A aquisição do Twitter (agora X) por Elon Musk despertou os fantasmas da embriaguez tecnófila que experimentamos de forma hipertrofiada durante a década de 2010 e que pareciam ter morrido desde a crise da Covid-19. O imprevisível empresário tornou-se, assim como Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg em sua época, o emblema de uma parcela da sociedade que sonha com um futuro transhumanista. Uma oposição está se formando contra eles.
A crítica à tecnologia tem uma herança de séculos e acabou por formar um corpo substancial de pensamento filosófico. Esse “tecnocriticismo”(1) nasceu no final do século XVIII, no início da revolução industrial na Europa, como uma reação a uma realidade técnica que estava começando a se tornar visível por sua amplitude. As invenções ainda apareciam isoladas, mas a produção em linha de montagem, o desenvolvimento de fábricas e a multiplicação de tecnologias iriam em um curto espaço de tempo alterar consideravelmente as paisagens e a temporalidade por meio da redução das distâncias.
Essa ruptura espaço-temporal deu origem a grandes esperanças e aumentou as crenças modernas no progresso indefinido, que se tornou o discurso dominante do século XIX. Os autores mais proeminentes se deixaram seduzir, como Victor Hugo, Théophile Gautier e, depois de muita resistência, Émile Zola. Outros eram céticos, como Charles Baudelaire: em uma crítica à Exposição Universal de 1855 que combinava fascínio e desaprovação, o poeta falou da tecnologia como uma “lanterna moderna” que “lança escuridão sobre todos os objetos de conhecimento”(2). Embora todos elogiem esse progresso como o acelerador de uma vida confortável, ele prefere as palavras “decrepitude” e “decadência”. Ele foi o primeiro a enfatizar a dimensão religiosa desse novo fascínio, porque “as coisas de ordem material e as de ordem espiritual” estavam, em sua opinião, “estranhamente misturadas”.
Se Charles Baudelaire parece ter aberto caminho para o questionamento da fé no progresso no século XIX, ele não foi o primeiro a se revoltar contra a tecnologia, pois muitos artesãos e trabalhadores já o haviam precedido. Esses últimos se revoltaram contra o perigo das máquinas, que os forçavam a desgastar seus corpos em gestos repetitivos e sem nenhum domínio do ofício. Eles estavam condenados a reaprender constantemente os rudimentos de uma máquina nova e mais moderna, que acabaria por substituí-los. A revolta ludita de 1811-1812 foi justamente uma reação dos artesãos ingleses contra os empregadores e fabricantes que estavam promovendo o uso de máquinas no trabalho com a lã e o algodão.
Diante da guerra, uma reflexão crítica sobre a tecnologia
A tecnologia provoca então uma atitude ambivalente no homem moderno, que reage contra a brutalidade de seu aparecimento e depois se torna dócil diante dos confortos que ela traz. No início do século XX, a ciência, as máquinas e a tecnologia triunfaram em Paris do alto da novíssima torre de Gustave Eiffel. A eletricidade e o aço maravilhavam os espectadores. Carros e trens aproximaram as pessoas. Entretanto, a Longa Depressão (1873-1896), que foi uma das contrapartidas do progresso, trouxe consigo uma forma de desesperança. Apesar de todas as conquistas, a intuição da decadência era grande. Em 1892, o médico e sociólogo húngaro Max Nordeau falou sobre a degeneração humana. Ele foi seguido por muitos positivistas de sua época(3). O escritor e político Maurice Barrès denunciou a mecanização industrial. A ideia de um homem marcial auxiliado pela técnica atingiu seu apogeu às vésperas da Grande Guerra, mas o morticínio dessa última pôs fim a isso.
Na década de 1920, intelectuais levantaram suas vozes. Lewis Mumford, um historiador americano da tecnologia e da ciência, denunciou os efeitos da padronização fordista em seu país. Ele clamou por um domínio da tecnologia e uma reformulação do sistema capitalista. George Orwell escreveu O caminho para Wigan Pier em 1923, e Aldous Huxley escreveu Admirável Mundo Novo em 1932. Ambos imaginaram o futuro do homem sob o domínio de uma modernidade descontrolada.
