Cartazes dos fundadores da União Soviética Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Vladimir Lenin, e Josef Stalin são exibidos enquanto os comunistas russos se reúnem para a celebração do 106º aniversário da revolução Bolchevique, na Praça Vermelha, em Moscou, Rússia, 7 de novembro de 2023. A Revolução de Outubro destruiu o Império Russo, criou um novo estado comunista, a União Soviética, e estabeleceu um regime comunista totalitário por 75 anos.| Foto: EFE/EPA/SERGEI ILNITSKY
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Em 21 de janeiro, completaram-se cem anos da morte de Lenin, mas na Rússia de Putin não houve nenhuma comemoração oficial. Apenas algumas centenas de pessoas compareceram ao mausoléu do líder comunista na Praça Vermelha.

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O silêncio das autoridades é mais um exemplo da aversão de Vladimir Putin e seu círculo a Lenin, manifestada abertamente nos últimos anos, tornando-se muito evidente quando Putin acusou Lenin de ter fomentado o nacionalismo ucraniano ao considerar a possibilidade de as repúblicas integrantes da URSS exercerem o direito à autodeterminação e se separarem da União. Isso estava previsto nas constituições soviéticas de 1924, 1936 e 1977.

As críticas do nacionalismo russo a Lenin

Essa visão de um Lenin antinacionalista não corresponde à realidade histórica. Embora, após a revolução de 1917, tenha surgido uma república independente da Ucrânia, a Rússia soviética e os bolcheviques ucranianos lutaram contra ela até derrotá-la em 1921. No ano seguinte, a Ucrânia soviética tornou-se parte da URSS, enquanto a Ucrânia ocidental foi integrada ao Estado polonês, que alcançara independência em 1918. Após a Segunda Guerra Mundial, toda a Ucrânia ficou sob domínio soviético, resultando em alterações nas fronteiras. Isso foi obra de Stalin, o homem que recuperou territórios do antigo Império czarista e ampliou a zona de influência de Moscou na Europa.

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A percepção de Lenin na Rússia de Putin é a de um líder mais interessado no internacionalismo proletário do que no nacionalismo russo, capaz de sacrificar tudo pela vitória da revolução em escala mundial. O foco está no Lenin exilado, surpreendido pela revolução de fevereiro de 1917 em Zurique, mas capaz de negociar com o governo do Kaiser para retornar à Rússia em um trem blindado e promover a queda do governo provisório por meio de um golpe de Estado, que resultou na retirada dos russos da Primeira Guerra Mundial, permitindo que os alemães se concentrassem no front ocidental contra os aliados.

Lenin e Trotski, seu negociador, não são vistos com bons olhos pela ótica nacionalista russa por terem aceitado o Tratado de Brest-Litovsk (1918), que resultou na perda de território sob soberania russa, e no reconhecimento, entre outras cláusulas, da independência da Finlândia, Geórgia e Ucrânia. Essa humilhação para o regime bolchevique tinha um caráter transitório para Lenin, surgindo da necessidade de evitar a invasão da Rússia pelas tropas alemãs e a queda do governo comunista devido à sua fraqueza militar, reconhecida pelo próprio Trotski, coordenador das ações do Exército Vermelho.

As críticas e os protestos gerados pelo tratado eram um preço necessário para Lenin e Trotski, que então concordavam sobre a importância da revolução mundial. Era preciso ter paciência e esperar por uma revolução proletária iminente na Alemanha, que poria fim ao regime imperial. Isso permitiria aos russos recuperar os territórios perdidos.

Os eventos não ocorreram como os líderes bolcheviques esperavam, pois na Alemanha foi estabelecida a República de Weimar, um regime parlamentar, em 1919, o mesmo ano em que fracassou a República Comunista Húngara de Bela Kun. No entanto, também nesse período, a Internacional Comunista, impulsionadora do sonho leninista da revolução mundial, reuniu-se pela primeira vez em Moscou. E, em 1920, o Exército Vermelho foi derrotado pelos poloneses em Varsóvia, o que impediu o avanço de suas forças em direção à Alemanha.

Segundo alguns historiadores, esses fracassos afetaram o ânimo de Lenin, cuja saúde estava cada vez mais debilitada pelo insônia, dores de cabeça e exaustão nervosa, além de sua excessiva participação nos assuntos do governo para tentar consolidar o regime comunista. Sua saúde precária também foi influenciada pelos três tiros do atentado da anarquista Fanny Kaplan contra ele em agosto de 1918. Um deles ficou alojado em seu pescoço e só foi retirado em 1922. De qualquer forma, a saúde de Lenin foi se deteriorando, e após vários derrames cerebrais, ele faleceu em 21 de janeiro de 1924.

