Cópias de tabloides em uma banca do subúrbio de Londres. Apesar da queda nas circulações e uma série de problemas éticos, os tabloides conservadores ainda são uma potência, como a votação pelo Brexit mostrou.| Foto: JOSE SARMENTO MATOSNYT

Tony Gallagher, editor do jornal The Sun, um dos mais violentos e influentes tabloides britânicos, menospreza o governo, literalmente. Do alto de sua redação no 12º andar, cheia de vidros e vistas, o Palácio de Westminster parece um castelo para crianças, algo com que se pode brincar ou ignorar à vontade.  

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Gallagher também menospreza o editor do mais comedido Times of London, cujo escritório fica no andar de baixo e que faz questão de manter suas persianas abaixadas. A noção de hierarquia está presente nos dois. 

No Reino Unido pós-Brexit, o poder dos tabloides é evidente. As circulações podem estar caindo e as reputações foram manchadas por uma série de escândalos de escutas telefônicas, mas enquanto o país se prepara para cortar os laços com a União Europeia depois de uma campanha barulhenta e algumas vezes desagradável, políticos importantes cortejam os tabloides e temem sua ira. Os profissionais de rádio e TV os copiam, se não no tom, pelo menos nos assuntos. 

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Leitor e eleitor

Seus leitores, muitos deles trabalhadores de mais de 50 anos que moram fora de Londres, se parecem muito com os eleitores que foram cruciais para o resultado do referendo do ano passado, que questionava a permanência na União Europeia. São esses cidadãos da terra do Brexit que os tabloides pretendem representar no coração do território inimigo: abrigados em moradias palacianas em alguns dos bairros mais caros de Londres, eles se veem como embaixadores da Inglaterra mediana na cidade. 

Na campanha que levou à eleição instantânea de oito de junho, a maioria dos tabloides atuou como guardião zeloso do Brexit e como torcedor do governo Conservador da primeira ministra Theresa May – mesmo que a cidade que os abriga tenha votado de outra maneira. 

Gallagher deixou sua marca em três dos mais estridentes jornais pró-Brexit do Reino Unido. Ele foi editor do conservador The Daily Telegraph e vice-editor do mais mediano Daily Mail, um dos maiores rivais do Sun, antes que Rupert Murdoch o invadisse 20 meses atrás. Juntos, esses três títulos são a razão central para o fato de que a cobertura impressa da campanha do referendo tenha sido distorcida em 80 por cento a favor do Brexit, segundo uma pesquisa da Universidade Loughborough.  

Os tabloides dizem que apenas refletem as preocupações e medos de seus leitores. Mas seus críticos afirmam que eles envenenam o debate apelando para os piores instintos e preconceitos das pessoas, distorcendo fatos e criando uma propaganda fraudulenta que mantém a intolerância e molda a política. 

Mandei um e-mail para Gallagher pedindo uma entrevista em 29 de março, no mesmo dia em que o governo britânico entregou uma carta aos líderes da União Europeia em Bruxelas iniciando formalmente as negociações de dois anos do Brexit. Argumentei que era difícil entender o Reino Unido de hoje sem compreender os tabloides. Ele deve ter concordado. 

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“Criatura da Morte”

O elevador do News Building, prédio de 17 andares, subiu, passando pelos escritórios do Wall Street Journal, da agência de notícias Dow Jones, do Sunday Times e do Times, até a redação do Sun. Murdoch, proprietário do tabloide desde 1969, está logo acima. 

No Telegraph, Gallagher conseguiu respeito por supervisionar a cobertura de um dos maiores escândalos políticos da história britânica recente: mais de duas dúzias de legisladores se demitiram depois que o jornal revelou o abuso generalizado de subsídios e despesas que pagavam por, entre outras coisas, assentos de privada de carvalho e a limpeza de uma fossa. 

