dedicar a vida a seu serviço como freira entre as Irmãs de Loreto. O compromisso da congregação religiosa com a educação a levou à Índia para ensinar. Lá aquela jovem corajosa se sobressaiu. Durante quase vinte anos, cuidou das alunas e depois, como diretora, das professoras sob seu comando. As irmãs a respeitavam e notavam seu relacionamento precioso e íntimo com Jesus.
Nessa temporada de doçura e luz, ela recebeu um chamado (aparentemente na forma de uma série de visões e vozes) para formar uma nova congregação, as Missionárias da Caridade. Jesus a chamou para ser sua luz nos “buracos escuros” dos mais pobres entre os pobres de Calcutá, para se tornar as mãos e os pés dele servindo aos necessitados e destituídos.
Depois de esperar quase dois anos pela aprovação das superioras espirituais, Madre Teresa se separou corajosamente da ordem a fim de fundar a nova congregação. O início das Missionárias da Caridade não foi nem um pouco glamuroso. Ela se afastou de todos os que conhecia, de todo conforto, de toda segurança. Não tinha lar nem seguidores, e contava com apenas cinco rúpias no bolso. Seguiu em obediência cega e, como ela mesma diz, “muito pouca coragem”.
Com o passar dos anos, no entanto, Deus abençoou seu ministério, e as Missionárias da Caridade cresceram. Outras irmãs somaram-se à ordem. Fundaram lares para os moribundos e necessitados, assim como programas para crianças de rua. Iam aos bairros pobres e cuidavam dos doentes. Quando as autoridades da igreja concederam aprovação para começar a construção na periferia de Calcutá, as Missionárias da Caridade se espalharam lentamente pelo mundo, cuidando em todos os lugares daqueles que eram indesejados, abandonados e esquecidos. Como sua fundadora, Madre Teresa recebeu aclamação internacional, inclusive o Prêmio Nobel da Paz, por seu amor eterno pelos “pequeninos”.
Sob a superfície, porém, por trás do sorriso vincado que acolhia o sofrimento, havia uma mulher que estava sofrendo. Desde o tempo em que obedecera pela primeira vez ao chamado de Deus para iniciar a vida como Missionária da Caridade, a intimidade que ela desfrutava com ele desaparecera. Era como se, a partir do momento em que ela passou a ter maior necessidade dele, ele houvesse resolvido silenciar. Ela não sentia mais sua presença. Sentia-se sozinha, abandonada. “A Obra” florescia, mas ela própria estava desolada.
É surpreendente ler as palavras de Madre Teresa a seus conselheiros espirituais sobre sua luta. Ela é considerada um exemplo de religiosa particularmente próxima a Deus — uma santa. É lembrada como uma pessoa cheia de amor e alegria. E, contudo, nos lugares mais recônditos do coração, ela não possuía nenhum dos sentimentos que esperaríamos. A seguinte carta a seu confessor fornece um vívido retrato do estado de seu coração, mente e alma “nas trevas”:
Senhor, meu Deus, quem sou eu para que me abandones? A filha do teu amor, e agora transformada na mais detestada, aquela que jogastes fora como indesejada, desprezada. Eu chamo, me agarro, quero, e ninguém responde, ninguém a quem eu possa me agarrar — não, ninguém. Sozinha. As trevas são tão escuras, e estou sozinha. Indesejada, abandonada. A solidão do coração que deseja amor é insuportável. Onde está minha fé? Mesmo lá no fundo, lá dentro, não há nada além de vazio e trevas. Meu Deus, quão dolorosa é essa dor desconhecida! Dói sem cessar. Não tenho fé. Não ouso pronunciar as palavras e pensamentos que povoam meu coração e me fazem sofrer uma agonia incalculável. Tantas perguntas sem respostas vivem dentro de mim… tenho medo de revelá-las, por recear a blasfêmia. Se Deus existe… por favor, perdoa-me. Confio em que tudo terminará no céu com Jesus. Quando tento erguer meus pensamentos ao céu, há um vazio tão condenador que aqueles mesmos pensamentos retornam como facas afiadas e ferem minha própria alma. Amor — a palavra — não traz nada. Dizem-me que Deus me ama, e no entanto a realidade de trevas e frieza e vazio é tão grande que nada toca minha alma.
