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No imaginário nacional mexicano, só há espaço para heróis e vilões. Benito Juárez (1806-1872), ex-presidente, é o herói popular. Hernán Cortés (1485-1547), o conquistador espanhol, é o vilão que destruiu o glorioso império asteca. Já a Independência Mexicana consagrou Padre Morelos (1765-1815) e Padre Hidalgo (1753-1811) como os pais da nação.
Esse espírito foi bem captado pelo escritor inglês Graham Greene (1904-1991), na sua obra “O Poder e a Glória”, de 1940. O livro conta a história da Guerra Cristera (1926-1929), um conflito sangrento que opôs a Igreja e o Estado, em decorrência de leis anticlericais impostas por este. Greene explora a ambiguidade da relação, a partir de um padre perseguido e de um oficial contratado para matá-lo.
Na história mexicana, tal relação foi por vezes aberta, por vezes “nicodêmica”, como chamam os mexicanos, se referindo ao fariseu que se encontrava com Jesus Cristo escondido, à noite. É significativo, por exemplo, que o México só voltou a estabelecer relações oficiais com o Vaticano em 1992.
A onipresença do catolicismo
Em 1531, na atual Cidade do México, se deu a primeira aparição de Nossa Senhora do Guadalupe. A Virgem se manifestou a um indígena asteca, que então se converteu ao cristianismo. Aqui se iniciou a longa e apaixonada devoção de muitos mexicanos. A Basílica de Nossa Senhora do Guadalupe é a segunda mais visitada do mundo, perdendo apenas para a de São Pedro, no Vaticano.
Depois da Guerra Cristera, as disposições anticlericais foram revogadas, mas a Igreja perdeu um pouco do seu poder político. As décadas seguintes consolidaram a hegemonia do PRI (Partido Revolucionário Institucional), que teve com a Igreja uma relação distante, e o PAN (Partido da Ação Nacional), o partido católico, se tornou uma oposição consentida.
O catolicismo ainda costuma se tornar pauta do debate e candidatos são cobrados quanto às suas convicções. Em 2000, o ex-presidente Vicente Fox (1942-2001) chegou a usar Nossa Senhora de Guadalupe como símbolo de campanha e foi criticado. Andrés Manuel López Obrador, que acaba de eleger sua sucessora, Claudia Sheinbaum, é filiado ao “Movimento Regeneração Nacional” que, na sigla em espanhol, é “MORENA”, indisfarçada alusão à “La Virgem Morena”, apelido que muitos mexicanos dão à sua padroeira.
A eleição funcionou como um referendo da gestão de Obrador e Claudia se tornou a primeira mulher presidente do México, mesmo caso de Dilma Rousseff aqui no Brasil, que a parabenizou publicamente, assim como Lula, Maduro, Daniel Ortega e Miguel Díaz-Cane. Sheinbaum é declaradamente feminista, movimento que é uma das vozes mais fortes do anticatolicismo. Enquanto prefeita, foi responsável por abrir a primeira clínica trans do México, que oferece apoio psicológico e tratamento hormonal. A sua posição em relação à Igreja Católica permanece obscura.
Histórico de perseguição religiosa
Em julho de 2023, a organização Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, na sigla em inglês) colocou o México, junto com Argentina e Chile, como país na categoria “sob observação”, no que diz respeito à liberdade religiosa. E em fevereiro deste ano, após levantamento da ONG Missão Portas Abertas, os casos de vandalismo contra locais relacionados à fé subiram quase 600%, em comparação com o ano anterior.
Jose Antonio Rosas Amor é diretor geral e fundador da Academia Latinoamericana de Líderes Católicos e afirma que há um desafio histórico na frente: “A relação entre a Igreja e o Estado foi muito conflitiva no século XX. Com o tempo, foi se pacificando, mas para os tempos atuais é insuficiente”. Para ele, a mudança deve ser constitucional: “Precisamos atualizar nossa constituição para que a relação seja sem preconceitos ideológicos”.
Em relação ao histórico de violência no país, José lamenta que ela segue ocorrendo: “A última eleição foi a mais sangrenta da história: muitos candidatos foram chantageados, sequestrados e assassinados. México tem sido considerado por analistas como o “país dos desaparecidos”. José não acredita que seja uma perseguição do Estado contra a Igreja, pois a violência atinge também a outros grupos. Ainda, ele segue otimista em relação à Claudia Sheinbaum: “Estamos dispostos a colaborar com o futuro governo e coincidimos com sua preocupação com os mais pobres”. E, em relação à Igreja, diz que “não pretendemos ser uma hegemonia, mas não também não queremos esconder o tesouro que tem”
Em “O Poder e a Glória”, a esperança é o personagem oculto que resiste em meio à guerra. Alguns poucos permanecem na fé, a despeito de tudo indicar a falta dela. “A esperança era um instinto que só a mente humana poderia matar. Um animal nunca conheceria o desespero”. Ou seja, é ela que nos faz humanos e por ela que o homem deve continuar.
André Luiz Corrêa é redator, formado em Direito, e católico