Há 29 anos (09/11/1989), a grande trincheira do comunismo estatal caia junto com o muro de Berlim, sinal máximo da resistência da ideologia comunista no mundo. Berlim, ao final da segunda guerra mundial (1945), se veria partida ao meio entre duas potências polarizadas naquele embate militar; do lado ocidental estava a Berlim anticomunista, alinhada ao sistema econômico de livre mercado e à filosofia de cunho conservador, do lado oriental se encontrava a Berlim comunista, nutrida e sustentada pela mentalidade ideológica da URSS.
A Alemanha se vê dividida entre: Oriental (República Democrática Alemã) e Ocidental (República Federal da Alemanha), comunista e capitalista, e o divisor de ambas as partes é o famoso muro de Berlim — que começou a ser construído em 1961. Podemos dizer que esse foi o marco daquela época altamente polarizada; não seria nenhum exagero dizer, também, que o mundo se via dividido entre dois modelos políticos: o ocidental, baseado numa moral conservadora e economia de livre mercado; e o espectro oriental, baseado na ideologia soviética e sua propaganda igualitarista. Berlim era o epicentro dessa polarização, o termômetro que avisava para qual lado tendia as esperanças do futuro. A guerra fria tinha uma localização figurativa, o muro.
Sobre o contexto que entranha a invasão soviética em Berlim, e o caráter cultural e político que estruturam a elevação do muro de Berlim, recomenda-se a leitura de Cortina de Ferro, de Anne Applebaum.
Não demorou muito para que o mundo começasse a perceber que o lado oriental passava por grandes perdas. Basta saber que o muro foi construído na intenção de não deixar que os indivíduos do lado comunista fugissem para o lado capitalista. Desde quando o comunismo surgiu no plano real de política estatal, aqueles que vivem sob sua mão tirânica tentam escalar os muros que os impedem de ser livres.
Em “Nós, obra de Ievguêni Zamiátin” , o autor satiriza e desenvolve uma trama sobre um governo igualitarista que conseguiu superar as desigualdades do mundo “selvagem” através da igualdade tirânica e a vigilância ininterrupta. Na obra ele aponta o “muro verde” como o limite de locomoção dos cidadãos dentro do território do Estado Único; o muro marca as fronteiras que impedem que os indivíduos tenham contato com o “mundo selvagem”, o mundo não igualitário. O personagem que narra a trama, D-503, afirma que as pessoas do mundo selvagem possuem autonomia de pensamento, de locomoção e expressão, modo de vida que ele identifica como “selvagem” e “doente”.
É justamente essa liberdade — ou selvageria — que o modelo político do Estado Único tenta a todo custo evitar; alguma semelhança? Em 1924 — data da primeira publicação de Nós —, Zamiátin conseguiu prever através de um romance como seria a Alemanha de 1961 a 1989.
Não é necessário apontar o drama de famílias inteiras separadas por essa polarização político-militar, estima-se que por volta de 5.000 pessoas fugiram do lado comunista para o lado ocidental das maneiras mais variadas e ousadas. Além disso, o lado oriental se mostrava sensivelmente mais atrasada nos tratos econômicos, industriais e humanos; de uma maneira geral, a falta de liberdades básicas era a característica do modo de vida dos que habitavam o lado oriental.
Há relatos, por exemplo, da venda de pessoas contrárias ao regime, isto mesmo, o comunismo, que se dizia frontalmente contrário à lógica de mercado chegou a vender cidadãos ao “bom” e velho estilo escravagista na busca desesperada de lucros para sanar a falência econômica da Alemanha Oriental. Torturas de jovens e crianças; sistemas de vigilância e perseguições políticas da polícia secreta comunista, estima-se que havia um espião para cada 60 cidadãos da Alemanha Oriental, nada novo para quem conhece a história da URSS e seus fetiches claustrofóbicos de vigilâncias. Esses são alguns dos aspectos aberrantes da tirania do lado Oriental, tais fatos chegaram a ser retratados em filmes famosos como: A Vida dos Outros, dirigido por Florian Henckel von Donnersmarck e Um amor além do muro, dirigido por Dominik Graf.
