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Justin Trudeau, primeiro-ministro canadense | FRED DUFOUR/AFP
Justin Trudeau, primeiro-ministro canadense| Foto: FRED DUFOUR/AFP

Por um momento, quase pareceu que o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, poderia receber uma ou duas críticas da imprensa dos Estados Unidos. 

A sua decisão de fazer um acordo preventivo de 8 milhões de dólares para encerrar uma ação civil do canadense ex-detento na Baía de Guantánamo, Omar Khadr – chegaram a aparecer nas manchetes nos EUA

Felizmente, a Rolling Stone pôde partir para o seu resgate, com uma capa bajuladora feita por Stephen Rodrick, destacando com emoção “a nação liderada por um homem que apareceu na televisão usando uma camiseta de ‘O Guia do Mochileiro das Galáxias’, anda de monociclo e recebeu de braços abertos 40 mil refugiados sírios”. 

A matéria de Rodrick foi além da cobertura típica que Trudeau recebeu no país durante as semanas que sucederam o caso de Khadr, que consistia de histórias como o tipo de meias que ele usou quando se encontrou com o governo da Irlanda (documentado pelo HuffPost juntamente com “11 fotos de Justin Trudeau beijando sua esposa, e não você”), seu visual no programa "Live With Kelly and Ryan" (onde Trudeau se recusou, com indiferença, a tirar a roupa), sua capa para a revista Sky (demonstrando seu “caminho aberto para o posto de líder mais sexy do mundo”, segundo o TMZ) e um vídeo viral dele abraçando um unicórnio de pelúcia (“Se isso não conseguir melhorar drasticamente o seu dia, não sabemos o que mais consegue”, prometeu a Elle). 

Em 2010, Khadr se declarou culpado em um tribunal militar em Guantánamo pela morte do sargento do exército americano Christopher Speer durante uma troca de tiros no Afeganistão, além de outras acusações de terrorismo, como parte de um acordo com os Estados Unidos.

Como Khadr nasceu no Canadá (apesar de praticamente não ter vivido no país) e era adolescente quando matou Speer, sua jornada através do sistema de justiça na guerra dos EUA foi complicada e controversa, e alguns meses depois da sua declaração de culpa, a Suprema Corte do Canadá determinou que os seus direitos constitucionais haviam sido violados. Em 2015, Khadr saiu da prisão, e em junho deste ano foi revelado que o governo de Trudeau havia decidido discretamente pagar 8 milhões de dólares para evitar futuros processos. 

A decisão foi extremamente impopular; 71% dos canadenses se opuseram, incluindo 61% dos apoiadores do Partido Liberal de Trudeau. 

Filhinho de papai

Independentemente do seu talento como chamariz de notícias, é possível apontar que Trudeau não é muito bom na parte governamental do seu trabalho. E não estou falando das críticas pouco contrárias de que ele não é progressivo o suficiente, às vezes lançadas por canadenses de esquerda na imprensa internacional; estou falando de competência básica. O resultado do Khadr-gate deveria servir como um alerta para a mídia internacional começar a equilibrar as excentricidades de Trudeau como uma figura pública fascinante e a sua realidade nada glamourosa como político. 

Trudeau nunca foi muito qualificado para ser primeiro-ministro. Antes de sua rápida ascensão política, ele era conhecido simplesmente como o filho rico e culto de um primeiro-ministro popular que tinha dificuldades para escolher uma carreira. Eleito pela primeira vez ao Parlamento em 2008, ele de repente se transformou em líder liberal em 2013, no que foi considerado um truque de “culto a personalidade” de um partido cuja popularidade havia passado por um recorde de quedas. 

Gafes

Os primeiros passos de Trudeau no cenário nacional foram marcados por gafes ao estilo de George W. Bush, como expressar inveja da eficiência da “ditadura básica” da China. Durante a sua posse, foi revelado que ele não sabia pronunciar a palavra “herdeiro”. Até hoje, ele tropeça quando é obrigado a expressar opiniões além da sua zona de conforto (veja, por exemplo, a sua tentativa dolorosa de articular ideias sobre a Coreia do Norte). Aparições cuidadosamente montadas, como a sua descrição supostamente improvisada de computação quântica, podem ser vistas como uma tentativa deliberada de garantir aos eleitores que o seu líder realmente tem algum conteúdo debaixo do seu cabelo cuidadosamente ondulado. 

Com Trudeau como primeiro-ministro, o seu governo supostamente ativista aprovou pouca legislação e a sua gestão tem acumulado um histórico gigantesco de nomeações, ao estilo do presidente Trump.

Das poucas ideias significativas que ele lançou, muitas foram um desastre de implementação falha, como o seu plano de legalizar maconha até 2018, que ainda é uma confusão de perguntas sem respostas, ou “empoderar” o Senado canadense, que é altamente desprezado e não eleito, para se envolver mais no processo legislativo, o que gerou um bloqueio parlamentar.

Um plano de revisar o sistema eleitoral canadense, que provavelmente teria conquistado poucos resultados além de facilitar que o partido de Trudeau ganhasse uma reeleição, foi abandonado abruptamente depois de desperdiçar milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento que não levaram a nada. 

Economia e política externa

Enquanto isso, o aumento dos gastos de Trudeau, juntamente com grandes cortes de impostos para a classe média, criou déficits orçamentários duas vezes maior do que os “temporários” que ele prometeu durante a sua campanha, sem nenhum plano de melhoria. O grande crescimento econômico, que ele certa vez previu de modo despreocupado que garantiria que “o orçamento se equilibraria sozinho”, não aparece no horizonte. 

As políticas externas não são menos confusas. Trudeau encerrou ostensivamente a “missão de combate” do Canadá contra o Estado Islâmico sem nenhum motivo além de ser uma ação apoiada pelo seu predecessor conservador, mas, mesmo assim, foi relatado recentemente que soldados canadenses parecem ainda estar envolvidos em uma guerra no Oriente Médio da qual o primeiro-ministro havia prometido que tiraria o país. 

Trudeau pode ser uma figura interessante no cenário mundial, contrastando com diversos populistas demagogos e reforçando estereótipos de que o Canadá é o bom moço do mundo. Mas é um privilégio reservado a estrangeiros tratar a política de outros países como uma parábola, um entretenimento ou uma fantasia escapista. Viver em um país liderado por uma celebridade de redes sociais é bem menos divertido.

Tradução de Andressa Muniz
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