O jacobinismo voltou à moda. Às vezes tímido, contido e constrangido. Às vezes, pasmem!, orgulhosamente.
Aqui e ali, pessoas mais e menos esclarecidas reverberam uma ideia de mundo que já foi posta em prática na França Revolucionária (há mais de duzentos anos!), com consequências trágicas. Estima-se que o jacobinismo tenha matado – guilhotinado – dezessete mil pessoas entre 1792 e 1794. Claro que o jacobinismo tupiniquim contemporâneo não chegou a esse estágio. Ainda. Embora simbolicamente estejamos caminhando para um abismo semelhante.
Como todas as ideias assassinas, o jacobinismo também nasceu cheio de boas intenções. O clube foi fundado com o nome ameno, simpático e auspicioso de Sociedade dos Amigos da Constituição por meia-dúzia de pessoas esclarecidas e influentes que se diziam defensoras ferrenhas da lei, da moralidade, da República, da educação, do sufrágio universal e da separação entre Igreja e Estado.
De tudo o que o Iluminismo dizia que era o certo – e ai de quem discordasse!
Não é difícil, nas redes sociais, encontrar pessoas que se afiliariam de bom grado a uma sociedade de amigos da Constituição. São essas que clamam não por um simples impeachment de um juiz da Suprema Corte, e sim pela eliminação da instituição, a ser substituída, evidentemente, por pessoas mais alinhadas à noção particular e autoritária do que é a justiça e dos direitos que uma Constituição deveria garantir.
São essas que entendem que a única forma de ver a “moralidade pública” triunfar é por meio do fim do diálogo e pela imposição de uma ideia muito individual, quando não rasteira e vulgar, do que é a tal moralidade pública.
Na França Revolucionária, aos poucos aqueles ideais que no papel pareciam tão nobres e elevados e fraternos, justos e igualitários deram lugar, primeiro, ao discurso violento; depois, à ação. Tudo, repito porque é preciso deixar bem claro, sob a égide da moralidade, em nome da liberdade e da justiça. Tanto que o líder jacobino Robespierre era chamado de O Incorruptível. Robespierre que também acabaria condenado à morte.
Curioso perceber isso. No processo revolucionário, o primeiro sinal de deturpação do espírito coletivo é o embrutecimento do discurso. Hábil e ardilosamente, o Estado, personificado ou não, assume os papeis de situação e oposição, controlando completamente os lados antípodas do espectro político. Até que não reste nada além de uma só voz ditando ao mesmo tempo o certo e o errado. Reinando, ou melhor, presidindo como uma divindade.
O Reino do Terror, durante o qual se institucionalizou a morte em nome da pátria, da prosperidade e do povo nasceu de uma sensação de urgência, de um frêmito político, por assim dizer, para que se instaurasse uma realidade completamente diferente da que se tinha na monarquia. O caminho, para tanto, era a eliminação física não só dos inimigos declarados, mas também de todos os que simbolizavam a antiga ordem. De todos os que discordassem. Era um punitivismo primitivo, tataravô do punitivismo que hoje clama para que todos os “inimigos do povo” sejam jogados em masmorras.
O jacobinismo verde-amarelo contemporâneo é ainda, por sorte, um jacobinismo Nutella, algo distante do jacobinismo raiz de Robespierre & seus amigos. Mas o surgimento e o crescimento de um espírito igualmente vingativo preocupam. Até porque os nascedouros dessas ideias de ontem e de hoje têm lá suas semelhanças: desde a crise econômica e o encastelamento da elite até a paranoia conspiracionista e o desejo algo aleatório de “mudar tudo isso que está aí”.
Qualquer semelhança entre o jacobinismo francês e o Brasil de hoje não é mera coincidência nem tampouco uma repetição farsesca da história. É, até aqui, um alerta. Não estou sugerindo que em breve possamos ver instaladas nas praças das grandes metrópoles guilhotinas (evidentemente superfaturadas) pintadas de verde e amarelo. Nem tampouco que o atual mandatário seja assim um Robespierre.
O que estou sugerindo é que em breve nós, enquanto povo unido por esse conceito difuso chamado Brasil, teremos de fazer uma escolha: ou acreditamos no caráter revolucionário do nosso tempo e aceitamos as terríveis consequências disso ou tomamos decisões calmas, ponderadas e sábias de longo prazo, sem cedermos à alegria bárbara de ver cabeças rolarem para fora de um cesto já cheio de outras cabeças.