A emoção deu lugar ao entorpecimento. A plenitude da presença de Deus se transformou em uma concha vazia. Ela gritou para os céus: “Tu me vês aqui? Por que me abandonaste?”. Mas então se perguntou se havia mesmo alguém para escutar seu chamado. Se apenas Deus lhe desse um pouco de consolo, um pequeno sinal de seu terno afeto! Se apenas ela tivesse forças para agarrar-se à fé. A dor era profunda, profunda demais para ela manter a confiança. Tateava no escuro, esperando não se perder. Com a exceção de um mês de trégua, permaneceu nessa noite escura da fé durante quase cinquenta anos, até a morte. Sua jornada foi de fé, não de visão
Sob o manto de um sorriso
Durante décadas, poucos souberam dessa perturbação interna de Madre Teresa. O “manto” de seu sorriso ocultava-lhe a angústia até daqueles mais próximos. Somente após sua morte o mundo descobriu sua dor. Desde então, alguns usaram a revelação de seu sofrimento espiritual para tentar desacreditá-la. Analisaram as motivações dela e emitiram julgamentos sobre sua psique. Declararam-na uma fraude, uma charlatã que exibia uma máscara de fé para encobrir a dúvida e o desespero. Os críticos mais duros chegaram até a usar sua experiência para difamar o Deus que ela adorava e a fé a que devotara a vida. Mas as palavras que ela registrou nos contam uma história diferente. O sorriso de Madre Teresa não era insincero ou hipócrita. Era uma reação de fé em Jesus e amor por ele, uma tentativa de aceitar alegremente tudo o que ele lhe desse ou negasse, mesmo que fosse sua presença. Ela fez um voto durante seus dias em Loreto de não recusar nada a Jesus. O sorriso era seu meio constante de dizer sim a Jesus, mesmo quando isso ocultava um coração partido. Não podemos negar que seu testemunho de vida está repleto de obras altruístas e alegria emblemática.
Mas será que precisamos, como ela diz, aceitar tudo — até a dor mais profunda — com um sorriso? Por mais que eu admire Madre Teresa, não consigo concordar com ela a esse respeito. Acredito que há espaço na vida cristã para o luto, para a lamentação, e, sim, até para a dúvida. No Jardim do Getsêmani, a fiel submissão a Deus levou o próprio Jesus a se curvar até o chão, chorando, em agonia. E, em minha própria vida, às vezes a fé e a alegria permanecem enquanto as lágrimas descem pelo rosto.
Ao analisar o legado externo de Madre Teresa, pergunto-me o que fazer com as trevas que ela descreve. Será que ela estava deprimida? Não consigo responder definitivamente a essa pergunta. É possível. Mas as cartas aos confessores e conselheiros espirituais mais próximos são a única prova que temos de suas lutas e, embora elas revelem seu estado espiritual, não fornecem informações suficientes para que avaliemos se sofria ou não de depressão clínica.
O que sei é que, ao ler suas palavras — as orações, os questionamentos, as dúvidas —, escuto ecos de meus próprios gritos a partir das trevas. Vejo algo que reconheço. Então, quer Madre Teresa estivesse deprimida, quer não, sua presença ainda é necessária nas páginas deste livro. Não temos como diagnosticar seu estado psicológico, mas muitos de nós encontramos nela uma companheira peregrina, com provações espirituais semelhantes às que temos experimentado na depressão. Ela nos transmite a sabedoria de como navegar na vida espiritual quando o céu parece ter silenciado, quando as orações ecoam no vazio, quando o consolo da fé desaparece. Ela nos dá um exemplo de como permanecer na vida espiritual quando sentimos que estamos simplesmente tateando no escuro.
Com frequência, a depressão afeta nosso senso da vida espiritual. Sei que não estou sozinha na experiência de me sentir abandonada por Deus em minhas necessidades mais profundas. Na dor mais intensa, nas trevas mais densas, deparo-me com o silêncio de Deus. Nenhuma emoção. Nenhuma certeza. Dificuldade em orar. As Escrituras perdem o encanto. Indago-me qual o objetivo de tudo isso. Vale a dor? Por que ele me deixa aqui quando mais preciso dele? Sou os discípulos jogados às ondas enquanto ele está dormindo. Sou Maria e Marta enrolando o corpo sem vida do irmão, deitando-o em um túmulo, cobrindo-o de modo que não ficasse visível — e Jesus não está lá. Minha alma dói com a pergunta do salmista, o grito de Cristo na cruz: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?
Em um tempo em que nosso corpo está exausto, a mente confusa, o coração cheio de dor, a ideia de mais uma área de esforços, de fracasso, de futilidade é quase mais do que podemos suportar. Alguns de nós somos tentados a abandonar a fé. Ficamos confusos sobre como proceder quando o chão treme. Muito disso se baseia na percepção de nossos sentimentos.
