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“Polêmica” é uma palavra que acompanha Marta Suplicy desde seu surgimento no cenário nacional, quando despontou como “sexóloga” e feminista em programas de tevê, ainda no início dos anos 1980. Não causa surpresa, portanto, seu novo movimento político: a saída da prefeitura de São Paulo, onde atuava como secretária de Relações Internacionais da gestão Ricardo Nunes, e o retorno ao PT, para concorrer como vice na chapa do psolista Guilherme Bolous – adversário direto de Nunes no pleito de 2024.
Sem partido desde 2020, quando deixou o Solidariedade, Marta, de 78 anos, já foi prefeita, deputada, senadora e ministra da Cultura e do Turismo. Também tem bom trânsito com setores do empresariado e da elite paulistana. E ainda é citada pelos eleitores por criar o Bilhete Único e os Centros Educacionais Unificados (CEUs). Ou seja: possui experiência e recall, como dizem os publicitários para se referir às marcas que continuam sendo lembradas.
Se ela vai ter êxito no governo Lula 3, são outros quinhentos. Por enquanto, selecionamos a seguir alguns dos episódios mais controversos protagonizados pela mãe do Supla em seus quase 50 anos de vida pública.
AU REVOIR!
São Paulo estava um caos nos dias que antecederam o fim da gestão de Marta Suplicy como prefeita. Castigada pela chuva em novembro de 2004, a cidade tinha vários pontos importantes de tráfego interditados por causa de alagamentos e do surgimento de crateras. E o que ela fez? Arrumou as malas e partiu para Paris, com o marido Luís Favre, num voo de primeira classe.
Foi o seu segundo pedido de licença em poucos meses, pois ela havia acabado de retornar da campanha à reeleição, perdida para José Serra. Sobrou para o vice-prefeito, Hélio Bicudo, administrar os pepinos finais do mandato. Mas, a julgar pelos resultados desfavoráveis das campanhas municipais seguintes, os paulistanos jamais se esqueceram de que Marta simplesmente os abandonou antes de se retirar definitivamente.
“RELAXA E GOZA”
Em meio a uma grave crise área, marcada por atrasos em todos os aeroportos brasileiros, Marta Suplicy deu a seguinte sugestão aos passageiros indignados: “Relaxa e goza, porque depois você esquece todos os transtornos”. O desaforo, dito em 2007, quando ela era ministra do Turismo do governo Lula 2, talvez seja a gafe mais marcante de sua trajetória. Afinal, ninguém esperava que uma feminista pioneira parafraseasse um dito popular de péssimo gosto (“Se o estupro for inevitável, relaxa e goza”).
Logo no dia seguinte, Marta pediu desculpas e afirmou estar “arrasada”. A oposição, evidentemente, adorou. Um ano depois, Paulo Maluf usou e abusou do vídeo com a frase infeliz durante a campanha para a prefeitura de São Paulo. A ponto de ser proibido pela Justiça Eleitoral de veiculá-lo fora do contexto da crise aérea.
“É CASADO?”
No segundo turno das eleições municipais de 2008, Marta Suplicy levou pancada de todos os lados, inclusive de petistas, por fazer insinuações sobre a orientação sexual de seu principal adversário, Gilberto Kassab. Em seu programa de TV, uma voz em off fazia as seguintes perguntas: “Você sabe de onde o Kassab veio?”, Se ele é casado?”, “Se tem filhos?”. Logo ela, que já havia sido atacada no âmbito pessoal inúmeras vezes (principalmente quando se separou de Eduardo Suplicy e, dois anos depois, casou-se com o argentino Luís Favre), estava usando esse tipo de expediente para manchar a imagem de um opositor.
Na época, a candidata alegou que todos tinham o direito de saber aquelas informações. Dois anos depois, no entanto, ela pediu desculpas pela propaganda – e colocou a culpa no marqueteiro (e ex-preso da Lava Jato) João Santana. Os dois até hoje juram de pés juntos que Marta não viu o comercial antes de sua entrada no ar.
MODA, SIM. GAMES, NÃO
Projetos na área de moda podem captar recursos por meio da Lei Rouanet? Para Marta Suplicy, sim. Em 2013, na condição de ministra da Cultura do governo Dilma, ela foi duramente questionada por autorizar os estilistas Alexandre Herchcovitch, Pedro Lourenço e Ronaldo Fraga a buscar empresas patrocinadoras interessadas na renúncia fiscal. Cada um deles pleiteou cerca de R$ 25 milhões para criar suas coleções e apresentá-las em eventos fashion – o que enfureceu a classe artística.
Em contrapartida, Marta comprou uma briga com a comunidade gamer por não incluir os jogos eletrônicos no programa Vale-Cultura, criado para garantir o acesso da população a eventos e produtos culturais. Segundo ela, videogames “não são cultura”, e seria “forçar demais” inseri-los no projeto. Em uma nota de repúdio, a Associação Comercial, Industrial de Cultural de Games (Acigames) afirmou: “O mundo inteiro hoje enxerga os games como uma das mais fortes fontes de renda na economia criativa e de cultura, ultrapassando a indústria do cinema já há dois anos. Essa é uma afirmação de grave preconceito e um desrespeito a todos os trabalhos acadêmicos e científicos na área”.
LULA NO LUGAR DE DILMA
Decidida a impedir a reeleição de Dilma Roussef, Marta Suplicy criou, em 2014, a campanha “Volta, Lula!” – que não fez nenhum barulho. De acordo com ela, o presidente estava incomodado com a falta de capacidade da sucessora e pensou em se candidatar novamente. Mas foi impedido graças a um complô interno criado pelos petistas Rui Falcão e Aloísio Mercadante. “Eles traíram o partido e o projeto do PT, e o partido se acovardou ao recusar um debate sobre quem era melhor para o país, mesmo sabendo das limitações da Dilma. Já no primeiro dia, vimos um ministério cujo critério foi a exclusão de todos que eram próximos do Lula”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo.
