Dor crônica no pescoço. Irritabilidade. Aperto no peito. Arritmias. Desmaios. Dores de cabeça. Pressão alta. Bruxismo. Respiração curta e acelerada. Infarto.
Estes e outros sintomas têm se tornado mais frequentes entre boa parte dos norte-americanos desde novembro de 2016, principalmente os apoiadores do Partido Democrata, derrotado naquela eleição presidencial. Para o republicanos, são sinais claros da TDS (“Trump Derangement Syndrome”, ou “Síndrome do Descontrole Causado por Trump”), uma reação que leva pessoas antes normais a se tornarem insanas e abandonar a lógica e a razão por conta de uma antipatia brutal contra o presidente Donald Trump.
O comentarista político Justin Raimondo, em artigo publicado no Los Angeles Times e citado pela CNN, estabeleceu três estágios de manifestação da TDS. No primeiro, as “vítimas sofrem de perda de senso de proporção”. Exemplo disso é que “cada tuíte do presidente provoca uma tempestade de fogo, como se 140 caracteres fossem suficientes para mudar o mundo.”
Em um estágio intermediário, quem sofre de TDS tem, segundo Raimondo, “mudanças profundas no vocabulário, que passa a ser composto basicamente de hipérboles.” Com a progressão da “doença”, um estágio mais grave levaria “aos afligidos a perda de habilidade de distinguir realidade de fantasia”, analisa.
Sociedade infantilizada
O médico Ph.D. Alex Berezow, em artigo escrito para o American Council on Science and Health, afirma que algumas pessoas, normalmente racionais, podem se tornar tolos completos por conta da política. E o “diagnóstico” dessa “doença” está sendo validado por profissionais, com direito a um nome pomposo: Transtorno de Estresse Pós Eleitoral.
“[Essa doença] não é real, não está em nenhuma publicação, em nenhum ramo da psiquiatria. Mas, mesmo com essa falsidade, tem artigos que descrevem essa situação difícil de alguns seres humanos desajustados que parecem incapazes de levar a vida em uma democracia”, disse.
Um desses artigos, publicado pela CNN, contra a história de um californiano de 35 anos que ficou “nervoso, muito, muito nervoso, muito mais nervoso do que esperava” após o resultado da eleição. Ele disse ter fechado sua conta no Facebook para não ser exposto à enxurrada diária de informações sobre o presidente Trump. Mas não acompanhar as notícias estava deixando-o ainda mais ansioso. A saída encontrada por ele: acessar a rede social pela conta do cachorro da família. “Eu me sentia como se estivesse traindo”, disse.
No mesmo artigo, uma psicóloga de Chicago conta que seus pacientes estavam se envolvendo mais em acidentes de trânsito e até mesmo furando o sinal vermelho por distração. “Algumas pessoas me disseram que se sentem de luto, e que perderam a libido.” Em outro caso, um morador de São Francisco, de 34 anos, disse ter entrado em um estado de depressão após as eleições, e encontrou alívio na saga Harry Potter. “Algumas pessoas podem olhar para isso e dizer que é uma forma de escapismo da minha parte, mas eu sinto que esse é o tipo de coisa de que preciso.”
Para o médico Alex Berezow, estes são sinais de quanto a sociedade norte-americana está infantilizada, e essa condição se deu por três fatores: uma visão glorificada da vitimização, a forma fácil como tudo e qualquer coisa pode ser classificada como uma doença e, por fim, uma chocante falta de perspectiva.
“A vitimização concede ao indivíduo o direito de evitar qualquer crítica ou escrutínio. Hoje, a forma mais fácil de terminar uma discussão é dizer ‘estou ofendido’. Nós criamos uma cultura onde qualquer divergência é rotulada de ‘microagressão’, e em vez de desafiar as crenças alheias no campo das ideias, nos retraímos nos espaços seguros de nossas câmaras de eco nas redes sociais”, apontou Berezow.
Estudos e pesquisas
Estudos sobre essas manifestações físicas e mentais vem sendo conduzidos desde a vitória de Trump, e mesmo antes das eleições dos EUA. Uma dessas pesquisas coletou dados de jovens americanos entre 14 e 24 anos, antes e depois da votação em 2016. Os resultados preliminares apontam que sentimentos como “estresse, ansiedade e medo persistiram nos meses seguintes à eleição, particularmente entre as mulheres.”
Um relatório publicado pela Associação Americana de Psicologia afirma que o público feminino teve não só suas mentes afetadas pela eleição de Trump, mas também sofreu efeitos no próprio corpo. A sensação de derrota entre as democratas, que acreditavam em uma vitória fácil de Hillary Cinton, pode ter sido um gatilho hormonal “por conta da perda da condição de dominância.”
“Essa perda pode ser pelo fator político, mas também pelo fator individual, especialmente considerando que essa eleição teve um lado pessoal muito forte não apenas para os candidatos, mas para aqueles que sentiram que suas identidades, e consequentemente seu valor, estavam em jogo. E o efeito disso na saúde sexual e reprodutiva não é só uma questão mental; o impacto de Trump pode afetar esses hormônios e a forma como eles mantêm o sistema reprodutivo em funcionamento”, aponta o relatório.
