O segredo da felicidade em praticamente qualquer relacionamento é saber o que não dizer. Pergunte ao seu novo amor sobre os relacionamentos antigos e vai saber mais do que queria, ouvir coisas que nunca vai poder “desouvir”. Comece a contar ao professor que seu cachorro comeu a lição de casa enquanto sua avó estava sendo levada para o hospital e descobrirá que ele pode se mostrar mais impaciente do que se você simplesmente disser “não fiz nada.”
Um dos motivos por que somos aconselhados a mandar e-mails curtos é o fato de que informação demais dá à outra pessoa do outro lado muito mais razão para entender tudo errado – ou matutar às três da manhã. O outro é que se você envia uma mensagem longa, o destinatário pode se sentir obrigado a responder com outro calhamaço e aí é você que vai ter que rebolar para entender o que ela quis dizer com aquele “e” e por que mencionou Steve.
Ou por que simplesmente nem respondeu.
É claro que sabemos desse perigo desde o início dos tempos; no entanto, nunca estivemos na posição de devorar (ou fornecer) tanta informação como hoje em dia, na era das redes sociais e dos ciclos ininterruptos de notícias – e, consequentemente, nunca ficamos tão tentados a esquecer que o volume de conhecimento é limitado; para nós, infinitos são os mal-entendidos, as especulações e a ignorância.
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Basta analisar nossa recente temporada de surpresas – do Prêmio Nobel de Bob Dylan à eleição de Donald Trump – para ver que ela nos mostra que sabemos muito pouco. No dia sete de novembro de 2016, graças ao maior volume de dados jamais coletado antes, atualizado a cada segundo durante 16 meses ou mais, todos sabíamos o que ia acontecer; à meia-noite do dia seguinte, percebemos que toda a informação do mundo não corresponde necessariamente à vida real.
Incertezas
Lembra, em “Otelo”, como o guerreiro experiente é convencido a se afastar dos domínios do conhecimento para se aventurar nos territórios da inferência e da especulação pelo velho amigo Iago? No minuto em que se afasta da vida real, na “tormenta” dos próprios pensamentos, declarando que “Iago é o mais honesto”, após este nos ter segredado “Não sou o que sou”, o nobre mouro não tem certeza de mais nada. Nossas pesquisas, nossos analistas, nossas fontes de “notícias” – o nosso próprio saber – funciona mais ou menos da mesma forma, embora talvez com menos malícia, para nos convencer de que mexerico + opinião + suposição = verdade.
Recentemente tive uma boa lição sobre essa realidade ao visitar um campus – não é o que acontece a todos nós hoje em dia, em encontros ou entrevistas de emprego, em simples ocasiões sociais? Fiquei sabendo que o Professor X ia me oferecer um jantar, então é claro que decidi dar uma espiada na rede para saber quem ele era – e também por saber que, se fosse o contrário, ele faria o mesmo. Precisava lhe mostrar que tinha pensado nele de antemão; mais que isso, tinha que estar preparado para duas horas de bate-papo.
Assim que joguei seu nome no Google, apareceu o RateMyTeachers.com e descobri que meu futuro anfitrião era arrogante, ignorante, cruel e até sádico. Cada comentário era mais terrível que o anterior. Só mais tarde pensei que talvez esse verdadeiro assassinato de personalidade fosse uma conspiração engendrada por alguns poucos alunos que receberam nota baixa; não parei para pensar que não necessariamente confiaria nessa garotada de 18 ou 19 anos em nenhum outro aspecto, muito menos quando o futuro dela está em jogo; nem me dei ao trabalho de levar em consideração o fato de que aqueles que defendem uma ideia com mais fervor são os que fazem questão de escrever resenhas on-line.
Cheguei à casa do meu anfitrião com o pé atrás – e quase não soube o que fazer com o homem gentil, educado e engraçado que vi à minha frente. Sem dúvida, ele não deve ter entendido por que eu me mostrava tão reservado e arisco – ou, quem sabe, pode ter lido as resenhas a meu respeito e já sabia que eu era arrogante, ignorante e cruel.
Biblioteca de Alexandria na palma da mão
O maior acesso ao conhecimento é uma das glórias do nosso tempo. Mesmo o nosso vizinho mais desprovido de bens materiais tem a Biblioteca de Alexandria, multiplicada por um valor infinito, na palma da mão, como nenhuma outra geração anterior teve. Em parte, o volume de dados sob nosso controle é o que torna a vida mais rica e mais feliz do que nunca. Em uma viagem à Coreia do Norte, depois de muito tempo desde a visita anterior, eu me lembrei, com horror, do que é viver em um universo pré-digital, fechado, no qual você só pode saber o que lhe é permitido saber.
Zanzando entre os monumentos mais emblemáticos de Pyongyang, tive que lembrar a mim mesmo de que aqueles arranha-céus ultramodernos e brilhantes à minha volta quase todos eram só fachada, já que a grande maioria só tinha fantasmas circulando entre os andares; que a mulher no vagão de metrô impecável, simpática, pode ter me cumprimentado em inglês só porque o governo mandou, como um verdadeiro acessório humano. Assim que voltei para o que considero o Planeta Terra, entrei na internet e fique feliz ao me deparar com o que é quase universalmente tido como “verdades reconhecidas”.
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Porém, uma coisa que acontece quando adquirimos “conhecimento” excessivo é que, como Otelo, às vezes não conseguimos distingui-lo daquilo que nunca será conhecido e que, por sua vez, talvez não seja falso. Outra é que somos tentados a não enxergar a separação entre os limites de um e de outro, como no caso da ciência e da saúde – em que quanto mais dados tivermos, melhor –, e o das relações humanas, onde o que vale pode ser o contrário.
Por que Iago é possuído pelo demônio?
O conhecimento parece ter se tornado um fim em si próprio e bebemos avidamente de sua fonte sem parar para perceber que é Iago – ou aquele autor anônimo de um item qualquer da Wikipédia – quem nos serve e que, às vezes, a sabedoria depende de ver o quanto o conhecimento não conhece e o tanto da rotina que é moldado pelo inesperado.
Quando garoto, eu sabia que o conhecimento era a melhor fonte de poder que existia; praticamente todo adolescente quer saber das coisas. O que eu não conseguia entender é que justamente nas questões de maior importância – amor, terror, a existência de Deus, por que Iago é possuído pelo demônio? – estão fora desse domínio. Que quanto mais informações reunirmos sobre qualquer um, seja Angelina Jolie ou Donald Trump, menos parecemos saber. E que ninguém confiável agora quer concorrer a cargos públicos, em parte porque, na era do conhecimento, ninguém é imaculado perante o júri global da internet.
Quem leu este artigo até aqui terá acumulado mais conhecimento hoje do que Shakespeare ao longo de toda a sua vida, mas ele sabia muito mais sobre o que temos dificuldade de ver. Enquanto meus amigos ficam me dizendo o que vai acontecer durante o governo de Trump, eu me lembro de tudo o que falaram há aguns anos, quando Obama ia mudar o mundo. Graças aos céus o presidente foi sábio o bastante para lembrar que nenhum de nós sabe nem o que vai acontecer hoje à noite.
(*Pico Iyer é autor, mais recentemente, de “The Man Within My Head” e “The Art of Stillness”. É também membro acadêmico da Universidade Chapman.)