Ouça este conteúdo
Desde o início de agosto, as frotas de táxis-robôs Waymo e Cruise passaram a operar 24 horas, todos os dias da semana, em San Francisco, na Califórnia. A novidade mudou a paisagem local. Agora é comum ver carros sem motoristas trafegando pelas famosas e congestionadas ladeiras e vias da cidade.
A decisão fez de San Francisco a primeira grande metrópole na qual duas frotas de veículos que operam de forma totalmente autônoma circulam por suas vias em período integral. Ambas as empresas avaliam que a aprovação servirá de impulso para a expansão dos serviços em outras cidades nos Estados Unidos.
A Waymo e a Cruise testam seus veículos em San Francisco há vários anos e, em 2020, puderam lançar uma pequena frota de carros sem motorista. Inicialmente, os carros atendiam aos pedidos com a supervisão de um motorista, que acompanhava todo o percurso e podia assumir o volante caso fosse necessário.
Durante o período de testes, as empresas só podiam oferecer seus serviços entre as 22h e 6h, a uma velocidade máxima de 48 km por hora. Agora, além da possibilidade de operar inclusive em horários de rush, em San Francisco e parte do condado de San Mateo, os carros da Waymo poderão trafegar com velocidade de até 96 Km/h.
A advogada Katherine Allen (37) começou a usar os serviços da Waymo desde o início da fase de testes. Ela contou ao caderno de automóveis do jornal inglês Financial Times que, como de costume, fez o chamado pelo aplicativo, mas se surpreendeu ao ver que não havia um motorista para supervisionar a corrida.
“Fiquei muito nervosa da primeira vez, mas não tanto a ponto de não querer aceitar [a corrida]. Eu também estava animada", disse ela. “Durante os primeiros dois terços da viagem, talvez cerca de 20 minutos, eu estava surtando. Mas, de repente, parecia normal, o que é estranho, porque não era normal!”
Como é uma corrida no táxi-robô de San Francisco
Outros passageiros tiveram uma experiência menos traumática e até divertida. Guy Scriven, editor de tecnologia da revista inglesa The Economist, relatou em tempo real sua experiência com um táxi-robô da Waymo para um podcast da revista chamado The Intelligence.
“Estamos em Noe Valley, que é um bairro ensolarado e familiar em San Francisco. Eu preciso ir à farmácia, preciso comprar um pouco de leite e quero ver como é fazer suas tarefas em um carro que dirige sozinho”, disse.
Scriven viu o carro se aproximar do local em que estava, depois de parar atrás de um ônibus. “Ele tem um monte de sensores e detectores e, bem em cima de tudo isso, tem um grande cone que está piscando minhas iniciais nesse momento, o que na verdade eu acho muito legal. Está escrito GS em letras grandes”, relatou.
Após pressionar o botão para destravar as portas no aplicativo em seu celular, o editor, que estava acompanhado de sua produtora, Maggie, foi saudado pela inteligência artificial do computador de bordo do carro: “Olá! Só nos dê um minuto para cobrir algumas dicas da corrida.”
O editor descreveu como foi possível ver o volante girando e se ajustando à medida que avançavam. O carro parou quando alguns pedestres se aproximaram e diminuiu a velocidade quando um outro veículo, saindo do supermercado, adentrou a via.
“Basicamente, parece ser um motorista bastante cauteloso até agora, ele parou bem cedo quando viu qualquer coisa, agora estamos subindo mais algumas colinas parando aqui e ali”, afirmou.
Um “ponto alto” da corrida foi quando o táxi-robô parou no meio de uma faixa de pedestres, com várias pessoas passando pelo carro. “Acho que se você fizesse isso em uma prova direção, seria reprovado”, disse Scriven.
Em outro momento do percurso, os passageiros se surpreenderam ao passar por outro táxi-robô, mas da empresa Cruise. Ao chegar a seu destino, o carro parou embaixo de uma placa em que estava escrito que era proibido estacionar, a não ser por uns poucos minutos para carga e descarga. Os passageiros desceram rapidamente, para não extrapolar o limite de tempo do local.
Outros relatos também dão o testemunho de que os carros dirigem de forma calma. O repórter Tripp Mickle, do jornal The New York Times, recebeu uma explicação mais detalhada ao adentrar o veículo.
“Olá Tripp. Esta experiência pode parecer futurista", disse o carro. "Por favor, não toque no volante ou nos pedais durante o trajeto. Para qualquer dúvida, você pode encontrar informações no aplicativo Waymo. Por exemplo, como mantemos nossos carros seguros e limpos."
Ainda com os avisos, o jornalista tentou segurar o volante em determinada parte do percurso. Mas não obteve sucesso, já que o carro seguiu seu caminho como se nada estivesse acontecendo.
Prós e contras dos táxis autônomos
A frota da Waymo, controlada pela Alphabet, dona do Google, é constituída por 250 veículos brancos da marca Jaguar, com um sensor que se assemelha a uma sirene, com a logomarca da empresa, um W azul esverdeado (ou vice-versa), instalado em seu teto.
Os carros da Cruise, de propriedade da General Motors, possuem a mesma marca distintiva, embora o sensor seja composto por duas sirenes acompanhadas por dispositivos que parecem câmeras de segurança. Todo esse aparato lhe confere um visual bastante menos clean que o da concorrente.
A autorização para a plena operação foi alvo de intensos debates, o que resultou em duas remarcações da data de votação. Algumas instituições, como o Corpo de Bombeiros da cidade, estavam céticas quanto à plena implementação do serviço – o chefe da corporação chegou a afirmar que os carros “não estavam prontos”.
Mas, mesmo diante dos atrasos e alertas, os argumentos em favor do “avanço tecnológico” venceram. Entidades que apoiam pessoas com deficiência votaram a favor. Em sua página, por exemplo, a Cruise relata como está adaptando seus carros para atender cadeirantes com todo o conforto.
Entidades como a Blinded Veterans Association [Associação dos Veteranos Cegos, em livre tradução], a Epilepsy Foundation of Northern California [Fundação de Epilepsia do Norte da Califórnia] e o Curry Senior Center [Centro Sênior Curry, organização de assistência a idosos], fizeram uma carta aberta em favor da aprovação plena dos serviços.
“Eles aumentam o acesso ao transporte para os membros das comunidades que representamos. Muitas pessoas ainda acham muito difícil chegar onde precisam com segurança”, dizia a carta.
Algumas entidades afirmam que os táxis-robôs também são mais inclusivos para cegos, por exemplo. Segundo seus representantes, não é raro que esses usuários tenham seus chamados cancelados por veículos do Uber, por exemplo, cujos motoristas se recusam a transportar cães-guia, o que não ocorre com veículos autônomos.
Por outro lado, também há críticas em relação à acessibilidade dos veículos. Usuários cadeirantes afirmam que as empresas ainda não os tornaram totalmente acessíveis e que falta estabelecer padrões claros de acessibilidade.
Outro ponto levantado é que, muitas vezes, os táxis-robôs não recolhem ou deixam os passageiros nas calçadas ou, até mesmo, estacionam longe dos locais de destino, o que dificulta o acesso das pessoas com deficiência.
“Não deveríamos deixar passar [a aprovação para extensão dos serviços] só porque as empresas em questão argumentam que algum dia será bom para a comunidade de deficientes. Ainda não chegou”, disse Ian Smith, que é cadeirante, ao jornal inglês The Guardian.
Falta de restrições e de limites para as chamadas noturnas
Um dos pontos que as empresas ressaltam para defender seus serviços é a segurança para viagens noturnas. Segundo a Cruise, dirigir à noite é mais perigoso que durante o dia – 50% das mortes nas estradas ocorrem à noite, com apenas 25% do total de quilômetros percorridos nesse horário.
A empresa afirma que, durante a pandemia da Covid-19, a insegurança alimentar disparou e que sua frota foi utilizada para a entrega noturna de 2,3 milhões de refeições para moradores necessitados de San Francisco.
Em março deste ano, a empresa anunciou um programa piloto que oferece caronas gratuitas para trabalhadores noturnos de San Francisco. Na cidade, como ocorre em tantas metrópoles no Brasil e em outros países, as opções de transporte noturno são escassas. Além disso, motoristas de aplicativos e de táxis também enfrentam riscos mais altos para a sua segurança.
Os táxis autônomos não sofrem com esse tipo de questão. Podem buscar passageiros em regiões remotas ou com pouco acesso a transportes públicos e outras formas de locomoção. E, por não terem condutores, estão sujeitos a riscos reduzidos de assaltos.
Mas a falta de condutores e de alguém que iniba os comportamentos dos passageiros, aparentemente, tem levantado outras questões. Há diversos relatos de pessoas fazendo sexo em veículos autônomos da Cruise durante as viagens noturnas. O uso de drogas também é outra possibilidade.
Tanto a Cruise quanto a Waymo afirmam que mantém gravações em vídeo das viagens e que podem utilizá-las para solucionar questões como limpeza, segurança, batidas e itens perdidos – e, talvez, denúncias contra práticas sexuais e uso de drogas em seus veículos.
Outro desdobramento que envolve as gravações de vídeo dos carros autônomos também diz respeito à segurança. A polícia de San Francisco já requisitou filmagens dos carros da Waymo e da Cruise para ajudar a solucionar crimes, segundo reportado pela Bloomberg.
Segurança e avanços na condução
Uma semana após o início da ampliação dos serviços, uma série de incidentes fizeram com que, em 18 de agosto, a autoridade local estipulasse a diminuição em 50% dos carros da Cruise em operação em San Francisco, que ficaram restritos a 50 veículos durante o dia e 150 à noite.
Em um deles, um de seus táxis autônomos colidiu com um caminhão do corpo de bombeiros que atendia a uma emergência. Segundo o Departamento de Veículos Motorizados da Califórnia, os carros autônomos teriam interferido no atendimento a cerca de 40 situações de emergência ao longo de 2023. Também foram reportadas 70 colisões.
Em circunstâncias mais surpreendentes, um dos táxis-robôs ficou atolado no concreto ainda úmido. Também foi reportado bloqueio no trânsito de um bairro movimentado da cidade, causado pela aglomeração de veículos da Cruise no local.
Um táxi-robô da empresa também teria atropelado e matado um cachorrinho. Há alguns anos, também houve relato em que um carro autônomo da Waymo, que contava com um motorista de segurança operando o volante, atropelou um pedestre que precisou ser levado ao hospital.
A dificuldade dos robôs para interpretar as condições do trânsito são a causa de certas paradas imprevistas que condutores humanos resolvem de forma mais rápida. As empresas, no entanto, dizem que, além de serem raras, essas paradas são o modo mais seguro de lidar com circunstâncias incomuns.
A segurança é uma das prioridades defendidas pelas empresas. Segundo o site da Cruise, em geral, a porcentagem de colisões de seus carros é 54% inferior à de veículos dirigidos por humanos. Nas colisões que envolveram os carros da empresa, o risco de lesões graves foi 73% menor.
Ambas as companhias afirmam que seus serviços ajudam a reduzir lesões e mortes no trânsito nos locais em que atuam. Em 2022, quase 46 mil pessoas morreram em razão de acidentes de trânsito nos EUA, um aumento de 22% desde 2019.
Em todo mundo, 1,3 milhão de pessoas morrem em acidentes de trânsito anualmente, ou 3,7 mil por dia. Entre 2015-2030, as mortes e lesões causadas no trânsito geraram um impacto de US$ 1,8 bilhão [R$ 8,77 bilhões] para a economia mundial.
Um estudo conduzido pela Rand Corporation [um instituto de pesquisa e desenvolvimento dos EUA em vários campos e indústrias] indica que, se a condução dos veículos autônomos for 10% mais segura que a do motorista humano médio, ao longo de 35 anos, 600 mil mortes poderiam ser evitadas nos EUA.
Mapeamento minucioso e aprendizagem em linha
A fim de garantir a segurança e precisão dos serviços que oferecem, as empresas contam com milhões de horas de testes – o equivalente, para humanos, a décadas de treinamento para condução de veículos.
A essa expertise, se somam bilhões de horas de simulações feitas em seus sistemas de condução automática. Para realizar essas simulações e também para guiar os carros autônomos em suas corridas no dia a dia, ambas as empresas contam com dados detalhados dos locais em que operam.
Mapas digitais que chegam a distinguir placas, plantas e sinalizações, bem como construções e coordenadas abastecem as bases de dados dos sistemas de inteligência artificial usados para a localização e deslocamento dos veículos autônomos.
Além disso, os sistemas ainda contam com aprendizagem compartilhada, em que as atualizações e escolhas feitas por cada veículo são automaticamente repassadas para toda a frota.
“Nossos carros têm uma capacidade única de aprender com eventos rodoviários em toda a frota, aprimorando suas capacidades em velocidades incríveis. Este ritmo rápido de aprendizagem é um dos principais fatores que permitiu a nossa recente expansão em várias grandes cidades dos EUA”, afirma a Waymo.