Na mesma entrevista, ela admitiu que sonhava em ser candidata, no lugar de Roussef, em 2010. “Pensei que seria eu, a Marina [Silva] ou a Dilma. Mas logo vi aquela história de ‘mãe do PAC’ e entendi que seria a Dilma. Sempre achei que ia acabar ficando meio de fora das coisas, talvez pela origem, talvez por ser loira de olho azul, não sei.”
O BUQUÊ DA TRAIÇÃO
“É de conhecimento público que o Partido dos Trabalhadores tem sido o protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção que a nação brasileira já experimentou, sendo certo que, mesmo após a condenação de altos dirigentes, sobrevieram novos episódios a envolver a sua direção nacional”, disse Marta Suplicy em sua carta de desfiliação, enviada ao PT em abril de 2015. Mas as críticas aos ex-colegas não pararam por aí. Principalmente com relação à Dilma, que ela chegou a chamar de “Judas” em uma entrevista ao apresentador Amaury Jr.
Já instalada no MDB, Marta defendeu com veemência o impeachment da presidente, inclusive afirmando “não sentir dor, nem pena” de votar pelo seu afastamento. E, num ato altamente simbólico, acompanhou a também senadora Ana Amélia na entrega de um buquê de flores à advogada Janaína Pascoal, uma das autoras do pedido de impedimento, em pleno Senado. Para os petistas, foi o ápice de sua traição.
O CASO DA ONG
Segundo uma denúncia do Ministério Público, Marta Suplicy contratou sem licitação, em 2002, a organização não-governamental GTPOS (Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual) para desenvolver projetos sobre planejamento familiar, sexualidade e métodos contraceptivos em dois bairros da periferia de São Paulo. Detalhe: ela foi sócia-fundadora da ONG.
Doze anos depois, um juiz da Fazenda Pública do município a condenou a pagar uma multa e suspendeu seus direitos políticos por três anos. Seus advogados entraram com um recurso e, em 2015, veio a absolvição. Três desembargadores entenderam que a contratação atendida aos requisitos legais para a dispensa licitatória. E, assim, Marta se viu livre para dar o passo seguinte – concorrer novamente, em 2016, à prefeitura da capital paulista, tendo como vice em sua chapa o tucano Andrea Matarazzo (até então um de seus maiores críticos e inimigos políticos na cidade).
“MARTAXA”
Em 2016, seu “calcanhar de Aquiles” durante a campanha à prefeitura de São Paulo foi o significativo aumento de tributos registrados durante sua passagem pelo comando da cidade, entre 2001 e 2004. Seus opositores, especialmente João Dória (futuro vencedor do pleito), insistiam em lembrar que, nos quatro anos de seu mandato, a arrecadação do município com impostos saltou de R$ 4,97 bilhões para R$ 6,16 bilhões (um crescimento de 24%). Tudo isso graças a duas novas taxas, referentes ao lixo e à luz (além de reformulações no IPTU e no INSS). Não à toa, ganhou o apelido de “Martaxa”, ainda popular entre os paulistanos.
No final de 2015, quando anunciou sua pré-candidatura, ela já previa que esse seria seu ponto fraco nos debates. E, em uma entrevista concedida ao jornal Valor Econômico, fez questão de se mostrar arrependida – porém terceirizou, mais uma vez, parte de sua culpa. “Errei com a criação das taxas. Os anos passaram, amadureci e me arrependo. Fui responsável porque era prefeita, mas a ideia foi do Haddad”, afirmou, acusando o subsecretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico de sua gestão e então prefeito buscando a reeleição.
“O PIOR PREFEITO”
Deteriorada durante a campanha municipal de 2016, a relação entre Marta Suplicy e Fernando Haddad hoje é considerada boa. Mas não custa lembrar das críticas pesadas que ela fez ao seu ex-subsecretário (no período entre 2001 e 2003) antes da reconciliação. “Haddad foi o pior prefeito que São Paulo já teve”, “É uma pessoa da academia, não do executivo”, “A gestão dele é excludente e beligerante. Sempre coloca dois lados para brigar: é Uber contra táxi, comércio contra residência, carro contra bicicleta. Não consegue dirimir conflitos” e “Suas ciclovias são apenas ‘ciclotinta’ com um monte de buraco” são apenas algumas de suas declarações nesse sentido.
Haddad, por sua vez, garante que seu afastamento da gestão, um ano antes do final, foi por decisão sua. “Pedi demissão porque ela resolveu gastar mais do que arrecadava, gerando um rombo e deixando um legado de calote que não vou fazer”, disse o atual Ministro da Fazenda, em 2016, à versão brasileira do jornal El País.
SALVA PELA IDADE
Dois executivos da Odebrecht afirmaram, em um acordo de delação premiada, que a empreiteira repassou mais de R$ 1 milhão para Marta Suplicy durante suas campanhas para a prefeitura de São Paulo, em 2008, e ao Senado, em 2010. Segundo eles, os pagamentos foram intermediados pelo terceiro e atual marido de Marta, o empresário Marcio Toledo – hoje presidente da Associação Brasileira de Armazenamento de Energia (Armazene).
De acordo com os delatores, Toledo (apelidado de “Belo Horizonte” no sistema de propinas da empresa) reclamou do baixo valor recebido, porque sua mulher “é uma pessoa importante”. Em 2017, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou uma manifestação ao STF pedindo o arquivamento da citação, pois Marta, bem como outros quatro parlamentares “dedurados”, tinham mais de 70 anos – e, portanto, os eventuais crimes já teriam prescrito.