Antes que houvesse o Holocausto, houve o genocídio armênio. Muito do horror nazista parece ter sido precedido pela barbárie perpetrada pelo Império Otomano, predecessor da atual Turquia: o plano deliberado de se livrar de um povo por inteiro, os trens apinhados de pessoas desesperadas rumo à morte, os trabalhos forçados seguidos de simples execução.
O episódio, na segunda década do século XX, foi tão grave que motivou a própria criação do termo genocídio. Talvez por ter ocorrido em terras relativamente distantes, fora da Europa, a tragédia armênia não recebe muita atenção do cinema e da literatura. Mas deveria: calcula-se que o episódio resultou na morte de 1,5 milhão de pessoas. E, ao contrário do que faz a Alemanha com os crimes do nazismo, a Turquia não reconhece o genocídio. Por isso tudo, e também por sua qualidade cinematográfica, o filme "A Promessa", disponível na Netflix merece ser visto.
A obra lançada em 2016 conta a saga do jovem Mikael Boghosian (interpretado por Oscar Isaac), um armênio que vive na Turquia e que começa a estudar Medicina em Istambul (então Constantinopla) justamente quando a perseguição aos armênios atinge sua fase mais aguda. Com uma boa dose de sorte, ele acaba escapando do morticínio - mas testemunha cenas tenebrosas retratadas de forma crua pelo diretor irlandês Terry George. O realismo das cenas, aliás, pode chocar os telespectadores mais sensíveis.
A fuga de Boghosian permite que ele se junte a um grupo de voluntários, liderados por um pastor protestante, que tenta salvar órfãos armênios enviando-os em segredo para fora da Turquia.
Apesar de a Armênia ser um país independente, uma quantidade significativa de pessoas de origem armênia vivia dentro das fronteiras do Império Otomano. Além da limpeza étnica, havia uma motivação religiosa para a perseguição perpetrada pelos otomanos: os armênios eram cristãos; os turcos, muçulmanos.
"A Promessa" também permite ao espectador mergulhar em um mundo pouco conhecido dos brasileiros. Nos minutos iniciais, ao retratar a vida antes do genocídio, o filme permite ao telespectador contemplar um mundo que hoje está praticamente perdido: o das sociedades culturalmente avançadas, na Ásia Menor e no Oriente Médio, onde os cristãos tinham um grau considerável de liberdade e constituíam uma parte ativa da vida social. Este mundo já não existe em países como Síria e Iraque, e, em certa medida, nem mesmo na Turquia, cada vez menos secular e mais islamizada.
Além do drama da guerra, o filme retrata um dilema vivido pelo jovem protagonista: o dilema entre a vida tradicional no vilarejo e as luzes da cidade grande. Ao seguir para Istambul, ele deixa uma mulher a quem tinha sido prometido, mas se apaixona pela bela Ana Khesarian, que, por sua vez, namora um jornalista americano. A propósito, a interpretação da atriz francesa Charlotte Le Bon, que faz o papel de Ana, é um dos destaques do filme.
"A Promessa" tem potencial elevado para arrancar lágrimas da audiência - e não as lágrimas inofensivas de quem se emociona com uma história puramente fictícia, mas as de quem vê o mal e percebe até onde pode ir a crueldade humana. É um filme que merece ser visto por sua qualidade cinematográfica e, além disso, como um compromisso pela memória das vítimas do genocídio armênio pelas mãos dos turcos.
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