Na França, com a crise de 1929, Simone Weil começou a refletir sobre a mudança tecnológica e seu impacto sobre os seres humanos ao começar, em 1934, a escrever A condição operária e outros estudos sobre opressão (1951), com base em sua própria experiência como operária de fábrica. Por meio do uso de máquinas, ela descobriu que o progresso tecnológico dava origem à irracionalidade e à instabilidade: “Você tem, ficando em frente à sua máquina, de matar sua alma durante oito horas por dia, seus pensamentos, seus sentimentos, tudo”.
Com isso, começa a surgir um modo de pensar “tecnocrítico”, que lança um olhar filosófico no relacionamento ambíguo entre o homem e sua nova criatura, fonte ao mesmo tempo de transcendência e alienação. De uma reação dispersa e espontânea, começamos a nos mover em direção a uma reflexão intelectual ordenada.
A crise de 1929 marcou um novo limite para o progresso tecnológico, mas os totalitarismos vermelho e marrom em ascensão o celebraram porque trouxe poder aos novos governos e segurança à população. Até a Frente Popular sustentava esse discurso que anseia por um mundo em que o trabalhador está ávido por se beneficiar pelo progresso técnico das suas novas férias remuneradas.
Uma onda de entusiasmo seguida por uma onda de ceticismo. Essa esperança tecnófila desapareceu momentaneamente durante a Segunda Guerra Mundial. Quase 18 milhões de soldados morreram, três vezes mais do que em 14-18, uma guerra em que as pessoas já estavam em pânico com o controle da tecnologia nos campos de batalha. E isso sem contar os civis, em especial as 200.000 vítimas das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, que desencadearam críticas ainda maiores entre os intelectuais. Ao mesmo tempo, Alan Turing, com seu desenvolvimento do decodificador para a máquina alemã Enigma, estava preparando o que viria a ser o primeiro computador após a guerra.
Anders, Bernanos e Ellul, pensadores isolados em sua época
A guerra deu à luz assim a duas tecnologias, uma destrutiva e a outra um canal para novas informações. Ao mesmo tempo, vários intelectuais começaram a desenvolver uma abordagem cética e sistêmica da tecnologia e de seu progresso.
Em 1956, o filósofo Günther Anders, marido de Hannah Arendt, publicou L'Obsolescence de l'homme (A Obsolescência do Homem), que tratava da onipresença da tecnologia na vida cotidiana, uma mediação inevitável que nos faz perder o contato com a realidade: “Nada nos afasta mais desastrosamente de nós mesmos e do mundo do que passar nossas vidas, agora quase constantemente, na companhia desses seres falsamente íntimos [...] que trazemos para nossa sala de estar com uma mão entorpecida pelo sono [...] para ouvir as transmissões durante as quais [...] eles falam conosco, olham para nós, cantam para nós, nos encorajam, nos consolam e, relaxando-nos ou estimulando-nos, dão-nos a melodia para uma jornada que não será a nossa.” Aqui, ao evocar o rádio, ele também descreve nossa atitude em relação aos nossos smartphones.
Georges Bernanos, em La France contre les robots (1947), traduziu para o francês a angústia causada pelas proezas tecnológicas do outro lado do Atlântico e deu a esse progresso um tom mais moral: “Não estamos testemunhando o fim natural de uma grande civilização humana, mas o nascimento de uma civilização desumana que só pode ser estabelecida por meio de uma vasta, imensa e universal esterilização dos mais altos valores da vida.” No final da Segunda Guerra Mundial, o romancista viu a máquina como a matriz da condição humana, guiando e suplantando o homem a ponto de subverter sua moralidade.
Mas essas palavras eram sempre isoladas. A França estava entrando em nas suas “Trente Glorieuses” [Os Trinta Anos Gloriosos, período de forte crescimento econômico após a Segunda Guerra Mundial]. O economista Jean Fourastié chamou esses anos assim para descrever o advento da prosperidade por meio da mecanização. O trator era um símbolo disso. O trator finalmente facilitou o trabalho dos agricultores e, ao mesmo tempo, os substituiu. Ao contrário da crença comum, o entusiasmo desses trabalhadores foi moderado pelo efeito que essas máquinas tiveram sobre o campo. Elas produziram apenas a aceleração de sua desertificação.
