Depois de reduzir o orçamento da polícia para reverter o dinheiro a programas voltados a minorias e ver uma escalada de crimes no último ano, a cidade de São Francisco, na Califórnia, tentou apostar em “robôs potencialmente letais controlados remotamente em emergências” para melhorar sua segurança pública. O plano foi aprovado no fim de novembro pelo Conselho de Supervisores do município, que, após duras críticas e protestos da população, voltou atrás nesta semana, pelo menos “por enquanto”.
Em nova votação nesta terça-feira (6), a questão foi enviada de volta a um comitê, que deve conduzir uma discussão mais aprofundada sobre o uso remoto de força letal “em casos limitados em outro momento”. Antes disso, porém, a prefeita de São Francisco, a democrata London Breed, havia expressado apoio ao uso dos robôs. “Se a polícia é chamada para atender uma situação em que alguém pretende fazer mal ou já está fazendo mal a pessoas inocentes, e há tecnologia que pode ajudar a acabar com a violência e salvar vidas, precisamos permitir que a polícia use essas ferramentas para salvar vidas”, declarou, por meio de comunicado.
Primeira mulher negra a ocupar o cargo, em julho de 2020, Breed anunciou um corte orçamentário de US$ 120 milhões na polícia de São Francisco. Os recursos seriam redirecionados ao tratamento de disparidades na comunidade negra. “Com este orçamento, estamos ouvindo a comunidade e priorizando investimentos na comunidade afro-americana em torno de habitação, saúde mental e bem-estar, desenvolvimento da força de trabalho, justiça econômica, educação, defesa e responsabilidade”, justificou na ocasião.
Em 2021, o número de crimes contra o patrimônio cresceu 11% em relação ao ano anterior – os assaltos, em especial, dispararam 40% na comparação com os níveis de 2019. Aconteceram 56 homicídios, enquanto dois anos antes haviam sido 41. Os casos de overdose também dispararam, com o registro de 721 mortes.
Na época, o chefe de polícia Bill Scott alertava que faltava mão de obra policial, que o orçamento não era suficiente para contratar mais agentes e que os disponíveis estavam trabalhando muito além do expediente previsto.
Com a escalada de crimes e a corporação insatisfeita, a prefeitura abandonou a estratégia, aumentando o orçamento disponível para segurança ainda no fim de 2021. “Tenho orgulho de esta cidade acreditar em dar uma segunda chance às pessoas. No entanto, também precisamos que haja responsabilidade quando alguém infringe a lei. Nossa compaixão não pode ser confundida com fraqueza ou indiferença. Fui criada por minha avó para acreditar em 'amor duro', em manter sua casa em ordem, e nós precisamos disso, agora mais do que nunca”, afirmou a prefeita, em dezembro do ano passado.
Quase um ano mais tarde, o Conselho de Supervisores da cidade aprovou o plano para implementar “robôs potencialmente letais controlados remotamente em emergências”, com apoio da chefe do executivo. A medida previa que robôs já utilizados pela polícia em operações de resgate e em desarmamento de bombas (além de novas unidades a serem adquiridas) fossem adaptados para carregar armas e explosivos.
A proposta era que eles fossem operados a distância em casos de crises, como o registrado em Dallas, no Texas, há seis anos – na ocasião, um atirador civil havia derrubado cinco policiais e estava abrigado fora do alcance dos demais agentes quando um robô se aproximou com um explosivo, que foi detonado remotamente, matando o criminoso.
O uso dos robôs assassinos de São Francisco seria semelhante, em tese: enviados, em terra, para o meio de criminosos que estivessem representando perigo à integridade física de policiais, eles seriam detonados, ou disparariam armas, ao se aproximar dos alvos. A ação contaria com autorização direta de oficiais de alto escalão da polícia.
Reação popular
O escritório da defensoria pública da cidade havia definido a medida como “desumanizadora e militarista”. Em entrevista ao jornal The Post, o diretor executivo do Surveillance Technology Oversight Project, Albert Fox Cahn, apontou: “Até onde eu sei, seria a primeira vez que uma cidade decide aprovar uma lei que autoriza o uso de robôs assassinos”.
Entrevistada pela rede BBC, Catherine Connolly, do grupo ativista Stop Killer Robots, argumentou que a medida poderia “deixar os humanos cada vez mais distantes do uso da força e das consequências de seu uso”, de forma a tornar “mais fácil tomar decisões para usar força letal”.
No início desta semana, manifestantes se reuniram em frente à prefeitura para tentar impedir que a polícia se armasse com os “robôs assassinos”. A pressão popular levou os conselheiros a reverem seus votos por unanimidade. Um deles, Gordon Mar, tuitou na segunda-feira (5) estar arrependido de ter votado a favor de “robôs para matar suspeitos em circunstâncias extremas”.
“Mesmo com proteções adicionais, estou cada vez mais desconfortável com nosso voto e o precedente que estabelece para outras cidades sem um forte compromisso com a responsabilidade policial. Não acho que tornar a violência do Estado mais remota, distanciada e menos humana seja um passo à frente”, escreveu. “Não acho que robôs com força letal nos tornem mais seguros, ou previnam ou solucionem crimes”, acrescentou Mar.
Erros letais
Robôs autônomos armados não são novidade em cenários de guerras. Seja como submarinos, drones ou veículos não tripulados, eles já foram utilizados para destruir edifícios inteiros, seja no Iraque ou na Ucrânia. A União Europeia ainda debate sua regulamentação, assim como a Organização das Nações Unidas.
Mesmo em contextos militares, estas armas podem ser usadas contra alvos errados – já aconteceu no Afeganistão, em setembro de 2021, quando um ataque americano com drone contra um suposto integrante do Estado Islâmico acabou por matar dez civis inocentes, sete deles crianças. Em março de 2020, um drone utilizado pelo governo da Líbia para apoiar as forças policiais caçou e atingiu um civil, sem receber orientação para tal. Foi o primeiro caso de uma morte cometida por um robô defeituoso.
“Já é possível fabricar e utilizar milhares de armas autônomas, o que representa um enorme risco”, avaliou Stuart Russell, pesquisador de Inteligência Artificial e professor de Ciência da Computação da Universidade da Califórnia em Berkley.
Para lidar com esta questão, a legislação atual é insuficiente, como apontou Laura Bruun, especialista em tecnologias de segurança no Stockholm International Peace Research Institute, em entrevista à plataforma de mídia Swissinfo. “A lei internacional cobre todos os tipos de armas, mas o uso de tecnologias autônomas que se utilizam de Inteligência Artificial não está regulado, o que cria um vácuo normativo”.
O risco de os robôs saírem de controle é retratado em filmes de ficção científica como Robocop e Chopping Mall – menos conhecida, esta produção de 1986 retrata um grupo de adolescentes fica de propósito dentro de um shopping quando ele fecha, mas o sistema de segurança é formado por robôs que se mostram assassinos.
Se causa preocupação nos meios militares, o uso de robôs armados por forças policiais ainda é evitado, no geral. Nos Estados Unidos, o caso de Dallas foi replicado em ações policiais consideradas excepcionais, mas ainda não regulamentado para uso regular, como pretendia a cidade californiana.
Ao propor autorização para o uso de robôs para matar, a progressista São Francisco poderia abrir um precedente perigoso, como argumentou Albert Fox Cahn. “Uma vez que uma decisão deste teor é adotada por uma cidade influente como São Francisco, temo que estariam abertas as comportas para muitas outras seguirem o exemplo”.
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