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O que a falta de mostarda Dijon na França diz sobre nosso tempo

Pode haver algo mais francês que mostarda Dijon? Mas a matéria-prima, para a surpresa de todos, é importada do Canadá e da Ucrânia
Pode haver algo mais francês que mostarda Dijon? Mas a matéria-prima, para a surpresa de todos, é importada do Canadá e da Ucrânia (Foto: Pixabay)

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A pandemia de Covid-19 expôs algo que deveríamos ter percebido há muito tempo, isto é, que um sistema econômico baseado em cadeias de produção longas é extremamente frágil. Esse argumento ganha força com a guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Entre as muitas consequências menores da guerra está a escassez de mostarda na França. A mostarda praticamente desapareceu das gôndolas dos mercados, e antes disso os preços aumentaram drasticamente. Isso surpreendeu todos que supunham que a mostarda Dijon vinha mesmo de Dijon. Por que uma guerra travada na Ucrânia causou o desaparecimento da mostarda na França? Afinal, as marcas famosas, conhecidas de todos, anunciam com orgulho em seus rótulos que são mostarda Dijon. Pode haver algo mais francês do que a mostarda Dijon?

Talvez a mostarda seja preparada mesmo em Dijon, mas a matéria-prima, para a surpresa de todos, é importada do Canadá e da Ucrânia. Aparentemente o Canadá teve uma safra péssima de mostarda, enquanto a situação na Ucrânia dispensa maiores explicações. Em termos de identificação com o lugar, a mostarda está para Dijon assim como um time de futebol moderno está para a cidade que abriga seu estádio.

O impressionante sobre essa crise da mostarda, um detalhe irrelevante exceto para os que estão tentando preparar um coelho à la moutarde de verdade, é a revelação de um aspecto perene da psicologia social: a busca por uma teoria da conspiração. Porque há quem diga que não falta mostarda coisa nenhuma, que a mostarda desapareceu das gôndolas dos mercados porque as redes de varejo estão fazendo estoque, que essas redes têm mostarda de sobra nos armazéns e que pretendem oferecer o produto aos poucos, lucrando mais com os preços altos. A guerra na Ucrânia seria só um pretexto.

Trata-se de um antigo truque medieval aplicado aos tempos de escassez. Pode ter haviado ocasiões em que as pessoas realmente estocaram um produto a fim de obter lucro, claro, mas as pessoas raramente estocam algo que existe em abundância.

Ainda assim, muitas pessoas dispensam provas para acreditarem na história da estocagem de mostarda. Afinal, quem disse que ela não tem lógica? Por acaso os comerciantes não tentam sempre ter mais lucro? Estocar um produto não é uma maneira fácil de conseguir isso? Na França, praticamente toda mostarda é vendida em supermercados — um cartel que poderia facilmente combinar a retirada do produto das prateleiras. Não são necessárias mais provas disso.

O mero rumor de que os comerciantes estão estocando mostarda faz com que o consumidor estoque o produto. Se a mostarda voltar às prateleiras amanhã em quantidades normais, ela desaparecerá rapidamente por causa de pessoas que estão comprando bem mais do que precisam. Somente depois de várias reposições é que a acumulação doméstica de mostarda deixará de acontecer.

Os rumores rapidamente se espalham por uma população supostamente racional em suas escolhas. Na verdade, faltam outros produtos das gôndolas dos mercados. Recentemente, circulou a história de que começaria a faltar manteiga, embora seja ainda mais difícil estabelecer uma relação entre a escassez de manteiga e a guerra na Ucrânia. A não ser, claro, que acabemos po descobrir que as uvas de Burgundy na verdade vêm de Donbass.

Theodore Dalrymple é colaborador do City Journal, membro do Manhattan Institute e escritor de vários livros.

©2022 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês

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