Na década de 1970, diante do sucesso crescente da tecnologia da informação, os intelectuais se afastaram das questões antigas e se voltaram para as tecnociências.
Jacques Ellul, um historiador do direito, deixou seu campo original de pesquisa para adotar uma visão mais sistêmica do impacto da tecnologia em nossas vidas. Em Le Système technicien (1977), ele aponta a inevitabilidade do fenômeno técnico: “O sistema alcançou tal escala que não podemos mais esperar voltar no tempo: tentar des-tecnicizar seria o equivalente aos povos primitivos da floresta incendiando seu ambiente nativo”. Temos que considerar o objeto técnico “na totalidade de suas relações” e de suas interdependências. Jacques Ellul orienta e estrutura o pensamento “tecnocrítico”. Ele agora vê “uma corrente de pensamento capaz de compreender o pensamento técnico e suas inter-relações, o que não existia até agora, e de medir seu impacto e seus riscos, sem cair no pessimismo e sem fazer concessões” (Le Bluff technologique, 1988).
“A revolução contínua do processo”
A partir da década de 1990, a Internet interconectou os computadores de todo o mundo. O conhecimento circulava por e-mail, sites e redes sociais. A “revolução permanente nos processos”(4) se acelerou, despertando a admiração de Michel Serres, que comparou esses eventos tecnológicos à invenção da escrita ou da imprensa. Mas essa revolução vem ocorrendo há mais de dois séculos, desde que James Watt inventou a máquina a vapor em 1769. Ela é incessante e alimenta o pensamento dos tecnocríticos que a englobam num questionamento do progresso e da modernidade.
Desde a Internet, ela tem se caracterizado por uma forte aceleração que faz parte de um capitalismo globalizado cada vez mais desenfreado: os tecnófilos são vistos como “disruptores”, aqueles por meio dos quais uma inovação vem perturbar o mercado e introduzir um novo monopólio. Os danos colaterais parecem superar os benefícios. Discípulo de Hannah Arendt, de Simone Weil, de Günther Anders e de Jacques Ellul, Eric Sadin tem sido o “tecnocrítico” mais prolífico da França desde 2009. Ele escreveu extensivamente sobre o surgimento das redes sociais, a economia digital, os algoritmos, a web precognitiva e a IA generativa.
Hoje, esse tipo de pensamento não tem um campo ao qual pertencer, o que sempre o torna um tanto invisível. Às vezes, ele pertence à esquerda catastrófica, às vezes, à chamada direita reacionária e, às vezes, ilumina o centro quando este se dá conta de certos excessos. Os autores que mencionamos são personalidades originais que não conhecem fronteiras na recepção de ideias. Diante dos excessos cada vez maiores das tecnociências, de seu domínio sobre todas as áreas da vida e de seu papel como mediadores artificiais entre o homem e a natureza, o desejo de uma alternativa está se tornando cada vez mais premente nos campos da ecologia, da bioética e da esfera de tomada de decisões.
Os tecnocriticismos são muitas vezes divergentes quando se trata dos processos técnicos a serem condenados, mas estão unidos por uma denúncia comum do culto prometeico do homem moderno e de sua fé no progresso.
Pierre Mayrant é jornalista e historiador.
© 2024 La Nef. Publicado com permissão. Original em francês: “L’ambivalence de la technique”.
(1) Neologismo usado pelo historiador da tecnologia François Jarrige. Ele é o autor do que provavelmente é o único livro sobre o assunto, Technocritiques, La Découverte, 2014.
(2) “Exposition universelle, 1855”, em Curiosités esthétiques, 1868: disponível em Gallica.bnf.fr.
(3) Veja Emilio Gentile, L'Apocalypse de la modernité, La Grande Guerre et l'homme nouveau, Aubier-Flammarion, 2011.
(4) Termos cunhados pelo pensador Bertrand de Jouvenel e usados em Le Système technicien, de Jacques Ellul.
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