“Talvez estejamos testemunhando”, escreveu Francis Fukuyama no The National Interest há 30 anos, “não apenas o fim da Guerra Fria ou o fim de um período específico do pós-guerra, mas o fim da história como tal: isto é, o fim da evolução ideológica da Humanidade e da universalização da democracia liberal ocidental como o produto final do governo humano”.
Essa frase tornou Fukuyama famoso. E também o transformou num famoso mal-entendido. Ele esclareceu logo depois: “Isso não quer dizer que não haverá mais acontecimentos para encher as páginas de relações internacionais da Foreign Affairs todos os anos, já que a vitória do liberalismo ocorreu primeiramente no campo das ideias e da consciência, mas ainda está incompleta no reino do mundo material”.
Essa fala se revelou um eufemismo. Ainda assim, a advertência de Fukuyama não foi capaz de dissipar a impressão de que aquele funcionário de trinta e poucos anos no Departamento de Estado de George H. W. Bush estava dizendo que a história tinha chegado ao seu apogeu na democracia liberal mundial.
Fé e nacionalismo
A verdade é que o argumento de Fukuyama em O Fim da História era mais sutil do que seus críticos imaginaram. Ele reconhecia o poder duradouro da fé: “A ascensão do fundamentalismo religioso nos últimos anos, dentro das tradições cristã, judaica e muçulmana, foi percebida”. E ele se deteve sobre a persistência do nacionalismo: “O nacionalismo foi, historicamente, uma ameaça ao liberalismo na Alemanha e continua a ser em partes isoladas da Europa pós-histórica, como na Irlanda do Norte”. Ele dizia que tanto a religião quanto o nacionalismo impediriam a atualização dos princípios democráticos liberais. Mas nenhuma alternativa tinha o poder de derrotar a democracia liberal conceitual ou intelectualmente.
Na verdade, à exceção do Islã político, “que não tem muito apelo entre os não-muçulmanos”, Fukuyama disse: “outros impulsos religiosos menos organizados foram satisfeitos com sucesso dentro da esfera da vida pessoal permitida nas sociedades liberais”. Tampouco estava claro que "o nacionalismo representa uma contradição irreconciliável no âmago do liberalismo”. O nacionalismo é um assunto complicado. “A maioria dos movimentos nacionalistas do mundo não tem um programa político que vá além do desejo de independência de outro grupo ou povo e não tem uma pauta ampla de organização socioeconômica para oferecer”. A religião e o nacionalismo poderiam ser incomodados à democracia liberal. Talvez eles tenham de ser incorporados. Acontecimentos recentes sugerem que as democracias liberais que negligenciam ou repreendem impulsos religiosos ou nacionalistas são um convite à resistência popular e à revolta.
O fim da história testemunhava a geopolítica sendo substituída pela geoeconomia. O “mundo livre” se transformaria na “economia global”. No seu parágrafo final, Fukuyama escreveu: “A luta por reconhecimento, a disposição de ariscar a vida alheia por um objetivo meramente abstrato, a disputa ideológica mundial que exige ousadia, coragem, imaginação e idealismo, será substituída pelo cálculo econômico, a interminável solução de problemas técnicos, as preocupações ambientais e a satisfação das exigências do consumidor sofisticado”. A cultura pós-moderna seria redundante e decadente. A nostalgia por coisas maiores do que a abundância material da democracia liberal (também conhecida como “capitalismo democrático”) atrairia os corações humanos. “Talvez o prognóstico de séculos de tédio ao fim da história sirva para dar início à história mais uma vez”.
Disputa pelo controle do mundo
A democracia liberal foi justificada não concreta, mas teoricamente. Os esforços para se compreender os princípios democráticos liberais terão continuidade indefinidamente. A época da publicação do ensaio de Fukuyama — ele foi publicado alguns meses antes da queda do Muro de Berlim e de o Império Soviético começar a se desintegrar — talvez explique a leitura equivocada dos críticos. De repente, parecia que a disputa pelo controle do mundo tinha chegado ao fim.
Não era isso o que Fukuyama dizia. Mas essa leitura imediatamente se tornou a interpretação comum do que ele dissera. E esse equívoco explicava boa parte da complacência e hipocrisia da elite ocidental que achava que estava “do lado certo da história”.
Fukuyama tentou corrigir o erro, sem muito sucesso. Uma ambiguidade de seu pensamento quanto à “realidade” do fim da história contribuiu para a confusão. Apesar de ele ter dado ênfase, nos textos posteriores, à sede humana por reconhecimento e fama, em retrospecto talvez não tenhamos apreciado o poder aglutinador da religião e nacionalismo. Sua plateia de elite com certeza não. “A nova China se parece mais com a França de De Gaulle do que com a Alemanhã pré-Primeira Guerra Mundial”, escreveu ele em 1989. Quem dera.
“A magnitude das ameaças que surgiram nos últimos 30 anos sugere que Fukuyama desprezou a persistência das alternativas políticas autoritárias”, escreveu Peter Berkowitz no RealClearPolitics. “E que ele subestimou as tensões internas e as paixões desestabilizadoras inerentes à democracia liberal – entre elas a impaciência com a igualdade formal sob a lei que dá origem a um desejo por uma igualdade ampla, por um lado, e a busca por um sentimento de comunidade e uma ânsia pelo sagrada, por outro”.
Isso é algo que Fukuyama acata. Refletindo sobre Samuel Huntington, cujo livro Clash of Civilizations [Conflito de civilizações] foi considerado uma antítese ao “O Fim da História”, ele disse que “por enquanto, parece que Huntington está vencendo”. A democracia liberal talvez tenha triunfado dialeticamente, mas a religião e o nacionalismo parecem não ter notado nem se importado com isso. Além do mais, como outro dos interlocutores de Fukuyama, Charles Krauthammer, notou em The Point of It All [O porquê disso tudo], não são apenas os concorrentes estrangeiros que argumentam contra a democracia liberal. A mentalidade do “fim da história” também parece estar se desfazendo em seu próprio território.
Respondendo a Fukuyama há 30 anos, Daniel Patrick Moynihan citou a frase “sinto dentro de mim e vejo nos outros ao meu redor uma nostalgia por um tempo quando a história ainda existia” e complementou “temo que ele sobreviva para se descobrir de novo ‘numa época interessante!’” Nisso, assim como em várias outras coisas, Moynihan tinha razão.
Matthew Continetti é editor-chefe do Washington Free Beacon e bolsista do National Review Institute.
© 2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês