Se não é uma revolução o que está acontecendo dentro do movimento conservador americano, é algo muito semelhante: após várias décadas de aliança pacífica entre o conservadorismo e o liberalismo clássico, surge a ideia de que o Estado mínimo já não serve para proteger uma série de bens sociais. Os mais otimistas confiam que desse replanejamento surja um novo consenso. Outros desconfiam.
Para entender rapidamente as implicações desse debate, basta observar a nova acusação que a esquerda faz aos conservadores: vocês se tornaram intervencionistas. A acusação surge de várias leis impulsionadas pelos republicanos de inclinação conservadora (nem todos são assim); seus críticos veem nessas leis uma intromissão do Estado na vida das pessoas.
Jamelle Bouie, colunista do New York Times, cita como exemplo desse tipo de leis aquelas que proíbem ou limitam severamente o aborto, as "transições" de gênero ou a participação de atletas trans em esportes femininos. Uma das mais chamativas mencionadas foi aprovada em Idaho em abril passado, onde o aborto é altamente restrito: impõe penas de dois a cinco anos de prisão para aqueles que ajudarem menores a abortar em outro estado.
Por que escandaliza tanto o "governo intrusivo" dos conservadores? A esquerda não faz o mesmo quando ordena a empresas familiares (caso Hobby Lobby) ou a uma congregação religiosa (as Irmãs dos Pobres) que financiem ou facilitem métodos contraceptivos, alguns com possível efeito abortivo, nos seguros médicos de suas funcionárias?
Bem, de imediato, sim. O problema é que no imaginário coletivo americano está enraizada a ideia de que a esquerda é favorável ao intervencionismo estatal, enquanto a direita busca minimizar essa intervenção. Daí o título de Bouie: "Acontece que os republicanos não odeiam um Estado forte".
Na mesma linha vão as críticas da The Economist, bastião intelectual do liberalismo clássico, que há algum tempo lamenta a deriva conservadora. A revista britânica agora está de olho no governador da Flórida, Ron DeSantis, acusando-o de querer "restringir a liberdade de expressão em nome da liberdade de expressão" com suas leis educacionais.
O problema não é o liberalismo, mas sim a falta dele
Como os conservadores veem essa polêmica? Bem, isso depende de qual lado do debate eles estão. De uma forma geral, existem duas posturas distintas.
Em primeiro lugar, temos os conservadores liberais, que foram a corrente dominante nos Estados Unidos até alguns anos atrás. Eles acreditam que, em um contexto em que a hegemonia cultural está do lado de uma esquerda muito beligerante, os conservadores podem se sentir satisfeitos por ter um sistema de governo — a democracia liberal — que lhes oferece liberdade suficiente para continuar com seu estilo de vida. E embora o sistema seja imperfeito e às vezes seja necessário recorrer aos tribunais para se defender de situações injustas, como nos casos da Hobby Lobby e das Irmas dos Pobres, em geral, ele funciona razoavelmente bem.
Na opinião deles, o problema não foi criado pelo liberalismo clássico (que oferece a todos direitos individuais, liberdades políticas e civis, separação de poderes, Estado de direito, eleições livres, economia de mercado, etc.), mas sim pela intolerância — o iliberalismo — dos "progressistas" que não suportam que outros pensem e vivam de forma diferente. Apesar de todos os seus defeitos, as garantias institucionais oferecidas pela ordem liberal continuam sendo a última defesa contra essa intolerância.
Por outro lado, antes de pedir à filosofia política que deu origem à democracia liberal algo que ela não pode oferecer, é preciso examinar o que suas alternativas propõem.
Um Estado administrativo forte
Do outro lado do debate estão aqueles que simpatizam com os pós-liberais que publicam o boletim informativo Postliberal Order no Substack: Patrick J. Deneen, Gladden Pappin, Chad Pecknold e Adrian Vermeule. A principal crítica que eles fazem ao liberalismo clássico (diferente do progressismo cultural, para o qual também se usa o termo em inglês "liberalism") é que ele foi incapaz de proteger e promover os bens mais valorizados pelos conservadores, como a tradição, a família ou a religião.
Em oposição ao conservadorismo liberal, eles defendem um conservadorismo que não tenha medo de usar o poder do Estado em prol do bem comum. Na prática, isso significa se livrar das cautelas liberais e enfrentar a esquerda woke em igualdade de condições. Eles desejam um Estado administrativo forte que promova ativamente uma ordem política e social onde não seja apenas a máxima autonomia individual, mas sim o desfrute efetivo dos bens que, de acordo com sua visão, levam a uma vida plena: uma família estável, um ambiente moral saudável para os filhos, uma comunidade religiosa, condições materiais de vida dignas, etc.
Ao mesmo barco se juntaram, embora com outras perspectivas, os defensores do conservadorismo nacional, um movimento muito influente que é articulado pela Fundação Edmund Burke: Yoram Hazony, Rich Lowry, R. R. Reno… Para eles, o problema fundamental do liberalismo é que ele negligencia a importância de pertencer uma comunidade nacional para a identidade pessoal e a vida política, proporcionando uma história, tradições, costumes, religião, etc. Nos eventos organizados por esse movimento em diferentes países (o último foi realizado no Reino Unido, de 15 a 17 de maio), participam políticos e intelectuais conservadores proeminentes ou afiliados a eles.
Mais ou menos próximas a essas correntes estão algumas das novas estrelas conservadoras, como Mary Harrington, Rod Dreher ou Sohrab Ahmari, que protagonizou um dos debates públicos que melhor resume as diferenças entre os conservadores na forma de enfrentar a batalha cultural.
Censuras mútuas
Os pós-liberais acusam os conservadores liberais de serem demasiadamente brandos e condescendentes com o progressismo cultural. Sua atitude de "meninos bonzinhos" — aparentemente, são os únicos que se importam com a neutralidade do Estado — é precisamente o que tem permitido que a esquerda difunda sem dificuldades sua visão de mundo.
Os conservadores liberais, por sua vez, temem que a guinada estatista traga um integrismo disfarçado, que se escude na própria concepção do bem comum para limitar direitos individuais, ou que dê lugar a um perigoso jogo de soma zero, onde progressistas e conservadores se vejam legitimados a usar o Estado administrativo em favor de sua própria agenda. São duas críticas formuladas por Kim R. Holmes, ex-vice-presidente executivo da The Heritage Foundation, em um artigo que abriu um debate com réplicas e contraréplicas no The New Criterion.
Não se trata de virar as costas para o livre mercado — esclarece Ramesh Ponnuru — mas de questionar se os conservadores o têm idolatrado.
Adeus, Reagan
Não está claro para qual lado o debate se inclinará, mas é certo que ele tem peso suficiente para provocar mudanças profundas nas prioridades e na forma como os conservadores fazem política. Isso é evidente na maneira como abordam certos temas, como vimos no primeiro artigo desta série: eles não têm mais medo de recorrer ao poder público para regular de forma mais rigorosa as Big Tech ou impedir o ensino da teoria crítica da raça ou da ideologia de gênero.
Talvez o mais inovador no estado atual do debate seja o fato de que o que começou nas margens do pensamento conservador parece estar levando algumas vozes proeminentes do conservadorismo liberal a pedir um reequilíbrio de prioridades. Embora mantenham cautela em relação ao pós-liberalismo, eles apoiam a redução do laissez faire.
Um exemplo disso é a National Review. Fundada em 1955 por William F. Buckley Jr., esta revista foi o bastião intelectual do que é conhecido como "fusionismo": a coalizão de direita que, durante a Guerra Fria e, principalmente, durante a presidência de Ronald Reagan, uniu conservadores, liberais na economia e intervencionistas em política externa (neocons) contra o comunismo.
Como explica seu diretor atual, Ramesh Ponnuru, essa foi a forma histórica que o conservadorismo adotou no país, mas, em sua opinião, não há necessidade de perpetuá-la. Donald Trump — ele diz — deu o primeiro passo para abalar esse consenso, mas não soube construir uma alternativa. Agora, naquilo que ele espera ser uma era pós-Trump, é hora de ter esse debate e "chegar a uma nova síntese que possa obter um amplo consenso entre os conservadores americanos".
Porque consenso, de fato, não há. De fato, Ponnuru diz que é possível que esteja se subestimando a influência que o conservadorismo liberal ainda tem: aquele que considera a defesa do livre mercado, a responsabilidade fiscal e o governo limitado como inegociáveis. Ele cita o poderoso exemplo da voz do Wall Street Journal.
O diretor da National Review acredita que a "nova síntese" poderia se concretizar em um conservadorismo mais popular ou "populista", no sentido de apelar para as necessidades de milhões de americanos, mas enraizado em princípios conservadores como "tradição, subsidiariedade, ética do trabalho…".
Não se trata de virar as costas para o livre mercado — ele esclarece — mas de questionar se os conservadores o têm idolatrado.
Direitos e bens
Outra instituição representativa do conservadorismo liberal que parece estar reconsiderando suas prioridades é o Ethic and Public Policy Center, presidido desde 2021 por Ryan T. Anderson. Esse especialista em filosofia política, fundador da revista Public Discourse, tem dado visibilidade a pesquisadores favoráveis a elevar o nível de proteção social nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que mantém entre seus membros reaganistas convictos.
Em sua resposta a Holmes para o The New Criterion, Anderson celebra o fato de os conservadores estarem discutindo novamente sobre o bem comum. O conservadorismo, diz ele, nunca foi meramente liberal ou libertário, ou seja, nunca se interessou apenas pelos direitos e liberdades individuais, mas os concebeu moldados pelos bens aos quais eles servem e protegem.
Claro que a liberdade é um pilar fundamental do pensamento conservador, mas não é o único. Por isso, o conservadorismo entende que, embora o Estado deva ter um poder limitado, que permita aos cidadãos e às sociedades (famílias, escolas, igrejas, empresas etc.) prosperarem, ele também deve ter um papel ativo na defesa dos direitos e liberdades, assim como na promoção das condições que favorecem o respeito à dignidade humana e ao desenvolvimento humano integral.
Recentemente, Anderson voltou a enfatizar a insuficiência de um movimento conservador que prioriza a liberdade acima de tudo e aventurou que, em cerca de dez anos — nada menos —, poderia ocorrer um reequilíbrio de prioridades. Sua aposta pessoal é que, a partir das discussões atuais entre conservadores liberais e pós-liberais, surgirá um conservadorismo mais disposto a reconhecer que "o Estado desempenha um papel fundamental na proteção do bem" e, ao mesmo tempo, que "existem formas de liberdade que são essenciais para o bem. Precisamos de ambas".
No entanto, ele não tem ilusões: nos últimos dois anos, ele explica que participou de várias conversas sobre esse tema e concluiu que viu algumas abordagens promissoras e outras preocupantes. Portanto, ele acredita que, na próxima década, será crucial encontrar uma fórmula que evite dois extremos: o libertarismo e o autoritarismo.
Uma das publicações que mais tem contribuído para o debate civilizado entre os conservadores é a Public Discourse, editada pelo The Witherspoon Institute. Em um texto de 2021 assinado por seus habituais articulistas, como o próprio Anderson, R.J. Snell, Serena Sigilito, Mark Regnerus ou Andrew T. Walker, a revista apresentou suas diretrizes para conduzir uma conversa construtiva. Uma delas convida a identificar quais são os bens básicos compartilhados pelos conservadores.
A revista destaca quatro: casamento-vida, religião, educação e justiça. O último ponto pretende ampliar o foco do conservadorismo para uma série de preocupações que até agora interessaram mais à esquerda, como os direitos dos trabalhadores, a desigualdade ou as discriminações.