Agressões a presos na Penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, e em presídios de Minas Gerais desencadearam uma série de ataques a ônibus, prédios públicos e a agentes de segurança nos dois estados nos últimos dias.
Mensagens e bilhetes interceptados pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao crime Organizado), do Ministério Público do Estado de São Paulo, apontam que as ordens para os atentados partiram da facção criminosa paulista PCC (Primeiro Comando da Capital).
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Segundo o Gaeco, os ataques foram autorizados pelo PCC em represália aos maus-tratos sofridos por detentos. Promotores de Justiça do Gaeco paulista apuraram também que o PCC ameaça atacar as forças de segurança em Goiás e no Maranhão pelo mesmo motivo: “opressão imposta aos detentos”.
O Gaeco de São Paulo investiga o PCC desde 2001 e apurou que a facção tem uma célula denominada “resumo do estados”, cujos integrantes, presos ou em liberdade, são os responsáveis pela organização criminosa em cada unidade da Federação. Essa célula é subordinada à “sintonia dos estados”, o setor que cuida dos negócios ilícitos e de assuntos de interesse do PCC fora de São Paulo.
Acima da “sintonia dos estados” está a “sintonia final”, formada pela liderança do grupo criminoso, recolhida na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, distante 620 km da capital paulista. Por determinação da “sintonia final”, a célula “resumo dos estados” está autorizada a realizar ataques sempre que houver casos de opressão contra os presos ligados à facção criminosa.
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As investigações do Gaeco apontaram que, a princípio, o PCC havia determinado à célula “resumo dos estados” uma manifestação pacífica no Rio Grande do Norte e em Minas Gerais. Lideranças do grupo, porém, entenderam que um ato pacífico em protesto contra as agressões aos presos não teria repercussão e, por isso, ordenaram ações violentas, como ataques a prédios públicos e ônibus e mortes de policiais e agentes penitenciários.
Em Parnamirim, região metropolitana de Natal, homens do PCC mataram um policial militar.
Em Minas Gerais, a Polícia Militar informou que 51 ônibus foram incendiados em 25 cidades desde a madrugada de domingo até hoje à tarde. Também foram registrados ataques nas Câmaras Municipais de Passos e de Campo Florido. Ao menos 40 suspeitos de envolvimento nos crimes foram presos.
Paraná e São Paulo, redutos do PCC
O Gaeco investiga se as ordens para os ataques no Rio Grande do Norte e em Minas Gerais foram repassadas por presos da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau ou de Piraquara, no Paraná.
Para promotores de Justiça do Gaeco paulista, o Paraná é o segundo maior reduto do PCC no Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo. A facção paulista conta com 3.000 integrantes no território paranaense. Em Minas Gerais são 1.500 homens e no Rio Grande do Norte, entre 500 e 700. Em todo o País, o total de integrantes do PCC chega à casa dos 30 mil. Em 2014 eram 20 mil.
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A expansão do PCC e sua hegemonia no tráfico de drogas em todos os estados da federação causaram uma guerra com outras facções criminosas nas ruas e nas prisões.
Os conflitos geraram centenas de mortos em presídios do Norte e Nordeste e também em assassinatos em várias capitais dessas regiões.
Maior organização criminosa do Brasil
Especialistas em crime organizado afirmam que o PCC é, sem dúvida, a maior organização criminosa do Brasil. A organização é considerada uma pré-máfia, pois ainda não lava dinheiro no Exterior, como fazem os grandes grupos mafiosos.
O PCC já tem ramificações no Paraguai, Bolívia, Colômbia e Peru. Números do Ministério Público do Estado de São Paulo apontam que o grupo criminoso fatura R$ 400 milhões por ano com o tráfico de drogas. O faturamento anual do PCC é comparado ao lucro de empresas multinacionais.
Estudiosos na área de segurança pública acreditam que o PCC não é mais uma facção criminosa e sim um dos maiores cartéis de droga da América do Sul.
“Sintonia das gravatas”
Para defender seus interesses junto ao Poder Judiciário, o PCC havia criado uma outra célula, considerada muito importante para os seus líderes, denominada “sintonia dos gravatas”. A “sintonia dos gravatas” era o braço jurídico do PCC. Esse setor era formado por ao menos 40 advogados.
Os advogados recebiam milhões de reais por mês para defender os líderes do PCC em processos tanto em São Paulo quanto fora do estado. Os defensores, segundo o Gaeco, não exerciam a advocacia e agiam como pombos-correios, levando e trazendo recados para os chefes da organização dentro e fora dos presídios.
Um casal de advogados contratados pela facção chegou inclusive a se infiltrar no Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana). O objetivo era divulgar falsas notícias de violações dos direitos humanos no sistema prisional de São Paulo.
Em novembro de 2016, o Gaeco de Presidente Venceslau deflagrou a Operação Ethos. Os advogados da “sintonia dos gravatas” foram presos e acabaram condenados.
O Gaeco paulista não sabe se os atentados em Minas Gerais e no Rio Grande do Norte vão ter continuidade esta semana. Promotores de Justiça do Gaeco garantem, no entanto, que nos próximos dias irão deflagrar uma operação para coibir as ações da célula “resumo dos estados”, assim como fizeram com a “sintonia dos gravatas”.
Ecos de 2006
O PCC agiu do mesmo modo e paralisou o estado de São Paulo em maio de 2006, quando incendiou dezenas de coletivos, metralhou fóruns, delegacias e postos policiais e matou ao menos 47 agentes públicos.
Ao mesmo tempo, integrantes da facção se rebelaram em 74 dos 105 presídios de regime fechado no estado. Os atentados foram praticados em represália ao isolamento de 765 presidiários da facção na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau.
Os ataques só cessaram porque o governo estadual mandou, em avião fretado, uma equipe de policiais até o presídio de Presidente Bernardes, cidade vizinha a Presidente Venceslau, para negociar com a liderança do PCC o fim dos atentados em São Paulo.
Em 2012, homens ligados ao PCC voltaram a impor o terror no estado de São Paulo e mataram ao menos 106 policiais militares. E isso porque integrantes da facção foram mortos por PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa de elite da corporação, em supostos casos de tiroteios.
Ainda segundo o Gaeco, o PCC costuma impor onda de terror sempre que presos são agredidos nas cadeias; quando seus líderes são colocados em castigo, no isolamento; ou quando seus homens são assassinados por policiais nas ruas.
Em 31 de agosto de 1993, o PCC foi criado na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo. Seus fundadores alegaram que criaram a facção para lutar contra a opressão e maus-tratos, como o Massacre do Carandiru, em 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram mortos pela Polícia Militar durante rebelião. A carnificina teve repercussão mundial.
*Josmar Jozino é autor dos livros “Cobras e Lagartos. A Verdadeira História do PCC” e “Casadas com o Crime”