Quase tudo se tornou crime na Alemanha oriental; com o medo crescente de uma debandada da população da Berlim Oriental para a Ocidental — o que mostraria de maneira inconteste o fracasso do regime comunista — era necessário achar meios de impedir tal fuga. O meio encontrado era o que já havia sido utilizado até à exaustão na Rússia pós revolução de 1917, isto é: o terror psicológico e a manipulação jurídica. Em suma, não era preciso quase nada para ser preso na Alemanha comunista, é o que nos mostra Anna Funder em Stasilândia.
A queda do muro de Berlim, por sua vez, foi um processo lento que misturou o aporte militar de batalhas estratégicas contra nações que tinham potencial de influenciar politicamente outros países. Não obstante, além do aporte militar, os embates diplomáticos, políticos e filosóficos também tiveram seu papel nessa guerra de armas e ideias. A pressão política do Ocidente frente ao claro fracasso do sistema comunista ficava cada vez mais forte.
Unido a isso, a União Soviética já dava claros sinais de esgotamento econômico e enfraquecimento político desde o famoso relatório de Khrushchev (1956), que mostrou ao mundo os horrores do sistema stalinista na URRS. Em 1989, o regime soviético já se encontrava em desgaste quase que total.
Como golpe final, o Vaticano e Estados Unidos, através de Papa João Paulo II e Ronald Reagan, exerceram pressões diplomáticas ao ponto que a sustentabilidade econômica e política do regime soviético na Alemanha se tornou impossível. O comunismo soviético havia dado, praticamente, seu último suspiro — o que seria confirmado dois anos depois com o fim da URSS.
A queda do muro de Berlim foi marcada por um grande alívio por parte dos alemães e de todo Leste Europeu, o historiador britânico descreveu o evento da queda como “a maior festa de rua da história do mundo”. Os alemães, ao saberem sobre a decisão oficial de derrubar o muro, se adiantaram e foram eles mesmos com suas marretas e picaretas derrubarem a maldita fronteira que não devia existir.
Hoje bem sabemos que as pretensões comunistas não dissiparam, muito pelo contrário, a mentalidade comunista disfarçada na cultura e discursos acadêmicos continuam triunfantes e avançam sem demora. Mas a vitória do lado Ocidental contra as investidas comunistas, que resultou na liberdade do povo alemão que ficou ilhado no lado oriental, com certeza é um sopro de esperança para aqueles que continuam enclausurados atrás dos muros ideológicos. E ainda há muitos muros a serem derrubados.
Muros políticos e ideológicos
Se o muro físico caiu, os muros políticos e ideológicos não. Numa época onde não é possível criticar a mentalidade progressista sem ser tachado de fascista, onde os espaços públicos das universidades são controlados por militantes, onde assistir um documentário sobre um filósofo conservador na UFPE se torna crime, onde uma mostra sobre as vítimas dos regimes comunistas necessita de uma liminar judicial para conseguir espaço numa universidade pública; numa época dessa seria tolice nossa acreditar que o extremismo esquerdista tenha sido dissipado.
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Há muitos muros para caírem ainda, entretanto, a queda do muro de Berlim nos lembra que moralidade política, que a batalha contra a mentalidade tirânica e o respeito às liberdades democráticas não devem esmorecer; esses são princípios régios a serem defendidos diuturnamente numa sociedade que se pretende democrática e minimamente ética.
Nossas convicções: O poder da razão e do diálogo
Assim sendo, e sem proselitismos e covardias disfarçadas de tolerância, devemos pegar nossas marretas e derrubar os muros ideológicos ditatoriais que insistem em ficar de pé, não por mero apreço político à determinada visão política opositora, mas por honradez e brio histórico. Para não repetir os erros políticos do século XX, temos que continuar impedindo que campos de concentração se ergam, temos que derrubar politicamente um muro de Berlim por dia.
Se tem algo que o comunismo deixou como bom legado de sua história, foi a clareza em mostrar porque não devemos deixar que ele prospere novamente.