Um prédio todo branco, à beira da Baía de Guanabara, mundialmente aclamado por suas linhas arrojadas, produto da imaginação do espanhol Santiago Calatrava. Uma obra de quando o Rio de Janeiro vivia tempos de bonança e otimismo baseados na prosperidade dos campos de petróleo do Pré-Sal. E, por fim, um lugar que sacraliza o cientificismo malthusiano, alertando os sorridentes visitantes que nosso tempo neste planeta é finito.
(A não ser que façamos alguma coisa, claro. E essa “alguma coisa” significa abdicar de toda a abundância propiciada pela sociedade industrial capitalista).
Este é o Museu do Amanhã, elefante branco (literalmente branco, neste caso) criado para maravilhar e assustar visitantes do mundo inteiro que fazem fila para ouvir uma narrativa catastrofista cheia de dados aleatórios e questionáveis, antes de direcioná-los para a famosa “lojinha do museu” onde é possível comprar até mesmo cartões-postais ecologicamente corretos, a R$5 cada.
Logo na entrada, o visitante é levado a fornecer de bom grado seu e-mail em troca de acesso às múltiplas telas com joguinhos que pretendem mostrar às pessoas como elas são péssimas para o planeta Terra. A inevitável catástrofe que se anuncia “no amanhã” é culpa do visitante, este ser incapaz de jogar uma simples garrafa de plástico na lata de lixo da cor certa.
Obedientemente, pessoas de várias nacionalidades fazem fila diante de um globo de LED que desperta o talento fotográfico de todo mundo. O globo funciona como um mapa que prova, para além de qualquer dúvida, que estamos destinados à dolorosa morte por asfixia, enchentes, câncer de pele, fome e todas as outras coisas ruins que acontecerão se não tomarmos uma atitude já, agora.
A fila leva a um cinema 180 graus, daqueles que derrubavam as pessoas nos parques de diversão da minha infância. Despojados, alguns turistas se deitam no chão para admirar o espetáculo que se anuncia. As imagens impactantes, contudo, vêm acompanhadas por uma voz feminina que insiste em reduzir a experiência humana a um desavergonhado materialismo. “Somos matéria”, diz ela umas dez vezes, sem jamais mencionar qualquer possibilidade de transcendência.
Mais do que matéria, ao que parece somos também os usufrutuários de uma civilização que não fez absolutamente nada de bom desde que o primeiro homem teria descido das árvores. Somos maus, poluímos e destruímos a “nossa casa”. Ofendemos a “mãe Terra”. E, se nada for feito, os que tiverem sorte sobreviverão num planeta inviável.
Depois do espetáculo deprimente que reduz o visitante à matéria, ou melhor, ao átomo, ele é levado a algumas instalações que só fazem reforçar a narrativa catastrofista. Numa tela vejo o neurocientista Miguel Nicolelis, aquele do caríssimo exoesqueleto que daria o pontapé inicial da Copa do Mundo de 2014, pregando o evangelho da catástrofe climática. Em outra, imensas chaminés de LED soltam fumaça na atmosfera, asfixiando de mentirinha os visitantes.
Por todos os lados, há informações questionáveis, tratadas como fatos consagrados. A população da Terra atingirá 10 bilhões de habitantes até 2050, lê-se, e faltará comida para todos. Não só comida. Faltarão os recursos mais básicos. Mais: haverá mais plástico do que peixe nos oceanos. Dá para acreditar? É preciso fazer alguma coisa.
Mas não qualquer coisa. É preciso acabar com o capitalismo e se entregar às soluções propostas pelos movimentos ecológicos mais radicais. Deixar de consumir carne, por exemplo. Canudo, nem pensar! Abandonar as poluentes viagens de avião, por mais divertidas que sejam. Repetir os mantras da sustentabilidade a qualquer custo.
O Templo de Malthus
Em outras palavras, o Museu do Amanhã é uma espécie de templo dedicado a Thomas Malthus. Para quem não conhece, Malthus foi um economista inglês do início do século XIX, famoso por sua teoria de que a Humanidade está condenada à extinção porque a população cresce em progressão geométrica, enquanto a capacidade de produzir alimentos para sustentar essa população cresce em progressão aritmética.
O malthusianismo foi usado, ao longo dos séculos XIX e XX, para justificar toda sorte de engenharia social — tudo no afã de evitar a extinção da espécie humana que os “especialistas” da época davam como certa. A eugenia, por exemplo, bebe na fonte do malthusianismo, assim como os regimes comunistas e socialistas, com seus planos mirabolantes de acabar com a escassez de recursos — planos estes que levaram à fome e morte de milhões de pessoas na Ucrânia e na China.
Thomas Malthus só não previa que, no começo do século XX, o químico alemão Fritz Haber desenvolvesse um método para fixar o nitrogênio no solo, dando início, assim, à revolução agrícola que hoje permite ao homem produzir mais calorias do que somos capazes de consumir. Ele tampouco previu o desenvolvimento de inúmeras tecnologias que permitem que alimentos sejam produzidos em condições as mais adversas, pondo um fim aos ciclos de fome como o que matou 25% da população irlandesa em meados do século XIX.
No Templo a Malthus, digo, no Museu do Amanhã, a Humanidade também está fadada à extinção. E, às vezes disfarçada e às vezes explicitamente, as soluções propostas pelos cientistas são as mesmas dos malthusianos dos séculos XIX e XX, isto é, alguma forma de eugenia e de engenharia social e econômica. Afinal de contas, eles acreditam que somos apenas átomo, apenas matéria, apenas DNA destinado a perpetuar a espécie.
O lado bom
O lado bom é que a maioria dos visitantes não está nem aí para a narrativa malthusiana-eugenista da “exposição” no Museu do Amanhã. Tive a oportunidade de ficar observando durante alguns minutos as crianças e pude perceber que elas logo se entediavam com a interatividade, ignorando os longos textos a preverem um futuro horrível para sua geração.
Quanto aos adultos, de alguma forma eles sabem que vivem numa era de prosperidade e relativa paz e, por isso, rejeitam o niilismo daquelas palavras que buscam reforçar neles a ideia de que são apenas matéria. Ninguém quer pagar R$20 de entrada para ver esfregada na sua cara uma ideologia pessimista, que usa algo parecido com ciência para compor uma narrativa.
Eles querem mesmo é tirar fotos diante do globo de LED, diante das instalações que os culpam pela catástrofe e sobretudo diante de uma grande parede de vidro nos fundos do museu, com vista para a Baía de Guanabara. Mais do que isso, eles querem comprar lembrancinhas e aproveitar o potente ar-condicionado, antes de ganharem a rua e saborearem uma cervejinha pela qual o camelô cobra um valor absurdo, jogando a lata no lixo, se for possível.
Mas se não for, paciência.
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