O que leva uma pessoa a pôr uma bandeira nazista nos ombros e sair por aí gritando “sangue e solo” e “judeus não nos substituirão”? Se você se sentiu tentado a responder “burrice”, saiba que parte da ciência lhe dá – alguma – razão: dois estudos publicados em 2012, no periódico Psychological Science, liderados pelo pesquisador canadense Gordon Hodson, apontaram uma correlação forte entre baixa inteligência na infância e racismo e homofobia na idade adulta.
Em 2014, Hodson e o dinamarquês Kristof Dhont publicaram, no mesmo periódico, uma revisão da literatura disponível sobre o assunto, começando pelo trabalho de Theodor Adorno, nos anos 1950, sobre as características da personalidade fascista. O levantamento conclui que “existe um sólido rastro de estudos empíricos demonstrando que baixas habilidades cognitivas (isto é, capacidade de pensamento abstrato e inteligência verbal, não-verbal e geral) preveem mais preconceito”.
Tanto o trabalho de Hodson em 2012 quanto a avaliação conjunta com Dhont, dois anos depois, apontam uma relação a adesão a uma postura autoritária com baixa inteligência. O artigo de 2012 mediu o autoritarismo a partir de um questionário com perguntas como “a família sofre se mamãe tiver um emprego de tempo integral” e “escolas devem ensinar obediência”.
Mas dizer que baixa capacidade cognitiva predispõe ao autoritarismo e ao preconceito não é o mesmo que dizer que toda e qualquer adesão a esses princípios seja causada por falta de inteligência, nem dá plena conta do fenômeno do extremismo: a adesão ao nazismo do filósofo Martin Heidegger (1889-1976) e a do poeta Ezra Pound (1885-1972) ao fascismo são famosos contraexemplos.
Outros fatores estudados na psicologia social, como pressão do grupo, pressão da autoridade, senso de inadequação social, polarização, etnocentrismo e raciocínio motivado — o uso da inteligência para justificar conclusões preconcebidas — também entram no processo.
Em seu livro “The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion” (algo como “A Mente Justiceira: Por que Boas Pessoas Divergem em Política e Religião”), o psicólogo Jonathan Haidt cita pesquisas que mostram que a mente humana tem dois modos de construir argumentos — o “exploratório”, no qual procuramos descobrir qual a conclusão mais lógica e condizente com as evidências, e o “confirmatório”, no qual buscamos desculpas para sustentar a conclusão que nos parece mais intuitiva, a que tem maior apelo emocional.
“Que chances há de que as pessoas pensarão de modo exploratório, com a mente aberta, quando o interesse próprio, a identidade social e emoções fortes fazem com que queiram, ou precisem, chegar a uma conclusão predefinida?”, pergunta Haidt, destacando que pessoas muito inteligentes são especialmente boas em encontrar ou inventar razões “confirmatórias”.
Testes de QI, aponta ele, permitem prever o nível de qualidade com que alguém defenderá seus pontos de vista, mas não a qualidade dos próprios pontos de vista: “as pessoas investem o QI no apoio à sua visão, em vez de usá-lo para explorar a questão de modo mais amplo e equilibrado”, escreve, citando trabalho pioneiro do psicólogo David Perkins. A política é um campo onde o “pensamento confirmatório” atua de modo especialmente poderoso.
Radicalização
Quando o assunto é política, escreve Haidt em “The Righteous Mind”, “as pessoas se preocupam com seus grupos, sejam eles raciais, regionais, religiosos ou políticos”. Opiniões políticas, diz, têm pouco a ver com interesses particulares dos indivíduos, funcionando mais como “distintivos de pertencimento social”.
Grupos não só estimulam a conformidade de opiniões entre seus membros, como ainda tendem a radicalizar a opinião coletiva. Diversos experimentos mostram que, quando questões que já são mais ou menos consensuais dentro de um grupo voltam a ser discutidas por seus membros, a tendência é que a conversa termine com a adoção de uma posição mais extremada que a inicial.
Embora essa radicalização dos iguais seja uma preocupação renovada nestes tempos de “câmaras de eco” e “bolhas de opinião” online, um dos trabalhos mais citados sobre o fenômeno foi publicado por David Myers, no periódico “Human Relatons”, ainda na década de 70. Myers constatou que a radicalização de um grupo de feministas, medido numa escala de -3 (extremo conservador) a 3 (extremo liberal) saltou de 0,78 a 1,72 após uma sessão de debate.
A tendência de conformar-se à opinião predominante do grupo, por sua vez, existe mesmo na ausência de coação explícita. Num experimento publicado em 1956 por Simon Asch, indivíduos isolados foram postos em situações em que suas avaliações sobre uma questão de fato — o comprimento de linhas retas coladas em cartões – conflitavam com as do restante grupo, que havia sido instruído pelo pesquisador a dar uma resposta unânime, e errada. Esses indivíduos se viram no papel de “minorias de um”, contra o consenso geral. Um terço deles acabou mudando de ideia, negando a evidência dos próprios olhos, para se conformar ao grupo. Em entrevistas posteriores, muitos revelaram desconforto:
“ A contradição frequentemente produziu preocupação, dúvida e tentação de juntar-se à maioria”, escreveu Asch. “Os sujeitos expressaram medo de chamar atenção, da exposição pública de defeitos pessoais, e da desaprovação do grupo; sentiram solidão em sua situação”.
Discriminação e ódio
Existe uma volumosa literatura científica mostrando que, assim que pessoas se veem divididas em grupos — e não importa o quanto a divisão seja arbitrária ou temporária, como a formação de times de crianças para uma aula de educação física — chauvinismo, a tendência de olhar de modo mais benevolente para quem está “no grupo” e mais crítico para quem está “de fora”, se instala.
