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A maioria das pessoas diria que a riqueza de um homem é o quanto ele vale em dinheiro ou o que possui, mas isso não faz sentido para a economia
A maioria das pessoas diria que a riqueza de um homem é o quanto ele vale em dinheiro ou o que possui, mas isso não faz sentido para a economia| Foto: Pixabay

A definição econômica de riqueza é sutil e difícil de ser percebida, mas é absolutamente essencial para o nosso ensaio que a entendamos de maneira clara logo no início, e que a tenhamos em mente de maneira firme. É devido a certa confusão nesta definição original de riqueza que praticamente todos os erros em Economia são cometidos. Primeiro, devemos ser claros a respeito daquilo que a riqueza não é.

A riqueza nunca é corretamente definida, para os propósitos do estudo econômico, por nenhuma das respostas que uma pessoa daria de pronto. Por exemplo, a maioria das pessoas diria que a riqueza de um homem é o quanto ele vale em dinheiro. Mas isso, é claro, não faz sentido; uma vez que, ainda que nenhum dinheiro tivesse sido usado, suas propriedades ainda existiriam, e se ele tivesse uma casa, gado e cavalos, o simples fato de o dinheiro não estar sendo utilizado no lugar onde vive não o faria de nenhuma maneira mais pobre.

Uma resposta melhor, mas ainda errônea, é: “Riqueza é o que um homem possui”.

Tomemos como exemplo o caso de um determinado fazendeiro; sua casa, animais, seus móveis e melhorias são o que nós chamamos de sua “riqueza”. Em uma conversa corriqueira, essa resposta seria considerada satisfatória. Mas não serviria para a ciência rigorosa da economia, uma vez que não seria precisa.

Vamos considerar um caso em particular. Parte da riqueza deste homem é, digamos, um determinado cavalo cinza. Mas se considerarmos de perto aquela definição e a tomarmos como rigorosamente precisa, chegaremos à conclusão de que não é o cavalo em si mesmo que constitui a sua riqueza, mas algo inerente ao cavalo, alguma qualidade ou circunstância que afeta o cavalo e dá a ele o que é chamado de seu valor. É o valor que constitui a riqueza, não o cavalo. Para vermos o quão verdadeiro isso é, considere como o valor se altera enquanto o cavalo permanece o mesmo.

Em algum dia desses, qualquer vizinho teria dado ao proprietário do cavalo de 20 a 25 sacas de trigo por ele, ou, digamos, 10 ovelhas, ou 50 carregamentos de madeira cortada. Mas suponha que sobrevenha uma grande mortalidade entre os cavalos, de modo tal que pouquíssimos restem. Existe um desejo ardente de se adquirir aqueles que sobreviveram, para que o trabalho seja feito nas fazendas. Então, os vizinhos estarão dispostos a dar ao proprietário do cavalo muito mais que 20 ou 25 sacas de trigo por ele. Eles poderão oferecer algo como 50 sacas, ou 20 ovelhas, ou 100 carregamentos de madeira. E, no entanto, o cavalo é exatamente o mesmo cavalo que era antes. A riqueza de seu proprietário aumentou. Seu cavalo, como dizemos, está "valendo mais”. E é esse valor, ou seja, sua capacidade de obter outra riqueza em troca, o que constitui a verdadeira riqueza econômica. 

Já havia dito que a ideia é muito difícil de compreender, e que encontraremos a parte mais difícil deste estudo aqui, no início. Não há nenhum outro modo de torná-la mais simples. Não temos escolha, senão a de dominarmos a ideia e familiarizar-nos com ela, tão difícil quanto seja. A riqueza não reside nos objetos que possuímos, mas nos valores econômicos atrelados a estes objetos. 

Falamos da riqueza de um homem ou de uma nação, ou da riqueza do mundo inteiro, e pensamos a princípio, é claro, em uma série de coisas materiais: casas e navios, quadros e móveis, comida e todo o resto. Mas a riqueza econômica, que é o nosso objeto de estudo, não se identifica com essas coisas. A riqueza é a soma total dos valores atrelados a essas coisas.

Esse é o primeiro ponto, e é o mais importante.

