A carnificina americana continua. A expectativa de vida nos Estados Unidos tem caído nos últimos três anos – o que não acontece por um período tão longo de tempo desde a Primeira Guerra Mundial – e chegou a 78,6 anos em 2017. A taxa de mortalidade ajustada por idade, que leva em conta o envelhecimento da população, aumentou de 728,8 em 2016 para 731,9 em 2017.
Isso significa mais do que apenas um ou dois meses de vida tirados de uma expectativa de vida de quase oito décadas. Isso mostra o vazio que existe no âmago da vida americana para muitos indivíduos e a necessidade de uma prescrição política e cultural que coloque significado e pertencimento de volta em primeiro plano.
Por causa da maneira pela qual a expectativa de vida é calculada, as mudanças na mortalidade em idades mais precoces têm um impacto maior na variação do número final. Grande parte do declínio é impulsionado por um aumento nas mortes entre pessoas de 25 a 44 anos, especialmente por conta da epidemia de opiáceos. E a taxa geral de mortes por overdose de drogas subiu 9,6% entre 2016 e 2017. Ao todo, 70.237 mortes foram devidas a overdose de drogas nos EUA no ano passado.
Há até sugestões de que essa "carnificina" não esteja limitada às fronteiras americanas. Uma pesquisa publicada recentemente na revista The Lancet sugere que o Reino Unido pode estar experimentando algo semelhante: expectativas de vida podem ter atingido um ponto de estabilidade, sem apresentar nenhum aumento – cenário que pode ser pior em alguns segmentos da sociedade.
Acadêmicos na Grã-Bretanha descobriram que as comunidades na metade inferior do “Índice de Privação” do país (uma medida oficial baseada em um índice de comunidade e bem-estar individual) viram os aumentos na expectativa de vida praticamente estagnarem desde 2011. Entre os dois décimos piores, a expectativa de vida das mulheres diminuiu em 0,25 anos. Os moradores dessas comunidades são mais propensos a morrer de câncer de fígado e pulmão, diabetes e suicídio do que moradores de outros lugares.
Sintoma ou causa?
Em todo o Reino Unido, as mortes causadas pela droga fentanil aumentaram em quase 30% no ano passado, e as mortes por cocaína aumentaram para níveis recordes (embora a escala de mortes por drogas não seja nem próxima do que acontece nos EUA). Partes do norte da Inglaterra prescrevem quatro vezes mais analgésicos do que em Londres, fazendo com que o número de prescrições de opioides aumentasse em 10 milhões entre 2007 e 2017.
Tanto no Reino Unido como nos EUA, a pergunta incontestável é até que ponto os opioides são uma mudança tecnológica que permite aos desligados e desesperados uma maneira mais eficiente de desaparecer dos problemas do dia a dia, e até que ponto eles revelam uma mudança mais fundamental em nosso tecido social. Dito de outra forma – a crise dos opiáceos é um sintoma ou uma das causas do nosso “miserável século XXI”?
Talvez controles mais rígidos sobre fábricas de pílulas e atividade de gangues possam deter os danos já causados. Mas um pessimista poderia argumentar que mesmo se o OxyContin nunca tivesse sido desenvolvido, “mortes de desespero” poderiam não ser substancialmente mais baixas, pois pessoas alienadas da família, da comunidade e do trabalho encontrariam maneiras menos drásticas, mas dificilmente menos venosas, de se acalmar. A sensação de vazio que muitos americanos sentem ainda seria uma ferida aberta, mesmo sem o remédio.
Como apontou a equipe do Projeto de Capital Social do Senador Mike Lee, 68% das vítimas de overdose de opiáceos não têm mais do que um diploma do ensino médio, 71% não estão em um relacionamento estável e têm entre 25 e 39 anos de idade. Nos últimos dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, a taxa de suicídio nos estados mais rurais é quase o dobro da taxa dos mais urbanos. Embora todos corram alguns riscos em uma epidemia tão ampla, não é difícil ver que a população com maior risco de abuso de opiáceos está desligada e desconectada da prosperidade e das redes sociais de pertencimento e confiança mútua.
A medida ideal
Mesmo depois da Casa Branca ter feito uma declaração (atrasada) sobre a emergência da situação para a saúde pública, em outubro de 2017, a crise dos opiáceos continua sendo uma realidade inconveniente da vida diária nos Estados Unidos fora das regiões urbanas. É uma história desconfortável, com inúmeras vítimas e quase tantos culpados- uma indústria próxima dos legisladores, dispostos a fechar os olhos para abusos em busca de uma participação de mercado maior, uma classe médica disposta a colocar tendências lucrativas sobre evidências, uma classe política muito isolada dos problemas das cidades pequenas para perceber os primeiros sinais de alerta e, bem, todos nós como organização política.
Entre um partido que nunca viu um problema social que um novo programa do governo não pudesse resolver e outro que poderia ter dado atenção aos avisos para fazer do tema uma parte substancial de sua agenda governamental, mas escolheu não fazer isso, nossa política parece não querer se ajustar para lidar com este auto-envenenamento em larga escala. Poderíamos ter forçado uma parte ou outra a preocupar-se mais com os problemas subjacentes à raiz da epidemia? Nós chegamos a tentar?
O debate contínuo da direita sobre o novo livro de Oren Cass sobre a situação do trabalho no país é uma ilustração dessa tensão. Um grupo de conservadores bem-intencionados acredita que tirar os olhos da esfera do crescimento econômico levará a uma estagnação cada vez maior, enquanto outros (como Cass) acreditam que precisamos criar uma economia em que mais indivíduos tenham a chance de serem produtivos, mesmo que isso aconteça ao custo de algum crescimento do PIB.
Será que o financiamento mais intenso de programas de treinamento de trabalhadores é o caminho para lidarmos com o tipo de angústia existencial evidenciada pela entrada no abuso de opioides? Deveríamos esperar que o crescimento da oferta de trabalho induzido da Lei de Cortes e Empregos neutralize o vazio recebido por uma garrafa ou pílula de comprimidos? Fazer lições de moral sobre a sociedade cívica é suficiente para reconstruir um tecido social desgastado que deixa muitos isolados e sozinhos?
Nossa opinião
Sozinha, nenhuma dessas medidas é o suficiente, mas a conversa que Cass e outros iniciaram parece ser um passo para responder o desafio. Ampliar nossa lente para além do crescimento econômico para encorajar o cuidado com a família, o voluntariado ou outras atividades não-remuneradas, mas socialmente benéficas, cria espaço para que as pessoas se tornarem úteis no cotidiano, o que pode servir como o antídoto para o suicídio anômico.
O pior cenário se parece com a devastação humana vista na Rússia na metade da década de 1990, e ainda não chegamos lá. Mas esta crise continuará a piorar, de acordo com o clichê, até que melhore. Sim, precisamos estancar o sangramento imediato, mas precisamos nos concentrar em salvar o paciente no longo prazo.
Fazer isso requer mais criatividade e menos determinismo econômico, mais disposição para questionar ortodoxias e menos atenção às controvérsias do Twitter, defendendo uma política que coloca a criação de espaço para pequenas esferas de significado na frente de qualquer agenda social.
Patrick T. Brown é pós-graduando na Escola Woodrow Wilson da Universidade de Princeton.
©2018 National Revew. Publicado com permissão. Original em inglês.