Não sinto a presença de Deus, por isso me julgo abandonada ou me pergunto se ele se importa. Meu coração hesita diante das palavras das Escrituras, porque elas não trazem consolação tangível — então questiono se são verdadeiras. Minha fé não parece mais a mesma ou a depressão bloqueia minha capacidade de me conectar com ela como fazia antes, e em consequência disso questiono sua legitimidade.
É aí que o exemplo da Madre Teresa nos oferece um caminho a seguir. Ela nos lembra de que a fé e a lealdade são maiores do que nossos sentimentos. As emoções, a consolação e a “sensação de aconchego” da fé são maravilhosas quando vêm, mas não são o teste decisivo sobre a existência de Deus, a esperança do evangelho, ou a fé que ele plantou em minha alma. Essas realidades são maiores do que os sentimentos que se tornam obscurecidos e amortecidos pela depressão.
Madre Teresa também nos lembra de que nossos sentimentos não são o verdadeiro teste de nosso crescimento em santidade. Podemos continuar a ser forjados como seguidores de Jesus, a ter seu fruto cultivado em nossa alma. Frutos de amor, bondade, humildade e até alegria podem crescer no escuro. Podemos não vê-los — ou melhor, “senti-los” —, mas isso não significa que eles não estejam lá. A depressão não interrompe nosso crescimento em piedade. Não coloca nossa vida espiritual em pausa. Madre Teresa nos mostra como é isso concretamente.
Certa vez ela disse: “Agradeça a Deus porque fomos instruídos a seguir Cristo. Como não preciso ir à frente dele, mesmo nas trevas o caminho é seguro. Quando alguns dias são acima da média, eu só fico parada como uma criança bem pequena e espero pacientemente que a tempestade se acalme”. As luzes se apagaram. O caminho adiante se tornou obscuro. Mas ela continuou andando. Foi em frente, sem confiar nos sentimentos, e apesar das dúvidas que a falta deles lhe despertava na alma. Não permitiu que tais sentimentos a fizessem desistir da fé, mesmo quando parecia que a fé havia se dissolvido. Treinou os olhos a ver até os mais pálidos contornos de Jesus seu Salvador — e continuou andando. Seguiu Jesus no escuro.
A fé demonstrada por Madre Teresa pode parecer hercúlea demais para que consigamos atingi-la. Mas eu lhe garanto: houve momentos em que a crença dela estava fraca. Ela questionou a existência de Deus e duvidou da própria fé. As palavras que visavam consolá-la espiritualmente lhe trouxeram apenas mais perguntas.
Vemos isso em alguns dos conselhos que ela recebeu de seus conselheiros espirituais, como quando um deles a lembrou da proximidade de Deus. Isso é dito a muitos que questionam a presença de Deus em meio à dor. Eu o escutei. Eu o disse a outras pessoas — porque acredito que seja verdade. As Escrituras nos mostram um Deus que é próximo dos que estão tristes, que se aproxima dos fracos, que adentra a confusão conosco. Mas pode ser difícil essa verdade ressoar em nosso coração partido e deprimido. Madre Teresa escreveu: “Minha alma é como [um] bloco de gelo… não tenho nada a dizer. Você diz que Deus está ‘tão perto que não se pode vê-lo nem ouvi-lo, nem mesmo vivenciar sua presença’. Não entendo isso, Padre… e, apesar disso, gostaria de entender”. Ela não entendia como Deus podia estar perto quando seu coração se sentia daquela forma, mas queria entender. Continuou a ir em frente, tendo fé em que, de algum modo, em algum lugar, de alguma forma, ele ainda estivesse ali. Vê-la lutando com sua fé em formas que reconheço me dá um estranho tipo de conforto. Dá-me permissão para lutar também e saber que essa luta não precisa minar minha caminhada com Deus.
Oração e obediência nas trevas
Independentemente de seus sentimentos, Madre Teresa continuou a buscar Jesus em oração. Mas a oração (e outras disciplinas espirituais também) parece diferente no escuro em relação ao que parecia nas temporadas de luz, calor e deleite. Tudo parece diferente. A “ajuda e consolação” que a oração costumava fornecer desapareceu. Em vez disso, seu coração estava repleto de dor e desejo.
Às vezes, apenas escuto meu coração gritar: “Meu Deus”, e nada mais acontece. A tortura e dor que não consigo explicar… Antes eu conseguia passar horas diante de Nosso Senhor, amando-o, conversando com ele, e agora nem mesmo a meditação vai bem, nada além de “Meu Deus”, e mesmo isso às vezes não vem. Entretanto, lá no fundo, em algum lugar de meu coração, esse desejo por Deus continua avançando nas trevas.
