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O Integralismo continua vivo no Brasil, dizem pesquisadores

Integralistas reunidos em Curitiba
Integralistas reunidos em Curitiba fazendo uma saudação no estilo nazista. A foto é do dia 19 de novembro de 1937 (Foto: Acervo Cid Destefani)

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O Integralismo - versão brasileira do fascismo italiano dos anos 1930 – permanece vivo e presente no cenário sociopolítico brasileiro e o presidente Jair Bolsonaro, “uma das figuras políticas recentes mais próximas ao fascismo histórico”, foi eleito com o apoio de integrantes deste movimento. Estas são duas das conclusões do livro “O Fascismo em Camisas Verdes – do Integralismo ao Neointegralismo”, escrito pelos historiadores e professores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Odilon Caldeira Neto e Leandro Pereira Gonçalves e lançado pela Editora FGV.

No livro, Caldeira Neto e Gonçalves contam a origem da Ação Integralista Brasileira (AIB), criada por Plínio Salgado em 1932 após um encontro com o “Duce” italiano Benito Mussolini. O brasileiro, dizem os autores, se viu seduzido com a grandiosidade da recepção feita dois anos antes pelo líder dos fascistas italianos e seguiu o que teria sido um conselho do próprio Mussolini: “criar um movimento preliminar de ideias, pautando a sociedade em uma nova consciência, para posteriormente formar um partido político.”

Os historiadores não poupam exemplos para mostrar que a AIB tinha traços fascistas desde a criação, como o manifesto de origem do movimento que, segundo eles, continha “elogios à autoridade e críticas aos partidos políticos” e também propunha “um programa social para defender a família conservadora bem como um Estado de tipo fascista, o Estado Integral.” Mais explicitamente, os autores afirmam ser a AIB “o movimento fascista com maior sucesso na América Latina.”

Esses fatos, e outros bem documentados ao longo da obra, levam o leitor até o atentado cometido contra a produtora responsável pelo canal de humor Porta dos Fundos, na véspera do Natal de 2019. O crime, apontam os autores, foi cometido por integrantes do grupo neointegralista Comando de Insurgência Popular Nacionalista, o que mostra como essas releituras atuais das ideias de Plínio Salgado têm “uma face ainda mais radical”.

A única pessoa identificada durante o atentado é Eduardo Fauzi, que viajou para a Rússia um dia antes de ser expedido um mandado de prisão contra ele. “Achavam que fui muito estúpido pra não cobrir o rosto e não alterar a voz, mas fui conectado o suficiente pra ser avisado do mandado a tempo de viajar pra fora do país”, teria afirmado o empresário, segundo os historiadores. Fauzi, que segue foragido, era filiado ao PSL (partido pelo qual Bolsonaro foi eleito presidente) até janeiro, quando foi expulso.

Essa, aliás, é uma das muitas vezes que, direta ou indiretamente, Odilon Caldeira Neto e Leandro Pereira Gonçalves ligam os movimentos neointegralistas – e por extensão o fascismo – ao presidente Bolsonaro. Eles citam um projeto de lei de 2005 assinado por Bolsonaro (então deputado filiado ao PP-RJ) e por Elimar Máximo Damasceno (deputado do Prona-SP). No livro, os historiadores ressalvam que “embora não estivesse vinculado a uma organização integralista”, Damasceno “era muito próximo aos camisas-verdes [como são chamados os seguidores de Plínio Salgado].” A “parceria” entre os dois teria como objetivo homenagear Mário Kozel Filho, militar morto em um ataque do grupo guerrilheiro Vanguarda Popular Revolucionária. O projeto de lei foi arquivado.

Em outro trecho do livro, contam os autores, uma manifestação em apoio ao ainda deputado Jair Bolsonaro foi convocada por grupos neonazistas em abril de 2011. “O ato”, destacam Caldeira Neto e Gonçalves, “foi marcado pela tensão entre os defensores de Bolsonaro e antifascistas”. Logo na sequência, os historiadores reforçam que não havia membros de grupos neointegralistas no evento, mas que mesmo assim “a presença neointegralista era garantida por skinheads.”

Após esse período, já em 2018, os autores afirmam que a candidatura de Bolsonaro ganhou destaque “no campo da extrema direita.” Também aqui, outra ressalva dos historiadores: “Nesse momento inicial, os grupos neointegralistas não se engajaram na campanha de Jair Bolsonaro e de seu vice Hamilton Mourão”, dizem, para depois afirmar que o partido de Mourão, o PRTB, “se relacionava com alguns grupos neofascistas.”

Os historiadores ainda citam no livro uma manifestação crítica à misoginia e à LGBTfobia, o evento “Ele não!” realizado semanas antes do segundo turno. Alguns dos manifestantes, dizem os autores, “utilizavam faixas e cartazes antifascistas, justamente pelas semelhanças entre Bolsonaro e figuras históricas do fascismo dos anos 1930.”

