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Recém-lançada pelo editora Avis Rara, ‘O Sucesso Jamais Será Perdoado: Uma Autobiografia do Barão de Mauá’ é mais do que uma mera apresentação dos feitos de Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), um dos patronos do empreendorismo brasileiro.
O livro mostra como esse pioneiro desafiou a mentalidade atrasada da elite de seu tempo para fundar dezenas de empresas e colocar o país nos trilhos da industrialização.
Também traz lições valiosas sobre liderança, inovação e persistência, resumidas em afortismo marcantes — como“O melhor programa econômico do governo é não atrapalhar aqueles que produzem, investem, poupam, empregam, trabalham e consomem”.
No trecho a seguir, ele relata os bastidores da criação de um de seus empreendimentos mais importantes: a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro.
Entre as companhias que criei, foi essa uma das que mais prosperou: daí a guerra do costume.
Desgraçadamente entre nós entende-se que os empresários devem perder para que o negócio seja bom para o Estado, quando é justamente o contrário que melhor consulta os interesses do país.
Basta dizer que o resultado favorável anima a criação de outras empresas. E nem faltou tal incentivo nesse caso: no fim de alguns anos, reconhecendo-se que era lucrativa a empresa, não faltaram proponentes para Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará, São Paulo, Rio Grande do Sul, e não sei se mais alguma outra província do Império.
No entanto, a lógica abstrata falhou como sucede quase sempre em questões de finanças. Se tal preço é bom para o Rio de Janeiro, por que não será para outras localidades?
Esse preço e daí para cima foi, pois, a base de todos os outros contratos. Qual foi o resultado?
Dividendos insignificantes para uns e nenhum para outros; em outras palavras, a depreciação ou a ruína dos capitais empregados! E no entanto esses cálculos foram apreciados por capitalistas e por engenheiros na Europa.
Vamos, porém, à empresa cuja posição financeira tive de criar.
Contratado por mim em 11 de março de 1851, o primeiro perímetro da iluminação que abrangia o centro em que maior consumo devia esperar-se (31 milhas), pelo preço de 27 réis por hora, ou 9$000 por mil pés cúbicos, que me pareceu, depois de bastante estudo, preço remunerador, procurei associados.
Não encontrei um só!
Foi só depois de 25 de março de 1854, em que a luz do gás mostrou o seu brilho em algumas ruas e praças da capital, que pude conseguir a organização da companhia, sendo apenas subscritas cerca de metade das ações; e ainda assim com condições onerosas para mim, tais como: preço fixo para todas as obras que o contrato impunha (que foi largamente excedido) e o juro de 6% aos capitais alheios até a conclusão delas.
Finalmente, desenvolvendo-se o consumo, a empresa prosperou. Então eu julguei de conveniência para os interesses dos acionistas estender a iluminação a outros bairros da cidade, e novo contrato foi assinado.
Assegurada a prosperidade da companhia pela marcha do tempo, foi a empresa transferida para Londres, com vantagem dos capitais engajados, continuando na posse proporcional de ações os acionistas que preferiram, e abandonando eu todas as vantagens excepcionais que o contrato original me garantia; eis o histórico da empresa brasileira.
A empresa inglesa não foi menos feliz; ela estende pelas ruas da capital duzentas milhas de encanamento geral, que fornece profusamente a bela luz a quem dela se quer utilizar — tem o privilégio do melhor e mais barato, pois ainda hoje é preferida a todos os outros agentes ou elementos conhecidos que fornecem luz e que livremente concorrem.
Antes de concluir minhas observações sobre essa empresa, seja-me permitido trazer ao conhecimento do público um fato que a ela se prende e cuja importância ninguém poderá desconhecer.
Desde que o estabelecimento da Ponta da Areia ficou montado para produzir em grande escala, havia-me eu aproximado dos homens de governo do país em demanda de TRABALHO para o estabelecimento industrial, cônscio de que essa proteção era devida, mormente precisando o Estado dos serviços que eram solicitados, em concorrência com encomendas que da Europa tinham de ser enviadas, e já foi dito quanto o estabelecimento prosperou no período em que essa proteção lhe foi dada.
As relações adquiridas então puseram-me em contato com quase todos os homens eminentes; de quase todos mereci atenções, e de alguns fui amigo sincero, merecendo-lhes igual afeto.
Em 1851 compunha-se o ministério em sua totalidade de homens de Estado que me tinham no mais alto apreço.
Declarando eu, em conversa com um dos ministros, que fazia estudo havia meses sobre a questão da iluminação a gás da capital, fui informado de que uma proposta se debatia em conselho de ministros, e estavam mesmo a ponto de ser assinadas as respectivas condições, sendo uma delas, o preço de 31 réis por hora de iluminação.
Como se tratava de um serviço público, declarei-me desde logo concorrente e assegurei que minha intervenção importaria não pequena economia aos cofres públicos e à bolsa dos particulares, segundo os dados de que já estava de posse.
Asseguraram-me que minha proposta pelas garantias de execução seria preferida e que só lhes restava a dificuldade de desembaraçarem-se do outro proponente, que felizmente está vivo; alguém mais sabe do fato, além de que nos papéis velhos da secretaria da justiça talvez exista a outra proposta.
Assim colocado em relação a essa empresa, era-me fácil obtê-la fazendo qualquer concessão. Concluídos, porém, meus estudos em poucos dias, apresentei minha proposta fixando o preço de 27 réis: mostrou-se o Senhor Conselheiro Eusebio de Queiroz altamente satisfeito, qualificando em termos honrosos para mim o meu procedimento.
Em poucos dias fui chamado à secretaria da justiça em hora adiantada da tarde pelo Senhor Conselheiro Eusebio, achando-se presente um Senhor Doutor em medicina, que suponho fora consultado sobre as condições científicas do contrato; aceitei-as todas, e o assunto ficou resolvido.
O que, porém, escapa à compreensão do maior número é que esses 4 réis por hora de iluminação de gás, multiplicados pelos 25 anos de consumo do artigo, acumulando-lhe os competentes juros semestrais, como é de boa prática mercantil, eleva a cifra poupada ao Estado e aos consumidores, ou, em outras palavras, ao país, a mais de 12 mil contos!
Vão essas observações em translado aos que vociferam contra a empresa e seu fundador, depois que se soube que era lucrativo esse emprego de capital, e cada um que diga em sua consciência se foi ou não um grande serviço que tive a fortuna de prestar ao país apresentando tão oportunamente proposta mais vantajosa.