É inevitável: em algum momento, a tragédia de Brumadinho vai perder espaço no noticiário. Mas, para as vítimas que sobreviveram, e os familiares das que morreram, o acontecimento nunca mais será esquecido. O que acontece com elas na medida que o tempo passa? Recebem indenizações? E os responsáveis, são identificados e punidos?
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Acompanhe a situação de cinco diferentes acidentes e tragédias acontecidos nos últimos 35 anos. Na maior parte delas, as vítimas não receberam o suporte devido, e os culpados receberam pouca – ou nenhuma – punição. Esse histórico indica que as perspectivas, para as vítimas de Brumadinho, são pouco animadoras.
1. Vazamento de césio-137
Quando: 13/09/1987
Onde: Goiânia (GO)
Mortos: 108
Vítimas: 1.600
O que aconteceu: O maior acidente radioativo do Brasil, e também o maior do mundo ocorrido fora de usinas nucleares, aconteceu quando um aparelho de radioterapia foi encontrado por catadores de ferro velho dentro de uma clínica abandonada. O equipamento, que continha uma cápsula com 19,26 g de cloreto de césio-137, acabou sendo desmontado e revendido, o que deixou um rastro de contaminação. O dono do ferro velho onde a cápsula foi aberta, Devair Ferreira, ficou encantado com o sal que emitia um brilho azul e o distribuiu para familiares e amigos – uma sobrinha dele, Leide das Neves, chegou a temperar um ovo cozido com césio-137. Além de quatro mortes imediatas, outras 104 pessoas morreram em decorrência do incidente.
Responsáveis: Em 1996, nove anos depois do episódio, foram condenados a três anos e dois meses de pena em regime aberto os médicos Orlando Teixeira, Criseide de Castro e Carlos Bezerrilos, que atuavam na clínica, além do físico Flamarion Goulart, que prestava assistência ao equipamento. O dono do edifício onde o aparelho ficou abandonado, o também médico Amaurilo Monteiro de Oliveira, foi condenado a um ano e dois meses de prisão. Todas as penas foram posteriormente substituídas por trabalho comunitário. As pessoas que tiveram contato com o césio-137 continuam sendo monitoradas.
2. Incêndio na Vila Socó
Quando: 24-25/02/1984
Onde: Cubatão (SP)
Mortos: 93
Vítimas: 3.000
O que aconteceu: Um duto da Petrobras, que passava debaixo da favela de Vila Socó, sofreu um vazamento, provavelmente decorrente de erro humano. Mais de 700 mil litros de gasolina vazaram e um incêndio teve início – começou por volta da meia noite e só foi apagado quando já era dia. É possível que o número de mortos seja muito maior, na casa das 500 vítimas.
Responsáveis: Nenhum nome foi apontado e nenhum processo, aberto. A Petrobras apenas bancou a reconstrução dos barracos atingidos.
3. O naufrágio do Bateau Mouche IV
Quando: 31/12/1988
Onde: Rio de Janeiro (RJ)
Mortos: 55
Vítimas: 87
O que aconteceu: A dez minutos do réveillon, a embarcação de luxo virou nos arredores da ilha de Cotunduba, quando se posicionava para que os passageiros acompanhassem, do mar, o show de fogos da praia de Copacabana. O naufrágio foi resultado de uma combinação de erros. O barco partiu com muito mais pessoas do que as 62 que comportava (e sem uma lista oficial de passageiros), tinha furos no casco e uma reforma havia substituído piso de madeira por piso de cimento, o que alterou o centro de gravidade.
Responsáveis: Foram indiciados os donos do barco, a agência de viagens Itatiaia (que abriu falência) e a União, por negligência. Três dos nove sócios da empresa dona da embarcação, os espanhóis Avelino Riqueiras e Faustino Puertas e o português Álvaro Costa, foram julgados por homicídio culposo, sonegação fiscal e formação de quadrilha. Condenados a quatro anos de prisão em regime semiaberto, fugiram para a Europa em 1994. Com os responsáveis pela embarcação foragidos, os processos andam muito devagar e até agora apenas uma família conseguiu receber indenização.
4. Incêndio na boate Kiss
Quando: 27/01/2013
Onde: Santa Maria (RS)
Mortos: 242
Vítimas: 680
O que aconteceu: A banda Gurizada Fandangueira se apresentava durante uma festa organizada em conjunto por seis cursos da Universidade Federal de Santa Maria quando o vocalista disparou um sinalizador que incendiou a espuma de isolamento acústico. A fumaça tomou conta do local em apenas três minutos, e os seguranças, a princípio, impediram a saída das pessoas, imaginando que elas queriam ir embora sem pagar. Na época, o alvará dos Bombeiros estava vencido.
Responsáveis: Das 28 pessoas inicialmente responsabilizadas pela Polícia Civil, 16 foram indiciadas e metade foi alvo de denúncia do Ministério Público. Respondem por homicídio doloso quatro proprietários da boate, Elisandro Spohr, Mauro Hoffmann, Marcelo Santos e Luciano Bonilha.
Eles aguardam em liberdade o julgamento ser agendado. A promotoria recomendou o arquivamento de um inquérito que apurava a responsabilidade de três secretários municipais. Ninguém foi preso e nenhuma vítima foi indenizada até agora – ao contrário, sob a alegação de que foram caluniados, promotores do Ministério Público processam membros da associação de familiares das vítimas.
5. Rompimento da barragem em Mariana
Quando: 05/11/2015
Onde: Bento Rodrigues (MG) e Mariana (MG)
Mortos: 19
Vítimas: 3.000
O que aconteceu: Uma barragem que retinha 43,7 milhões de metros cúbicos de lama contaminada rompeu e os resíduos contaminaram a bacia do Rio Doce, cujas águas abastecem 230 municípios. Foi a maior tragédia ambiental da história do país, com danos que vão demorar mais de um século para desaparecer.
Responsáveis: Ao todo, 22 pessoas e quatro empresas são acusadas pelo Ministério Público Federal de homicídio com dolo eventual. Em outubro, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região atenuou a acusação contra um dos executivos da Samarco, André Ferreira Cardoso. Assim, ele deixou de correr o risco de pegar pena de 12 a 30 anos de prisão e passou a responder por inundação com morte como resultado, cuja pena máxima é de 8 anos. No mesmo dia, o TRF extinguiu a ação contra um dos acusados, José Carlos Martins. O Ministério Público já fechou um acordo de indenização para cerca de 3 mil famílias. Mas, no final de dezembro, no meio do recesso do Judiciário, foram modificados por ordem judicial aproximadamente 1500 acordos realizados entre a Fundação Renova e os pescadores atingidos. Com a sentença, a Samarco conseguiu reduzir o valor total de indenizações a pagar.
“Falta transparência na prestação de informações desde o acontecimento da tragédia até agora”, afirmou, nesta segunda-feira, em coletiva de imprensa, a promotora Andressa Lanchotti, do Ministério Público de Minas Gerais. “A população que sofreu com a tragédia não recebe o atendimento adequado, nem informações confiáveis”.