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O "centralismo democrático" de Lenin aplicado à Rússia

O fervor nacionalista na Rússia está questionando a figura de Lenin há algum tempo. Putin, no entanto, não pretende descartá-lo no "lixo da história", para citar uma conhecida frase de Trotski. O presidente russo não renega completamente o fundador do Estado soviético, pois isso equivaleria a renegar suas próprias origens, embora tenha criticado suas decisões relacionadas à Primeira Guerra Mundial ou sua ordem de executar a família imperial.

Também não está disposto, por enquanto, a retirar Lenin de seu mausoléu e enterrá-lo ao lado de sua mãe em São Petersburgo, como se especulou alguns anos atrás, pois, de acordo com suas próprias declarações em 2005, isso significaria dizer às gerações que viveram sob a URSS que estavam vinculadas a valores falsos. Seria, portanto, uma questão de tempo decidir o destino final dos restos de Lenin, longe de polêmicas desnecessárias.

No entanto, será difícil que na Rússia atual deixem de ser feitas críticas a Lenin por ter cometido o erro de preconizar a autodeterminação dos povos, algo que teria contribuído para o enfraquecimento da Rússia e a negação de sua história. Na realidade, o que Lenin detestava era o nacionalismo burguês, embora não negasse a importância dos nacionalismos para o triunfo da revolução no Império czarista. Como visto no caso da Ucrânia, incorporada em 1922 como república soviética, chegaria o momento de impor o "centralismo democrático", aplicado no funcionamento do Partido, a todos os territórios sob a soberania de Moscou.

Segundo a historiadora francesa Hélène Carrére d'Encausse em sua recomendável biografia de Lenin (publicada em 1998), na VII Conferência do Partido, em abril de 1917, Stalin defendeu o direito das nacionalidades de se separarem da Rússia, preconizado por Lenin. No entanto, a seguir, ele fez a seguinte ressalva, plenamente confirmada na história da URSS: "As nacionalidades não são obrigadas a usar esse direito e, acima de tudo, seu exercício deve levar em consideração os interesses da revolução proletária".

Portanto, a constituição de um Estado federal, não menos centralizado, foi imposta após o estabelecimento da URSS em 1924. Desde então, o Estado federal permaneceu como o único organizador e garantidor dos direitos nacionais. A historiadora mencionada lembra que a estratégia leninista seria sempre a mesma: a defesa de uma "autodeterminação proletária" em detrimento dos governos nacionalistas iniciais, o que permitiria a transição da República nacional para a República soviética. A consequência seria a união com a Rússia, imposta em nome da segurança do novo Estado e da afinidade política com a República dos sovietes. Portanto, como afirma Carrère, Lenin sempre teve vontade de "preservar a comunidade de destino dos povos que viviam no espaço do antigo Império" e foi "o verdadeiro artífice do Estado federal plurinacional nascido oficialmente em 1924".

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As críticas a Lenin contrastam com uma certa reabilitação de Stalin, que, apesar de sua origem georgiana, personificou a resistência da Rússia à invasão hitleriana por meio da Grande Guerra Patriótica de 1941-45, na qual o líder comunista não hesitou em usar os símbolos da história, como Alexandre Nevski ou Pedro, o Grande, e da fé ortodoxa, apesar do ateísmo oficial do regime. A guerra na Ucrânia é vista como uma continuação dessa mesma guerra, na qual estaria em jogo o destino da Rússia.

No entanto, a reabilitação de Stalin vem de algum tempo. Nas entrevistas que Putin concedeu ao cineasta Oliver Stone em 2017, o presidente afirmou que Stalin era uma figura complexa e não deveria ser demonizado, comparando-o a Oliver Cromwell, estabelecedor de um governo tirânico, mas com monumentos na Grã-Bretanha, e a Napoleão, que levou a França à catástrofe e, apesar disso, continua sendo admirado por muitos franceses. Em outras declarações, Putin não negou o terror da era stalinista, embora rejeite a demonização de Stalin como pretexto para atacar a Rússia.

Isso pode explicar a liquidação, em dezembro de 2021, da fundação Memorial Internacional por "terrorismo e extremismo", uma ONG que, desde 1989, investigava os crimes da repressão soviética e da Rússia contemporânea, desde as purgas de 1937 até as guerras na Chechênia. Isso consolida uma versão monolítica do passado nacional, imposta pelo governo. Assim como a China não pode renegar completamente a Revolução Cultural de Mao, pois isso minaria a legitimidade do regime, a Rússia nacionalista atual também não pode renegar o estalinismo.

A figura de Stalin continuará sendo polêmica, mas uma mensagem positiva se espalha do poder por sua vitória na Segunda Guerra Mundial, contribuindo para preservar a identidade da Rússia. Prevalece, como tantas vezes na política, a teoria dos danos colaterais, representada em uma frase atribuída ao líder comunista: "Quando se corta a madeira, as lascas voam".

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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©2024 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: El nacionalismo ruso contra Lenin