A unidade que ela experimentara com Deus em oração e a sensação de estar em sua presença se dissiparam a tal ponto que ela insistia em que não orava, não conseguia mais orar. Seus lábios formavam palavras, mas elas não lhe traziam mais uma sensação de conexão ou paz. Ela lutava com a própria existência de Deus, mas, apesar disso, dirigia todos esses pensamentos e sentimentos a ele — apesar de tudo, ela orava.
Ela orava, e Jesus se reunia a ela no caminho. Estava com ela em suas palavras sufocadas. Estava com ela quando ela estava cercada pelas orações das irmãs durante as orações da comunidade. Estava com ela quando ela andava pelas ruas de Calcutá. Ela orava corajosamente sobre sua dor, chegando a contar a Deus que não sabia se acreditava nele: “A escuridão é tanta que não vejo realmente, nem com a mente, nem com a razão. O lugar de Deus em minha alma está em branco”. Quaisquer que fossem seus sentimentos, ela depositou diante de Deus seus pensamentos, questionamentos e mágoas.
Nesse sentido, as cartas e orações dela me lembram os salmos de lamentação na Bíblia. Ela não sabia o que orar e às vezes não estava convencida de que Deus estivesse escutando ou que estivesse mesmo ali. Mas entregou o coração ferido a
ele, continuou orando, continuou chamando. Bateu à porta do céu, suplicando que Deus a escutasse, suplicando-lhe que aparecesse. Isso não removeu a dor que sentia. Não fez surgir uma súbita luz em meio às trevas. Mas a manteve no lugar
certo — aos pés dele. E essa fé e confiança pequenas, singelas, como as de uma criança, bastaram para fazer com que ela prosseguisse durante toda a vida.
Outra prática que ajudou Madre Teresa a encontrar o caminho nas trevas foi a obediência. Certa vez ela a chamou de “a única coisa que me mantém na superfície”. Outrora ela havia escutado o chamado de Deus. Fora chamada a dedicar a vida a seu serviço, a segui-lo servindo aos pobres, a liderar uma congregação religiosa, a cuidar dele atendendo às necessidades dos que sofriam. Então, mesmo quando sua vida interior se tornou “gelada”, mesmo quando tudo dentro dela eram “trevas”, ela foi em frente com uma “fé cega”. Em uma carta, ela escreveu:
Se existe inferno, deve ser isto. Quão terrível é estar sem Deus, sem oração, sem fé, sem amor. A única coisa que ainda permanece é a convicção de que a obra é dele, que as irmãs e os irmãos são dele. E me agarro a isso como alguém que não tem nada se agarra a uma palha, antes de se afogar. E, ainda assim, Padre, apesar de tudo isso, quero ser fiel a ele, consumir-me por ele, amá-lo não pelo que ele dá, mas pelo que ele tira. Estar à disposição dele.
Ela não entendia tudo. Não tinha respostas para a razão pela qual sofria. Mas continuou a seguir as últimas ordens do Mestre, agindo todos os dias em obediência da melhor forma que conhecia. Saber que estava fazendo a obra de Deus era reconfortante quando tudo o mais parecia perdido.
A atitude de Madre Teresa é inspiradora, mas fico pensando em como imitá-la. Nossas situações são tão diferentes! Não sou uma freira, sujeita à obediência a meus superiores religiosos. Não recebi um chamado claro, específico como ela.
Sei também quão debilitante pode ser a depressão. Como qualquer doença, ela afeta cada um de nós de modo diferente. Como qualquer doença, ela força alguns de nós a “andar claudicando” e faz com que outros desmoronem. Alguns de nós talvez consigamos dar continuidade a nossos trabalhos ou prosseguir aos trancos e barrancos com nossas atividades e responsabilidades. Outros de nós mal conseguimos sair da cama a cada dia.
A depressão não mostra que alguns são mais obedientes ou fiéis do que os outros. Não quero usar o exemplo de Madre Teresa para dizer que devemos escolher o caminho da integridade ou que aqueles de nós incapacitados pela depressão são fracos, desobedientes ou infiéis.
No entanto, acho que Madre Teresa ainda tem algo a nos ensinar aqui. Nós também podemos procurar ser fiéis e obedientes em meio à profunda dor. Não precisa ser um ato grandioso — e não precisa conduzir à culpa em relação a tudo o que a depressão nos impede de fazer. (Já temos culpa suficiente.) Pode ser tão simples quanto sair da cama, escolher a vida colocando nossos pés no chão. Pode ser tomar a medicação conforme a recomendação dos médicos ou dar o corajoso passo de pedir ajuda. Pode ser fazer exercícios ou deixar aquele amigo levar-nos para um café. É dar o próximo pequeno passo depois de ficar em pé.
