Até Donald Trump aparecer, não havia, sem dúvida, maior vilão para a esquerda norte-americana do que Charles Koch. Em pouco mais de 50 anos, o multibilionário notoriamente reservado de Wichita transformou as Indústrias Koch de uma empresa de médio porte do Meio-Oeste em um conglomerado que exerce enorme influência sobre a economia e a vida pública americanas.
Mas não é por isso que a esquerda o elegeu como inimigo. A maioria dos americanos nunca ouviu falar de Koch — que é como ele gosta. Os demais o conhecem como uma força amplamente invisível e inteiramente inexplicável na política, financiando legisladores republicanos, esforços de lobby corporativo, o Tea Party e think tanks conservadores que juntos conspiraram para bloquear a ação sobre a mudança climática e reverter as regulamentações governamentais.
Em "Kochland: The Secret History of Koch Industries and Corporate Power in America" (Kochland: A história secreta das indústrias Koch e do poder corporativo na América, sem edição no Brasil), Christopher Leonard fez um trabalho impressionante em romper esse sigilo e em obter insiders e 'dissidentes' para conversar. Como resultado, "Kochland" é o mais definitivo relato sobre como uma das famílias mais ricas e poderosas da América acumulou sua fortuna.
O jeito Koch
Na maior parte, Leonard evita a influência dos Koch sobre a política. Em vez disso, ele se esforça para expor seus negócios dispersos e sua estratégia para construir um império corporativo estruturado para evitar o escrutínio regulatório e público. O 'Koch way' (a maneira Koch de fazer as coisas), aprendemos, teve consequências radicais para a economia americana: diminuiu o poder dos sindicatos e redefiniu o conceito de conformidade regulatória. Como uma crônica do capitalismo americano no século XXI, "Kochland" é uma leitura atraente.
Por trás do vidro preto opaco da sede do conglomerado em Wichita, Charles Koch transformou as Indústrias Koch em uma incubadora para suas idéias sobre o papel do governo na economia - e para sua filosofia de administração pessoal, conhecida como Gestão Baseada no Mercado (Market-Based Management). Koch ficou tão fascinado por suas teorias sobre empreendedorismo que ele registrou o nome MBM.
Novos contratados passam vários dias imersos em MBM como parte de seu processo de 'doutrinação'. Os "Princípios Orientadores" da MBM são colocados em cubículos e impressos em copos de papel na sala de descanso. Um supervisor de uma fábrica de papel da Koch descreveu seu treinador MBM da seguinte maneira: "Foi como assistir a um filme de guerra alemão. Ele foi muito direto. Ele nos disse: você terá o dever de casa. Você completará antes da manhã seguinte".
A MBM parece incontestável. Ele prescreve uma cultura no local de trabalho baseada em princípios fundamentais que incluem integridade, conhecimento, empreendedorismo com princípios, respeito e humildade.
Leonard descreve um gênero que ele chama de "homem de Koch". Tipicamente um cidadão do Meio-Oeste de uma universidade estadual, o homem de Koch "era magro e atlético, com uma mandíbula quadrada e uma maneira de falar que era absolutamente séria, sincera e dotada de autoconfiança inflexível", escreve Leonard.
"Os funcionários aprendem o vocabulário da MBM e falam uma língua entre si que só eles realmente entendem. Eles dizem coisas como 'modelos mentais' e 'descoberta experimental' ... que instantaneamente transmitem um significado profundo", explica o autor. "Os funcionários não tinham responsabilidades, tinham "direitos de decisão."
Exportando a MBM para Washington
Charles Koch estava determinado a exportar a MBM de Wichita para Washington. Juntamente com seu irmão David, ele financiou legisladores republicanos, grupos de reflexão e grupos de ação política, como o 'Americans for Prosperity' (Americanos pela Prosperidade), e tentou dobrar ou bloquear regulamentações governamentais que considera um empecilho para seus próprios negócios e para a economia como um todo. "A visão política de Charles Koch representa um pólo extremo no debate em curso sobre o papel do governo nos mercados", escreve Leonard, "uma visão de que o governo deveria essencialmente proteger a propriedade privada e fazer pouco além disso."
Koch é, sem dúvida, brilhante em fazer sua empresa crescer e ganhar dinheiro. Em 1968, um ano depois de seu pai, Fred, ter desmaiado e morrido em uma viagem de caça, o oleoduto e equipamentos e os negócios da fazenda rendiam cerca de US$ 250 milhões em vendas anuais, disse Koch em uma coletiva de imprensa em Nova York. Hoje, a empresa vale cerca de US$ 1,7 bilhão. E Charles e David acumularam riqueza pessoal estimadas em mais de US$ 40 bilhões cada, de acordo com a revista Forbes.
Charles e David dividiram suas ações das Indústrias Koch igualmente depois de comprar as partes de dois outros irmãos em um rompimento rancoroso e altamente litigioso. David mudou-se para Nova York, onde cultivou a reputação de filantropo e patrono do Museu Americano de História Natural e do New York State Theatre, agora chamado David H. Koch Theater no Lincoln Center, sede do Balé Municipal de Nova York.
Charles permaneceu em Wichita, dirigindo-se para o trabalho às 7h30 da manhã e subindo as escadas dos fundos até o escritório do terceiro andar. Nos anos 2000, em meio à crescente notoriedade dos Kochs como patrocinadores de causas conservadoras e céticas sobre o aquecimento global, a postos de controle ao redor do escritório.
Enquanto o processamento do petróleo bruto fornecia lucros, Koch não se limitou a isso. Quando começou a expansão, as Indústrias Koch vislumbravam empresas de transportes, produtos agrícolas, fertilizantes e dados. Suas empresas foram pioneiras na análise de dados, incluindo previsão meteorológica especializada, de acordo com Leonard. Eles também se mudaram para o comércio de commodities.
