À primeira vista, esse parecia como todos os outros: aleatoriamente mortal, deliberadamente brutal.
Nos últimos dois anos, assassinatos em massa reivindicados ou inspirados pelo Estado Islâmico se tornaram uma aterrorizante realidade na Europa ocidental: ataques inesperados e improvisados com caminhões, bombas e tiroteios em Paris, Bruxelas, Nice, Berlim e Londres. Manchester — onde 22 pessoas foram mortas em um ataque segunda-feira (22) à noite do lado de fora do local de um concerto — parecia o mais recente episódio em uma saga mortal que agora reivindicou mais de 300 vidas.
Mas havia detalhes. Entre outras coisas, esse era um concerto cujo propósito era celebrar o empoderamento feminino, e muitas das vítimas eram jovens mulheres britânicas que estavam lá para participar.
Se, como se reivindicou, esse ataque foi levado a cabo por um apoiador do Estado Islâmico, o fato de mulheres terem sido vítimas pode ter sido deliberado.
“É bem conhecido que a misoginia está profundamente enraizada na visão de mundo do radicalismo islâmico”, disse Shashank Joshi, um pesquisador sênior do Royal United Services Institute, um grupo de interesse com sede em Londres.
No palco na noite de segunda-feira estava Ariana Grande, a mega-estrela americana de 23 anos autodenominada “dangerous woman” (mulher perigosa) – famosa por letras que buscam promover o poder feminino e rotinas de dança que exaltam o corpo feminino.
“Dangerous Woman” está entre os sucessos mais populares de Grande: “não preciso de permissão”, começa a canção, “tomei minhas decisões para testar meus limites”. Grande frequentemente aparece no palco vestindo orelhas de gato ou lingerie. O significado de sua apresentação — ao menos em Manchester — não passou despercebida por seu público.
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Melissa Mason, de 23 anos, e Rhiana Fitzwilliam, de 18, tinham viajado desde Cumbria, no extremo norte da Inglaterra, para ver Ariana ao vivo em concerto pela primeira vez. Elas reservaram um quarto no centro municipal de Manchester e estavam ansiosas para a aventura – no mínimo, era um tempo longe de seus empregos em cafés.
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Mas a sensação de independência que Ariana prega tão frequentemente em sua música foi roubada delas, dizem, em um ataque que parecia capitalizar sua alegria e sua devoção juvenil a uma de suas estrelas favoritas.
Na terça-feira, o que elas se lembraram era de que na noite anterior a arena estava repleta de muitas mulheres de sua idade “e da idade da Ariana Grande, também”, Melissa acrescentou. “Parece ter um sentido.”
“Por que nós?”, acrescentou. “Por que esse concerto?”
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Conforme a polícia britânica continua sua investigação sobre a motivação por trás do ataque, essas são questões que ainda não têm respostas claras.
No comunicado divulgado terça-feira (23) reivindicando a autoria do ataque, o Estado Islâmico não mencionou mulheres explicitamente, condenando ao invés disso o que chamou de uma “arena de concertos desavergonhada”. No momento, não se sabe se o autor do ataque — identificado por autoridades americanas sob condição de anonimato como Salman Abedi — deixou quaisquer indícios substantivos sobre sua escolha de lugar.
Para analistas, contudo, o fio condutor era claro o suficiente mesmo sem uma carta de intenção: o lugar era o que era; as vítimas eram quem eram.
“Há uma conexão entre o ataque a um concerto como esse e a escravidão de garotas jovens no norte do Iraque”, disse Joshi.
Para Joshi, a ideologia islamista vem usando há muito tempo o ódio contra mulheres como um ponto de partida para condenar a sociedade ocidental como imoral e “decadente”. A mesma perseguição da chamada “decadência”, ele disse, pode ser vista em uma variedade de “alvos menores” desde o 11 de setembro – terraços de cafés em Paris, um calçadão de frente para o mar em Nice e, especialmente, uma conhecida boate gay em Orlando.
“Se você voltar a documentos do começo do islamismo radical”, ele disse, “a misoginia e a hostilidade cultural têm frequentemente sido dois lados da mesma moeda.”
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