Deus planejou “boas obras […] de antemão […] para nós” (Ef 2,10). Ele criou você com paixões e habilidades únicas, com um belo estilo por meio do qual só você pode refleti-lo no mundo. Ele o convidou a participar da obra de seu reino. “Obediência” a esse “chamado” é viver cada momento na fé em que você ainda acredita que isso seja verdadeiro, mesmo quando seu mundo e visão daquele reino são fracos. Siga Jesus, nesse jeito humilde e hesitante. Isso é o que significa ser fiel.
Aprender o amor no sofrimento
Enquanto Madre Teresa buscava seguir Jesus fielmente, sua dor esculpia profundezas dentro dela para o cuidado dos outros. Ela procurava Jesus nas trevas — e o encontrou nas trevas vivenciadas por outras pessoas. Encontrou a presença dele no sofrimento.
Ela falava com frequência em cuidar daqueles que eram indesejados e desprotegidos — essa era a pior forma de pobreza, insistia. A compaixão por eles cresceu sem cessar à medida que ela, ano a ano, se sentia indesejada, desprotegida, abandonada e negligenciada por Deus. Ela afirmou: “A situação física de meus pobres abandonados nas ruas, indesejados, desprezados, abandonados, é o verdadeiro retrato de minha própria vida espiritual, de meu amor por Jesus”. Ela conhecia a dor que eles vivenciavam — e a dor que ela suportava proporcionava ainda mais empatia. O sofrimento gerava o amor. Mais tarde ela o diria assim: “Vim a amar as trevas” — porque descobriu que as trevas eram parte da obra, parte de sua capacidade de servir aos outros.
Não estou sugerindo que precisemos chegar a “amar as trevas” da depressão, da mesma forma como não sugiro que devamos amar uma perna quebrada. Dor é dor, e não há necessidade de espiritualizar o masoquismo. Mas qualquer forma de dor, inclusive a depressão, pode nos moldar de forma positiva se assim permitirmos. Deus pode, em sua graça, transformar os efeitos de nossa dor em algo bom. O Deus que ressuscita, que dá vida ao que está morto, pode extrair as cinzas de nossa agonia e criar beleza. Pode usar nosso sofrimento para nos ensinar a amar.
Não é aqui também que irei lhe dizer que você conseguirá sentir esse processo à medida que ocorre. Não — a maior parte do tempo nós temos a companhia dos questionamentos e da dor. Perguntamos, como fez Madre Teresa: “Onde está Jesus? Quanto tempo ficará ele afastado?”. Indagamo-nos como Deus pode nos usar. Estamos tão absolutamente esvaziados de pensamentos e emoções que a possibilidade de tal esperança nem é percebida.
Porém um dia você se senta à mesa diante de alguém e reconhece seus olhos vazios, exaustos. Você lê uma longa carta que lhe corta o coração. Você atende o telefone e escuta um “alô” suspirante. E, nesse dia, você se lembra. Lembra-se da dor e da desorientação, do sabor amargo. Vê neles algo que reconhece — e você sabe como amá-los, porque já andou pelo vale das sombras.
Esses são os momentos em que podemos dizer, com Madre Teresa, que viemos a “amar as trevas” — não em si mesmas, mas porque elas se tornaram o campo de treinamento para nos equipar a ajudar outro viajante sofredor.
Diana Gruver é mestre em Formação Espiritual pelo Seminário Teológico Gordon-Conwell e diretora de comunicação do Instituto Vere, organização norte-americana dedicada à capacitação de líderes cristãos. O texto acima integra seu livro de estreia, "Juntos na Escuridão: Depressão, Dúvida e Fé na História de Sete Cristãos", lançado neste ano no Brasil pela editora Mundo Cristão. Além do capítulo dedicado à Madre Teresa, a obra ainda revisita a trajetória de Martinho Lutero, Hannah Allen, David Brainerd, William Cowper, Charles Spurgeon e Martin Luther King Jr.
Como a eleição de Trump afeta Lula, STF e parceria com a China
Alexandre de Moraes cita a si mesmo 44 vezes em operação que mira Bolsonaro; acompanhe o Entrelinhas
Policial federal preso diz que foi cooptado por agente da cúpula da Abin para espionar Lula
Rússia lança pela 1ª vez míssil balístico intercontinental contra a Ucrânia
Deixe sua opinião