Os termos "reforma" e "reformador" evocam impressões positivas e atraentes. É amplamente sabido que reformar algo é consertá-lo, e que o reformador é iluminado, corajoso, perspicaz, ou todas essas características juntas. No entanto, frequentemente, tais "reformas" não consertam nada e os reformadores acabam sendo charlatães, não melhores do que os patifes que os antecederam.
Em 1913, a "reforma bancária" impôs um banco central aos Estados Unidos, conhecido como Sistema de Reserva Federal. Em seu primeiro século, suas políticas monetárias erráticas causaram a Grande Depressão, uma série de recessões e uma enorme queda no valor das próprias cédulas bancárias. Se isso é uma "reforma", prefiro a não-reforma. Talvez os reformadores devessem abraçar o próprio juramento hipocrático, expresso em latim como primum non nocere, que em português significa "primeiro, não causar dano".
A queda e o declínio do antigo Império Romano produziram inúmeros reformadores. Os bons e sérios eram poucos e raros. E nem eles, nem suas reformas, fizeram muita diferença. Recentemente, escrevi sobre um deles, um estadista chamado Pertinax, cujas melhorias duraram pouco mais do que seu efêmero mandato de três meses.
Os romanos abraçaram tão profundamente o "pão e circo" do estado de bem-estar e guerra que, a menos que houvesse uma reversão surpreendente na opinião pública, nenhum líder poderia ter sucesso se não bajulasse a multidão.
Um dos muitos falsos reformadores romanos que vale a pena mencionar é o imperador Aureliano, que governou por cinco anos e meio, de 270 d.C. a 275 d.C. Um militar de carreira, ele consegiu reunir algumas partes fragmentadas do império que estavam sob ataque constante de tribos estrangeiras, o que lhe rendeu a honra do Senado como "restaurador do mundo". Mas seu programa econômico doméstico era, na melhor das hipóteses, um disfarce.
Durante décadas, o estado romano distribuiu grãos gratuitos ou subsidiados para manter as “massas" satisfeitas. Os beneficiários deveriam moer os grãos e assar o pão por conta própria. Aureliano "reformou" o sistema colocando o governo no negócio de fabricação de pão.
Aqueles que recebiam auxílio poderiam obter pães recém-assados – o único esforço era o de comer. Aureliano também acrescentou vinho subsidiado, assim como sal, carne de porco e azeite "gratuitos". O público essencialmente foi comprado, e se manteve em silêncio contra a tirania enquanto os auxílios continuaram (espero que isso soe familiar).
Aureliano herdou de seus antecessores uma política de depreciação monetária. O teor de ouro da moeda conhecida como "áureo" foi ocasionalmente reduzido, mas relativamente poucos foram cunhados. No comércio cotidiano, os cidadãos comuns usavam o "denário", que era quase prata pura antes de o imperador Nero começar a sua desvalorização no meio do primeiro século d.C. A inflação resultante até os anos 270 exigiu uma mudança de política. No meio do caos, Aureliano se autoproclamou um reformador monetário e prometeu trazer ordem e acabar com a inflação.
Qual foi a reforma monetária de Aureliano? Para uso do governo, ele adicionou uma pequena quantidade de prata e ouro em algumas moedas. Mas, para todos os outros, a história foi diferente. Ele ordenou que a grande quantidade de moedas que circulava (de vários tamanhos e pesos e teores de metal precioso) fosse substituída por apenas duas, e nenhuma delas continha qualquer prata.
De acordo com o historiador Max Shapiro, em seu livro ‘The Penniless Billionaires’ [‘Os Bilionários Sem Dinheiro’], elas "eram feitas inteiramente de cobre e 'lavadas' durante a cunhagem em uma solução prateada leve, o que lhes conferia um acabamento prateado". Shapiro explica o que aconteceu a seguir:
“É claro que a suposta reforma de Aureliano não conseguiu nada, ela apenas incentivou a inflação. E agora que não se exigia prata nas moedas, o dinheiro jorrou das cunhagens em uma enchente maior. Os preços subiram de novo à medida que as pessoas tentavam converter moedas cada vez mais sem valor em bens.”
Durante o reinado de Aureliano, os funcionários do governo na cunhagem imperial da capital realizaram a única rebelião registrada de trabalhadores dessa atividade na Roma antiga. Eles rotineiramente se apropriavam de prata roubada e a substituíam por metais inferiores nas moedas produzidas.
Mas Aureliano pôs fim a isso, porque aparentemente sentiu que enganar o público deveria ser um monopólio imperial. Isso provocou a revolta, que o imperador reprimiu executando o responsável pela operação, bem como muitos dos trabalhadores.
Como a maioria dos ditadores, Aureliano achava que era especial. Inscrita em algumas das moedas que ele cunhou, e que traziam sua imagem, estava a frase deus et dominus natus, que significa "deus e governante nascido".
As "reformas" de Aureliano não deram em nada porque, na verdade, elas não eram reformas, em primeiro lugar. Eram simplesmente novos métodos astutos de poder, roubo e corrupção. Nas décadas seguintes, Roma enfrentou surtos contínuos de inflação descontrolada, bem como controles de preços destrutivos, que apenas acentuaram o caos e o declínio. Em 275, Aureliano acabou sendo "reformado" quando sua guarda de elite o cortou em pedaços.
A cidade de Orléans, no centro-norte da França, recebeu o nome de Aureliano – e, por extensão, Nova Orleans, no estado americano da Louisiana. Mas se houver estátuas deste reformador duvidoso em qualquer uma das cidades, eu sugiro humildemente que elas possam ser removidas ou pelo menos adornadas com a seguinte inscrição: "Ele ajudou a falir e destruir seu país expandindo o estado de bem-estar e corrompendo a moeda para pagar por isso".
© 2023 Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês: The Roman Emperor Who Tried to Bring Monetary ‘Reform’ to the Empire—and Failed Miserably
Decisão do STF que flexibiliza estabilidade de servidores adianta reforma administrativa
Lula enfrenta impasses na cúpula do G20 ao tentar restaurar sua imagem externa
Xingamento de Janja rouba holofotes da “agenda positiva” de Lula; ouça o podcast
Lula e Janja rebaixam de vez o Brasil no G20; assista ao Sem Rodeios