Relatos semelhantes aparecem não entre os jovens, não só entre as mulheres, mas também na comunidade LGBT nos Estados Unidos. É o que aponta outro estudo que relaciona aumento de quadros de estresse nessa população e a eleição do republicano.
Choro e ranger de dentes
A reação psicossomática exacerbada à vitória de Donald Trump aparece também fora dos papers e pesquisas científicas. O articulista David Brody conta ter recebido relatos de pessoas que passaram mal após a confirmação de Trump como presidente. “Quando o canal a qual estava assistindo projetou que ele iria ganhar, eu vomitei”, disse um leitor. Outro foi ainda mais radical: “Eu andaria de joelhos sobre cacos de vidro e votaria em um sanduíche de atum para ocupar o lugar de Trump. Isso realmente afetou minha saúde mental.”
Um consultório especializado em aplicação de botox, a duas quadras da Casa Branca, viu o movimento aumentar sensivelmente depois da eleição de Trump. É o que relatou a dermatologista Tina Alster à revista Vogue. Ela contou que em uma semana teve mais atendimentos do que teria em seis meses, logo depois das eleições presidenciais americanas. Em todos os casos, pedidos de aplicação de toxina botulínica para relaxamento do masseter, o músculo que controla os movimentos da mandíbula.
A reportagem ainda sugere tratamentos adicionais, como acupuntura, massagem profunda e meditação contra o que chama de “Bruxismo induzido por Trump”.
Casos crônicos
Pode ficar pior? Pode. Pelo menos é o que mostram outros casos que parecem ser de TDS crônica. O relato de uma psicóloga que atende em Manhattan publicado na revista Slate chama a atenção.
Ela conta que uma antiga paciente voltou ao consultório, após um primeiro atendimento feito por conta da ansiedade causada pelos ataques de 11 de setembro. “Agora ela estava preocupada com uma nova ameaça: Donald Trump e seus apoiadores.” A paciente vem de uma família de sobreviventes do Holocausto, e segundo a reportagem, estaria sentindo algo parecido com as histórias que ouviu dos avós sobre as coisas estarem normais e, de repente, se tornarem um “oh, meu Deus, onde nós chegamos.”
Um post no Twitter pode ser o exemplo extremo de Trump Derangement Syndrome em seu pior estado. O texto compara Trump a Hitler, e dá ampla vantagem ao ditador nazista numa eventual gestão do Führer contra o coronavírus. “Hitler era muito mais decente do que Trump. Hoje seria melhor tê-lo como presidente. Tenho certeza de que ele gerenciaria essa pandemia de uma forma muito melhor.”
Comparações com Hitler, segundo aponta Bernard Goldberg em seu artigo “It’s worse than Bush Derangement Syndrome”, são comuns entre os supostos portadores de TDS. “Antes das eleições”, ele lembra, “era rotineira entre as vítimas de TDS essa comparação entre Donald Trump e Hitler. Adivinha só? Eles ainda estão fazendo isso. Artigos em publicações de respeito, escritos por professores da elite universitária, nos alertam para manter a guarda, e que a presidência de Trump poderia colocar em perigo a democracia como a conhecemos, e poderia muito bem ser o apocalipse para a civilização americana.”
Uma “Beatlemania” às avessas
O psiquiatra, pesquisador e Ph.D. Rob Whitley alerta que é comum entre os cientistas reconhecerem categorias “populares” de doenças mentais, consideradas reais mas ainda não catalogadas oficialmente nos registros médicos. “Assim, a falta de um reconhecimento oficial não quer dizer que a TDS não seja uma doença mental real”, alerta.
“Existe a noção de que as atividades cotidianas do presidente Trump servem como gatilho para que algumas pessoas assumam comportamentos histéricos e de extrema emoção”, ele afirma. Casos como o da atriz Woopi Goldberg, que perdeu o controle e gritou com outra convidada de um programa matinal de TV quando acreditou ter ouvido algo sobre Trump Derangement Syndrome.
Withley compara essas reações emocionais desproporcionais -- com direito a gritos e desmaios -- à Beatlemania que acometeu os americanos nos anos 1960. Só que os gatilhos emocionais relacionados a Trump seriam outros: medo e repugnância.
“Há muitos relatos de pessoas que têm estado seriamente perturbadas e estressadas pelo discurso, pelo comportamento e pelas publicações do presidente Trump no Twitter. Isso estaria afetando suas funções cognitivas, afetivas e comportamentais. Essas pessoas podem estar precisando de apoio quanto à sua própria saúde mental. É preciso uma investigação mais profunda por parte dos pesquisadores, da mesma forma que o fizeram com outros fenômenos sociais extremos, como a Beatlemania.”
Por outro lado, há quem aponte que nesse caso específico o problema está no olho do observador, como na anedota do motorista que trafegava pela contramão da rodovia dizendo que os outros condutores é que estavam todos errados.
Uma leitora do Los Angeles Times sugeriu ao jornal três medidas para combater a TDS: jogar a integridade jornalística pela janela e deixar de publicar informações factuais sobre a administração Trump; deixar de publicar “todas as coisas bizarras, incompetentes e perigosas que Trump diz e faz”; e por fim informar aos leitores só as coisas boas que Trump tem feito no governo, o que segundo ela “traria uma significativa redução de custos ao jornal, porque não haveria nada a ser impresso.”