Aqui está o segundo: A riqueza, para os propósitos do estudo econômico, está limitada àqueles valores atrelados a objetos materiais através da ação humana, cujos valores podem ser trocados por outros valores, ou seja, são intercambiáveis.

Explicarei o que essa sentença significa.

Considere um país montanhoso onde há muito pouca gente e muita água por toda a parte. Aquela água não forma parte da riqueza econômica de nenhuma das pessoas morando lá. Todos se beneficiam da água, mas ninguém faz dela riqueza. A água que possuem é absolutamente necessária à vida, mas ninguém dará nada por ela, uma vez que todos podem obtê-la por si mesmos. Ela não tem nenhum valor de troca. Mas em uma cidade onde a água tem de ser trazida à custa de grande esforço, e onde a quantidade é limitada, ela adquire um valor de troca, ou seja, as pessoas não conseguem obtê-la sem oferecer algo por isso. Esse é o porquê de dizermos que, em uma cidade moderna, a água faz parte da riqueza econômica, ao passo que no campo ela normalmente não o faz.

Devemos notar cuidadosamente que a riqueza definida nesses termos não é a mesma coisa que bem-estar. A confusão entre essas duas coisas distintas – bem-estar e riqueza econômica – deu ocasião à metade dos erros na ciência econômica. As pessoas confundem a palavra “riqueza” com a ideia de bem-estar. Dizem “é claro que um homem se beneficia mais com água em abundância do que com pouca, e, portanto, as condições nas quais consegue água abundante sem custos são aquelas em que tem mais riqueza do que aquelas em que tem de pagar por ela. Ele tem mais riqueza quando consegue água de graça do que quando tem de pagar por ela”.

Não é assim que acontece. A riqueza econômica é algo diverso do bem-estar. Ela pode muito bem estar aumentando enquanto o bem-estar do povo esteja diminuindo. Pode aumentar, enquanto o bem-estar das pessoas em geral está estagnado.

A Ciência da Economia não lida com a verdadeira felicidade e nem com o bem-estar oriundo das coisas materiais. Lida com um campo rigorosamente delimitado que é chamado de “riqueza econômica”, e se sai de seus próprios limites acaba por tornar-se equivocada. Tornar as pessoas tão felizes quanto possível vai muito além do que a economia pode pretender. A economia não é capaz nem mesmo de dizer como fazer as pessoas mais prósperas no aspecto material, mas pode dizer como a riqueza intercambiável é produzida, e o que acontece com ela; enquanto pode fazê-lo, é uma serva muito útil.

Este é o segundo ponto difícil logo no começo do nosso estudo. A riqueza econômica consiste em valores passíveis de troca, e nada mais.

Devemos ser claros neste segundo ponto como fomos em relação ao primeiro, ou não faremos nenhum progresso em Economia. Ambas as ideias são pouco familiares, e temos que passar por elas várias vezes antes de realmente compreendê-las. Mas são absolutamente essenciais para esta ciência.

Vamos resumir essa primeira e elementar parte de nosso assunto, e colocá-las nos termos mais breves que possamos achar – o que chamamos de “Formulæ”, significando definições curtas e exatas, que possam ser aprendidas de cor e assimiladas definitivamente.

Assinalamos, então, duas Formulæ:

  1. A riqueza é constituída, não de coisas, mas de valores econômicos atrelados às coisas. 
  2. A riqueza, para fins do estudo econômico, significa apenas valores de troca: ou seja, valores pelos quais outros valores serão oferecidos em troca. 

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Este capítulo cedido à Gazeta do Povo faz parte da obra 'Economia para Helen', de Hilaire Belloc, escrita em 1924. Nela, o autor apresenta as leis que regem a economia e como elas podem ser aplicadas na sociedade, a fim de conciliar aumento de riqueza e unidade social. Belloc é um dos pioneiros no “distributismo”, proposta econômica inspirada na Doutrina Social da Igreja Católica que identifica a liberdade econômica com a posse de bens pelas famílias e a necessidade de redistribuir a propriedade sem passar pela concentração no Estado. O livro é editado no Brasil pela Verso l’Alto.

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