O chauvinismo parece ser universal: num livro, hoje clássico, publicado em 1976 sobre etnocentrismo na África, os psicólogos Marilynn Brewer e Donald Campbell analisaram 30 tribos de Uganda, Quênia e Tanzânia, entrevistando seus membros sobre as atitudes em relação aos companheiros de tribo e às pessoas de outras comunidades, num total de 1,5 mil pessoas. Os pesquisadores determinaram que os membros de cada tribo consideram seus colegas de etnia mais honrados, leais e dignos de confiança — “pacíficos”, “honestos”, “amigáveis” — que os membros de outras tribos, que foram mais frequentemente classificados como “cruéis”, “pouco confiáveis” ou “briguentos”.
Num capítulo do livro publicado posteriormente em 2001, Brewer aponta que, embora o favoritismo para com quem é “do grupo” esteja bem estabelecido e pareça ser uma característica universal das sociedades humanas, a noção de que as relações com quem é de fora, ou pertence a “outro grupo”, serão necessariamente hostis não tem validade.
“Podemos distinguir entre discriminação baseada apenas em favoritismo para com os de dentro, e discriminação e preconceito que implicam um componente ativo de desprezo e agressão para com grupos externos ”, escreve.
Ela aponta que, em condições normais, parece haver barreiras de respeito e decência que restringem o dano que se pode causar deliberadamente a grupos externos, mesmo que em benefício do grupo interno. Ódio, no entanto, derruba essas barreiras.
Brewer sugere uma série de passos que pode levar do mero favoritismo ao ódio. Entre eles, a adoção de estereótipos e o desenvolvimento de um senso de superioridade moral, gerados por medo de exclusão — indivíduos que se sentem desajustados em seu grupo interno podem tentar reforçar o próprio senso de identidade apontando e sublinhando contrastes negativos com grupos externos. “Prevê-se que ameaças à inclusão ampliem a sensação de superioridade moral, intolerância à diferença e emoções concomitantes de desprezo e asco em relação aos grupos externos relevantes”, escreve ela.
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Gente comum e a banalidade do mal
Se baixa inteligência estimula o preconceito e desajuste social incentiva o ódio, isso significa que gente comum, pessoas inteligentes e bem ajustadas, estão imune à tentação nazifascista? Durante os julgamentos de Nuremberg, entre 1945 e 1946, quando os sobreviventes da cúpula nazista da Alemanha foram julgados por crimes de guerra e contra a humanidade, dois americanos – o psicólogo Gustave Gilbert e o psiquiatra Douglas Kelley – viram-se encarregados de traçar o perfil psicológico de réus como Hermann Goering, Rudolf Hess, Albert Speer e Joachim von Ribbentrop.
Tanto Gilbert quanto Kelley declararam os acusados mentalmente sãos o suficiente para encarar o tribunal, mas enquanto Gilbert concluiu que eles deveriam ser considerados psicopatas, Kelley disse que, embora houvesse alguns desvios de personalidade, um sistema ideológico como o nazismo deveria ser visto como “uma doença sociocultural” que poderia se manifestar em qualquer lugar, e não como um produto da aberração mental de um grupo de líderes.
Em 1961, o psicólogo Stanley Milgram, da Universidade Yale e discípulo de Simon Asch, iniciou uma série de experimentos para determinar se pessoas comuns, sob a influência de uma figura tênue de autoridade— um cientista de jaleco – poderiam ser levadas a cometer atrocidades. Escrevendo sobre o assunto no livro “Obedience to Authority” (“Obediência à Autoridade”), publicado originalmente em 1974, Milgram conclui que o conceito de “banalidade do mal”, formulado pela filósofa Hannah Arendt, “chega mais perto da verdade do que ousaríamos imaginar”.
O chamado “Experimento de Eletrochoque de Milgram” já foi descrito inúmeras vezes: voluntários apresentam-se para o que, supostamente, seria um estudo a respeito do papel da punição no aprendizado. Acompanhados por um pesquisador, esses voluntários são instruídos a disparar choques elétricos que “castigarão” um outro participante do estudo – na verdade, um ator – cada vez que ele der uma resposta errada a um teste de memória.
Os controles diante do voluntário mostram que os choques podem chegar a mais de 400 volts. A partir de uma determinada voltagem, o ator – que, na verdade, nada sofre – começa a gritar, como se em agonia, e a implorar para ir embora. O pesquisador, no entanto, exorta o voluntário a ignorar os protestos e seguir aplicando choques, supostamente, cada vez mais intensos. Do total de voluntários no experimento original, 65% seguiram obedecendo ao pesquisador e chegaram à punição máxima: 450 volts.
“Pessoas comuns, apenas realizando seu trabalho, e sem nenhuma hostilidade particular, podem se tornar agentes de um terrível processo de destruição”, escreveu Milgram em seu livro. “Poucas pessoas têm os recursos necessários para resistir à autoridade. Uma série de inibições contra a desobediência entra em cena, e mantém a pessoa em seu lugar”.
Embora essa interpretação ortodoxa do experimento – que ele demonstraria que a deferência à autoridade supera os escrúpulos morais na maioria das pessoas – tenha sido alvo de críticas em tempos recentes, o resultado em si, de que a maioria dos voluntários, pessoas normais e honestas, segue aplicando os choques muito além do que seria razoável, já foi reproduzido inúmeras vezes nas décadas desde o teste original.
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— Ideias (@ideias_gp) 4 de junho de 2017
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