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"Felicidade Não É a Cura", o psiquiatra Anders Hansen apresenta as origens de nossos principais sentimentos e os transtornos mentais mais comuns nos dias de hoje.
“Felicidade Não É a Cura”, o psiquiatra Anders Hansen apresenta as origens de nossos principais sentimentos e os transtornos mentais mais comuns nos dias de hoje.| Foto: Freepik

Em Felicidade Não É a Cura: Uma Perspectiva Científica Acerca da Nossa Busca por Ser Feliz’, o psiquiatra sueco Anders Hansen trata de uma das mais intrigantes contradições contemporâneas.

“Embora a espécie humana nunca antes tenha experimentado tanta qualidade de vida, estamos em meio a uma crise de saúde mental“, afirma Hansen, famoso na Europa por apresentar um programa de TV sobre as peculariedades do cérebro humano.

Lançada no Brasil pela editora Intrínseca, a obra traz um apanhado sobre a origem e o propósito de nossos principais sentimentos. Também investiga os transtornos mentais mais comuns nos dias de hoje.

No recorte abaixo, o autor discute a tão propalada “epidemia da solidão“ — e aponta um caminho para que ela seja minimizada.

De vez em quando ouvimos que estamos à beira de uma epidemia da solidão. Sob uma perspectiva histórica mais abrangente, há motivos para acreditar que isso seja verdade.

Há um amplo consenso entre os historiadores de que, durante quase toda a história da humanidade, vivemos em pequenos grupos de algumas dezenas de indivíduos — algumas centenas, no máximo — que teriam tido contato próximo uns com os outros e se encontrado diariamente.

Um padrão persistente entre os caçadores-coletores contemporâneos é que eles dedicam de quatro a cinco horas por dia para caçar e coletar — em suma, eles não têm regimes de quarenta horas de trabalho semanais.

Passam o restante do tempo em que estão acordados uns com os outros. Se a vida dessas pessoas é representativa de como nossos ancestrais viveram, não há dúvida de que nossos ancestrais passaram menos tempo trabalhando, tinham vínculos sociais mais próximos e se encontravam com amigos e parentes consideravelmente mais vezes do que nós.

Então, sim, a longo prazo — após séculos e milênios — provavelmente nos tornamos mais solitários, mas se isso é verdade ao longo de décadas ainda é uma questão em aberto.

Alguns estudos sugerem que este é o caso — por exemplo, o número de americanos que responderam “zero” quando lhes perguntam com quantos amigos muito próximos eles poderiam contar se algo acontecesse cresceu nas últimas décadas.

E dados compilados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelaram que a solidão entre adolescentes aumentou em todos os países dessa entidade entre 2003 e 2015.

Mas também há estudos que mostram que não nos sentimos nem mais nem menos solitários hoje em dia. Além disso, é difícil fazer uma comparação pra valer entre diferentes gerações na medida em que nossas percepções de solidão mudam.

Solidão é ficar duas horas ou dois dias sem se comunicar com ninguém?

Não há resposta “correta” aqui, mas, onde quer que essa linha seja traçada, afetará o número de pessoas que se consideram solitárias — o que torna difícil, se não quase impossível, comparar a solidão observada em quem tem 20 e poucos hoje com quem estava nessa faixa etária nos anos 1960 ou 1990.

Embora haja um número muito maior de pessoas morando sozinhas hoje do que há 20 anos — uma das maiores mudanças sociais nas últimas décadas é a quantidade de pessoas que vivem sozinhas —, isso não significa que estamos mais solitários.

Estar sozinho, como dissemos antes, não significa automaticamente estar solitário. Em outras palavras, analisando sob a perspectiva de algumas décadas, não podemos dizer com certeza se estamos enfrentando uma epidemia da solidão

Deveríamos, então, deixar de nos preocupar com a questão? Eu sou um dos que consideram que deveríamos nos importar.

Mesmo que ainda estejamos começando a entender como a solidão nos afeta, sabemos que ela pode causar sofrimento psíquico e uma série de doenças. E, mesmo que não seja possível afi rmar com certeza que a solidão esteja aumentando, é claro que este ainda pode ser um problema.

Se quisermos evitar a depressão e a ansiedade, seria sensato cogitar a solidão como um importante fator de risco, da mesma forma que consideramos a falta de atividade física, os distúrbios do sono, o estresse e o álcool.

Como médico e psiquiatra, sempre me chamou a atenção o fato de que muitos dos que buscam ajuda porque se sentem indispostos — tanto física quanto mentalmente —, na verdade, estão assim porque se sentem solitários.

Eles precisam de alguém para conversar, para ouvi-los, de modo que se sintam menos isolados, e aparentemente não sabem que a solidão pode ser o problema. Isso não é tão estranho assim.

Como o cérebro trabalha para encontrar explicações para nossos estados emocionais, muitas vezes suspeito que uma dor nas costas ou no joelho pode ser a maneira dele de concretizar a dor emocional que vem da solidão. A melhor forma de tratar tal dor pode ser enfrentar a solidão.

Então, para resumir, fomos feitos para nos conectarmos, e nossas profundas necessidades sociais se devem ao fato de que a conexão humana sempre foi, e ainda é, interpretada pelo cérebro como fator de sobrevivência.

Após ler este capítulo, cabe a você, é lógico, decidir se vai ligar para seus pais ou avós com mais frequência, adotar o hábito de visitar regularmente alguém que está sozinho ou diminuir um pouco o tempo de um encontro virtual em favor de um encontro na vida real.

Com esforços um tanto modestos, nós, como indivíduos e como sociedade, provavelmente poderíamos fazer uma grande diferença para acabar com a solidão de muitas pessoas.

Se todos fizessem um esforço para tentar ajudar pelo menos uma pessoa solitária, isso não afetaria apenas o bem-estar subjetivo dela ou reduziria seu risco de depressão, mas também reduziria o risco à saúde e melhoraria seu prognóstico em uma série de doenças graves.

O fato é que isso proporcionaria uma vida mais longa a mais pessoas.

Conteúdo editado por:Omar Godoy
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