Por fim, Caldeira Neto e Gonçalves apontam traços que segundo eles “unem o governo Bolsonaro e o fascismo histórico: o conservadorismo, o anticomunismo, o uso das teorias de conspirações e a visão de mundo baseada na diferenciação entre amigos e inimigos.”

Auge e decadência

Na primeira parte do livro os autores mostram o período do auge do integralismo no Brasil. O movimento era repleto de simbolismos, que incluíam uma estrita regra de vestimenta – camisas verdes e calças pretas para os homens e blusas verdes e saias pretas para as mulheres. Havia também rituais, que começavam no batismo dos filhos, passavam pelo casamento e seguiam até os funerais, quando os integralistas eram “transferidos para a milícia do além.”

Plínio Salgado se orgulhava em dizer que a AIB tinha “um milhão de integrantes”. Mas a um dos genros confidenciou a dificuldade em fazer uma contabilidade precisa dos membros: certamente nunca passaram de 200 mil filiados. Salgado foi escolhido pela maioria dos filiados como candidato à presidência pela AIB para as eleições de 1938. Mas com o golpe do Estado Novo em novembro de 1937, o então presidente Getúlio Vargas se manteve no poder até 1945. Nada que afastasse o integralista de sua busca pelo poder.

Muitos dos camisas-verdes defenderam o Estado Novo e seus ideais, considerados próximos aos que pregava a AIB. Vargas chegou a receber a saudação própria dos integralistas, o “Anauê”, e era visto como a saída segura contra os perigos do comunismo que rondavam o país. A Plínio Salgado havia sido prometido o Ministério da Educação, contam os autores. A promessa nunca foi cumprida: Vargas além de não dar poderes políticos a Salgado ainda proibiu a ação das chamadas milícias civis e restringiu o uso de uniformes e de toda a simbologia da AIB.

Revoltados com a traição, os integralistas organizaram um levante armado para depor Getúlio Vargas. Mas a tentativa foi frustrada pela falta de organização, e Plínio Salgado acabou exilado em Portugal. Na Europa, apontam os historiadores, Salgado se aproximou em segredo do nazismo de Adolf Hitler. O brasileiro teria conversado com um grande representante da SS, a organização paramilitar ligada ao partido nazista, com a intenção de ser reconhecido como uma força política brasileira associada à vitória do Eixo – Alemanha, Itália e Japão – contra os aliados, representados no Brasil por Vargas.

A estratégia não deu certo e Salgado voltou ao Brasil em 1946. Ele já não tinha a mesma influência de antes, e seu passado ligado ao fascismo e ao nazismo eram sempre lembrados pelos opositores. Mesmo assim, ele chegou a ser eleito deputado federal em 1958 pelo Partido da Representação Popular (PRP). Depois de quatro mandatos consecutivos, dois deles pela Arena, Plínio Salgado morreu em 1975.

“Soldados de Deus e da pátria”

Na parte final do livro, Caldeira Neto e Gonçalves buscam preencher um hiato entre 1975 e 2001, período marcado pelo nascimento e morte de muitos grupos neointegralistas. Seja na forma de partidos políticos ou organizações sociais, os “herdeiros” de Plínio Salgado nunca estiveram completamente calados – quando muito, desorganizados e pulverizados.

Alguns dos símbolos, porém, permanecem presentes ainda hoje. O Sigma, letra grega usada como uma marca pelos Integralistas desde 1932 ainda hoje pode ser visto em organizações ligadas aos ideais de Salgado. As camisas verdes e a bandeira azul e branca ainda são portadas por membros da Frente Integralista Brasileira (FIB), um dos maiores, senão o maior, grupos neointegralistas em atividade no país.

Em seu site oficial, a FIB afirma ser uma entidade sem fins lucrativos “que tem por finalidade promover movimentos culturais, políticos e sociais como forma de resgate da herança cultural, cívica, política e ideológica da Acção Integralista Brasileira, principalmente no que se refere à trilogia Deus, Pátria e Família.”

O grupo ganhou visibilidade justamente após os ataques de dezembro de 2019 contra a produtora do canal Porta dos Fundos. A princípio, a FIB emitiu nota contestando a veracidade do vídeo divulgado pelos suspeitos de cometerem o atentado – estes usavam máscaras e a bandeira do Sigma durante a gravação. “Não descartamos a possibilidade de ter sido um material forjado com o fim de incriminar os Integralistas”, dizia a nota.

Mais tarde, quando a polícia identificou Eduardo Fauzi como um dos integrantes do atentado com explosivos, o tom mudou. A Frente Integralista Brasileira reconheceu, indiretamente, que o empresário fazia parte de seus quadros quando anunciou a expulsão dele, em caráter irrevogável, das fileiras da FIB. A nota ainda lamenta o episódio e aponta que o ocorrido ajudará na reflexão “a respeito da importância de um zelo maior e melhor formação dentre aqueles que entram no Movimento.”

Por fim, o grupo se diz consciente “de que os ideais e o legado de Plínio Salgado são maiores que atos de traição, covardia e deslealdade” e ressalta que a FIB estará “sempre na condição de sentinelas e soldados de Deus e da Pátria.”

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