Ao contrário dos executivos de empresas públicas, Koch e outros líderes seniores não tinham obrigação de se reportar aos acionistas ou gerar grandes dividendos. Eles poderiam ter uma visão muito longa dos investimentos, prospectando empresas que outros haviam dispensado, procurando por falhas no mercado. Sua abordagem e recursos transformaram as Indústrias Koch em uma empresa global que emprega 120.000 pessoas e investe em refinarias de petróleo, oleodutos, vidros industriais, polímeros e copos de papel, de acordo com o site da empresa.
Infrações ambientais
Às vezes, a busca por falhas no mercado era literal: "Kochland" começa com um investigador do FBI vigiando um tanque de petróleo em uma reserva indígena em Oklahoma. Uma série de investigações concluiu que os técnicos de Koch rotineiramente enganavam a tribo ao registrar quanto óleo estavam retirando, relata Leonard. Em um julgamento civil, um júri considerou as Indústrias Koch culpada de falsificar cerca de 25.000 documentos para encobrir seu roubo de petróleo em terras indígenas no início dos anos 80. "Histórias de roubo foram contadas por funcionários da própria Koch do Kansas, Texas, Oklahoma, Dakota do Norte e Novo México", escreve Leonard.
Sob os princípios da MBM, os supervisores encarregados dos "centros de lucro" da Refinaria Pine Bend das Indústrias Koch em Minnesota foram desencorajados a usar serviços de apoio — como engenheiros ambientais no local que aconselhavam o descarte seguro de poluentes e resíduos perigosos — porque esses serviços aumentariam os custos.
Em 1999, escreve Leonard, as Indústrias Koch admitiu que despejou ilegalmente águas residuais de amônia no rio Mississippi e nas áreas próximas, e pagou uma multa de US$ 8 milhões (equivalente a R$ 32 milhões).
Em um caso à parte, a Agência de Proteção Ambiental processou a Koch por negligência que resultou em mais de 300 derramamentos de oleodutos e outras instalações em seis estados entre 1988 e 1996. "A empresa acabou sendo multada em US$ 30 milhões (R$ 121 milhões) pelo vazamento de oleodutos, que foi a maior multa do tipo na história dos EUA", escreve Leonard.
Negligências mortais
Algumas das negligências foram trágicas. No verão de 1996, um oleoduto Koch negligenciado vazou vapores de butano, resultando em uma explosão que queimou dois adolescentes até a morte. A família ganhou um recorde de US$ 296 milhões contra os Kochs e depois se contentou com uma quantia não revelada. "Essas multas, combinadas com as do lançamento de amônia na Pine Bend, marcaram as Indústrias Koch como uma das maiores e mais flagrantes violadoras das leis ambientais nos Estados Unidos durante a década de 1990", escreve Leonard.
Algumas das apostas de Charles Koch não renderam em termos financeiros. Sua aquisição da Purina Mills, uma empresa de St. Louis que produz ração animal e comida para animais de estimação, foi um desastre que quase destruiu a empresa. Koch pagou US$ 670 milhões (R$ 2,7 bilhões) por uma empresa avaliada em cerca de US$ 109 milhões (R$ 769 milhões), financiando o negócio quase inteiramente por meio de dívidas, porque estava convencido de que poderia ganhar dinheiro negociando commodities.
E algumas práticas de MBM se mostraram letais. Em 2014, seis trabalhadores morreram em incidentes separados nas fábricas de papéis da Georgia-Pacific, de propriedade da Koch. "Os reguladores federais determinaram que as Indústrias Koch violou dezenas de regulamentações federais de segurança dos trabalhadores", escreve Leonard. "Mas as multas por fazê-lo foram relativamente insignificantes".
Em 2017, uma apresentação interna de Koch reconheceu que a empresa tinha um pior histórico de segurança do que seus concorrentes. A resposta da empresa? "Os trabalhadores devem mudar sua mentalidade e ir de ter a querer" em termos de se manter seguro, escreve Leonard.
Inimigos da esquerda e de Trump
Mas o maior revés para as esperanças de Charles Koch de impor a MBM ao resto da América poderia ser o presidente Trump. Apesar dos investimentos dos Kochs, Trump está movendo o Partido Republicano para longe de idéias libertárias conservadoras. O governo tem buscado a desregulamentação e os cortes de impostos que Koch defende e deu posse a juízes pró-negócios. Mas as tarifas de Trump e seus cortes de impostos que aumentam o déficit colidem com as convicções de livre comércio e governo pequeno de Koch. (O sentimento é mútuo. Trump trata os Koch como "globalistas".)
"Kochland" é o terceiro grande livro a explorar a influência dos Koch, depois de "Sons of Wichita: How the Koch Brothers Became America's Most Powerful and Private Dynasty" ("Filhos de Wichita: como os irmãos Koch se tornaram a Dinastia Mais Poderosa e Discreta da América") de Daniel Schulman e "Dark Money: The Hidden History of the Billionaires Behind the Rise of the Radical Right" (Dinheiro Obscuro: A História Secreta dos Bilionários por trás da Ascensão da Direita Radical"), de Jane Mayer, mas é o primeiro a investigar as empresas que são a fonte desse poder. Repórter investigativo, Leonard reúne uma montanha de evidências que, relatadas em detalhes, devem levar os leitores a tirarem suas próprias conclusões.
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Kochland: The Secret History of Koch Industries and Corporate Power in America (Kochland: A história secreta das indústrias Koch e do poder corporativo na América)
De Christopher Leonard
Simon & Schuster. 687 páginas. US$ 35