Mas ele também tem a reputação de perder a cabeça. “Mail Men”, um novo livro sobre o Daily Mail, onde Gallagher passou a maior parte de sua carreira, cita antigos colegas que o descrevem como uma “criatura da morte” que “coloca um medo do diabo em seus repórteres”. 

Alto e magro, ele me indicou uma cadeira de frente para a vista panorâmica de Londres. Durante toda nossa conversa, permaneceu cauteloso e não sorriu, mas foi educado. (Ele disse que a descrição do livro é “maldosa”.) 

Sem que eu perguntasse, apontou para uma escada e explicou que a redação do Sun era a única do prédio com acesso direto ao andar da administração. (“Eles sobem e descem esses degraus o tempo todo”, disse um jornalista depois. “Eles” são Murdoch, quando está na cidade, e sua chefe britânica, Rebekan Brooks, que foi editora do Sun e do hoje extinto News of the World, que foi processado por ofensas criminais relacionadas com a escuta telefônica, mas acabou considerado inocente por um júri em 2014.)

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Gallagher ainda estava desfrutando das consequências de um confronto recente com o governo. O Sun imprimiu adesivos e fez um relatório especial de oito páginas sobre como um aumento nas contribuições do seguro nacional para os autônomos prejudicaria pessoas da classe trabalhadora, que, na visão do Sun, estavam sendo enganadas. 

Foi a primeira vez que os tabloides se voltaram contra o governo de nove meses de May, e ela recuou rapidamente. “Levou menos de uma semana”, relembrou Gallagher. 

O Sun vende 1,6 milhão de cópias hoje (mais de 80 por cento delas fora de Londres e do rico sudoeste do país) menos do que o ápice de 4,7 milhões que vendia em meados dos anos 1990. No ano passado, o jornal perdeu mais de 60 milhões de libras, cerca de US$75 milhões. 

Por que os políticos ainda ficam tão amedrontados? 

“É um fato que jornais impressos nacionais ainda definem os assuntos aqui muito mais efetivamente do que a televisão e o rádio, que são essencialmente veículos reativos”, disse Gallagher, afirmando que os jornais podem continuar a explorar certos assuntos. 

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“Se um jornal está falando muito sobre o fato de que nossas leis são feitas na Europa, eventualmente essa informação passa a permear a consciência nacional”, explicou ele. 

Uma semana antes, encontrei Kelvin MacKenzie, antigo editor e colunista do Sun. Ele disse que o jornal refletia “o coração britânico palpitante”, e que o Brexit ganhou da imigração “por mil milhas”. 

Gallagher foi mais sutil. 

“Foi uma combinação de migração, de soberania sob um guarda-chuva maior de tomar de volta o controle e uma sensação de que, como país, não éramos mais capazes de definir o nosso destino”, afirmou ele. 

O The Sun, que recruta alguns funcionários diretamente da escola secundária, tem um relacionamento quase pessoal com seus leitores, como o de um amigo confiável no bar. 

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Outros jornais do grupo de Murdoch apoiaram a permanência na União Europeia, afirmou Gallagher, refletindo as opiniões de seus leitores. Entre esse grupo está a edição escocesa do Sun que, como os eleitores daquele país, apoiou a permanência. 

“Faz sentido comercial”, explicou Gallagher. Mas ele é passionalmente cético sobre a União Europeia há anos. 

“Sem dúvida, alimentamos o entusiasmo das pessoas”, disse Gallagher. Mas, afirmou, “a ideia de que podemos de alguma maneira arrastar os leitores contra a sua vontade a assumirem pontos de vista que eles não teriam de outra maneira é delirante”. 

Meu tempo acabou. Gallagher manteve o rosto neutro a tarde toda. A única vez que achei que havia se mexido na cadeira foi quando perguntei sobre a visão de seus filhos sobre o Brexit. Dois são muito jovens para votar, disse ele, mas o mais velho, de 21 anos, preferia a permanência. 

Ele me acompanhou até a porta. “Não me sacaneie”, disse. 

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