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O liberalismo, sempre em debate

O liberalismo "não é de direita nem de esquerda. Consiste em um conjunto de compromissos em teoria política e filosofia política". (Foto: Pixabay)

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De John Gray a Mark Lilla, do progressismo ao conservadorismo, são muito poucos os que hoje duvidam que o liberalismo esteja em crise, embora isso não signifique que o apoio aos seus inimigos, os populismos autoritários, tenha se generalizado.

Sente-se, pelo contrário, um cansaço em relação a um modelo político flexível e adaptativo que não conseguiu cumprir as expectativas, nem enfrentar as últimas crises. Com a alternativa comunista desaparecida, nem mesmo Fukuyama empreendeu uma defesa sólida do projeto.

Um advogado para o liberalismo

Esse clima hostil é o que levou Cass R. Sunstein, respeitado professor de Direito em Harvard, a dar um passo à frente. Sunstein é um liberal convicto, mas sui generis: ele defende a intervenção do Estado para direcionar a ação dos indivíduos e promover, por meio de pequenos empurrões paternalistas, certos bens e valores (ver seu livro "Paternalismo Libertário").

Agora, ele assume o desconfortável papel de advogado defensor do modelo liberal em um artigo publicado no The New York Times, acirrando a polêmica e sugerindo que aqueles que apressadamente lançaram os últimos punhados de terra sobre o liberalismo, na verdade, terminaram enterrando sua caricatura.

Na opinião dele, o modelo liberal não possui os erros que geralmente lhe são atribuídos. É ridículo, comenta, "identificar o liberalismo com o entusiasmo pela ganância, a busca do interesse próprio e a rejeição das normas", extremos que nenhum liberal assumido compartilharia.

Nesse sentido, o ensaio de Sunstein destaca como as confusões terminológicas podem atrapalhar o debate político. Para fornecer clareza, o americano resume em seis pontos básicos o credo liberal: liberdade, direitos humanos, pluralismo, segurança, Estado de direito e democracia.

O exercício e a concretização desses valores são variáveis e estão sujeitos a contingências, mas todos eles delineiam o caminho de qualquer projeto autenticamente liberal.

Uma forma de vida

Existem conservadores liberais e progressistas pouco democráticos e inimigos desses princípios. Porque o liberalismo "não é de direita nem de esquerda. Consiste em um conjunto de compromissos em teoria política e filosofia política". É uma forma de entender a realidade política, uma atitude de vida comprometida com a autonomia individual como meio de promover o bem social.

É um acordo mínimo que procura estabelecer ordem em um campo que, deixado ao arbítrio absoluto ou ao despotismo, acarretaria mais prejuízos do que os permitidos. A base do programa liberal é muito clara: busca remover todas as restrições e pressões à liberdade. Sobre esse fundamento, exige também atenção à igualdade, pois existem condicionantes — econômicos, culturais, sociais — que podem limitar a livre tomada de decisões.

O liberal é favorável a um sistema de liberdades o mais amplo possível. Por exemplo, ama acima de tudo a liberdade de consciência e expressão, e defende sua relevância não exclusivamente para o "discurso político, mas também para a literatura, a música e as artes (incluindo o cinema)".

Pluralismo sem ortodoxia identitária

Sob essa perspectiva, todo liberal, convencido das vantagens do pluralismo, vê a moda do cancelamento como um ataque. Os liberais estão "comprometidos com a diversidade de opiniões"; "não gostam da ortodoxia, nem mesmo nos campi universitários ou nas redes sociais", e também não se reconciliam com essa inclinação identitária que a política está assumindo nos tempos recentes.

O liberalismo não é o mesmo que o neoliberalismo: este implica ausência de regulamentação. Também não há nenhum "dogma" que impeça os liberais de favorecer medidas redistributivas, uma vez que "insistem que as oportunidades sejam para todos. Como acreditam na autodeterminação, estão profundamente comprometidos com a igualdade política e tentam preservá-la".

Sunstein detalha em seu longo artigo a agenda liberal para mostrar que não se limita a oferecer receitas econômicas. Ele leva em consideração as tradições e o bem comum - pois afetam a cidadania - e promove o debate racional.

O déficit antropológico

Há poucas críticas à apologia de Sunstein; é uma defesa abrangente do que conhecemos como democracia liberal ou Estado de direito. Também tem uma vantagem, pois pode servir como um modelo para discernir quando a política diária se afasta desses mínimos e tomar as decisões necessárias para endireitar o rumo. Isso ocorreria com interferências entre poderes, nova censura, desvalorização do bem comum, entre outros.

Não escapa a ninguém que as receitas iliberais exigem extrema precaução para não desfazer essa herança composta de direitos humanos, respeito à liberdade e bem-estar.

Mas também é verdade, como aponta Gregory M. Collins (professor de Filosofia Política em Yale) em um artigo que polemiza com o de Sunstein, que essa atmosfera liberal é um tanto idealista e pode ser habitada por diversas ideologias políticas. Isso é o que acabou acontecendo.

Além disso, segundo Collins, o que o argumento de Sunstein revela é a fraca base antropológica do liberalismo moderno. Para dizer claramente: a imagem do ser humano subjacente ao modelo é parcial, de modo que há, como os comunitaristas alertaram, uma debilidade crônica, uma insuficiência radical, que agora vem à tona nos momentos de crise. Apegado ao individualismo e ao racionalismo, o liberalismo concebe a arena política como um campo de expansão da atividade pessoal, sem conexão com valores éticos universais ou critérios substanciais.

As múltiplas faces do liberalismo

É como se o liberalismo começasse a construção da casa pelo telhado. Assim, essa construção teórica parte do pressuposto de que são os indivíduos que criam e determinam, ex novo (daqui pra frente), o desenvolvimento da vida política (projetam instituições, revitalizam a sociedade civil, promovem o pluralismo e a liberdade), mas deixa sem resposta o porquê da associação política.

De acordo com Collins, "o liberalismo de Sunstein não é possível sem condições religiosas, sociais e éticas prévias. Porque é a família, não o indivíduo, a unidade social fundamental para uma comunidade próspera". A fraqueza fundamental, em qualquer caso, é a ausência de um princípio limitante, que dê sentido às decisões políticas liberais e democráticas e evite as tendências autoritárias e populistas.

Ambos têm razão: Sunstein se concentra nos simples benefícios da idiossincrasia liberal e na eficácia de suas medidas, mas talvez superar a crise desse modelo não dependa tanto de continuar difundindo esses princípios ou seu design institucional, mas sim de determinar até que ponto eles estão a serviço da verdade do ser humano. De qualquer forma, parece claro que a redefinição ideológica que está ocorrendo exige que direita e esquerda desconsiderem os atrativos do autoritarismo.

©2024 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: El liberalismo, siempre a debate

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