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O que é a UDN, partido que foi de Carlos Lacerda e pode ser a casa dos Bolsonaro

Carlos Lacerda, figura chave da UDN: conservador, erudito e articulado nos manejos do jogo político | ARQUIVO
Carlos Lacerda, figura chave da UDN: conservador, erudito e articulado nos manejos do jogo político (Foto: ARQUIVO)

Os filhos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) estariam articulando deixar o PSL e se filiar a um novo partido em fase final de criação. O objetivo seria desvincular a imagem da família do presidente do PSL, partido sobre o qual paira a suspeita de desvio de verbas públicas por meio de candidaturas “laranjas”.

Embora o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) tenha negado a articulação pelo Twitter, nesta segunda-feira (18), a nova UDN é um dos 75 partidos em fase de criação no Brasil neste momento. O dirigente da sigla, Marcus Alves de Souza, disse que apoiadores da legenda já reuniram 380 mil assinaturas. Para que a homologação do partido seja feita junto ao TSE, são necessárias 497 mil assinaturas. A nova UDN já tem CNPJ e diretórios em nove estados.

O anúncio chama atenção pela escolha da nova legenda: uma reedição da União Democrática Nacional (UDN), sigla que nasceu em 1945 reunindo forças que se opunham à ditadura de Getúlio Vargas. 

"A UDN foi uma das bases do sistema partidário brasileiro daquele período, organizada em torno das elites, sobretudo latifundiárias, opositoras ao regime Vargas e com bases partidárias sólidas. Seu papel no Congresso foi fundamental para a polarização do sistema, que se tornaria aguda no período pré-golpe”, diz Rachel Meneguello, professora de Ciência Política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). 

Histórico 

Formada pela antiga oposição liberal e por setores da indústria, a UDN foi um dos primeiros partidos a fazer oposição ao regime de Getúlio Vargas — no mesmo ano, nasceram também o Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). 

A composição da legenda deu o tom das suas ações: elites regionais alinhadas à direita com apreço pelo liberalismo que não se sentiam contempladas pelo governo Vargas, de viés populista. 

“A UDN abrigava o que havia sobrado das elites regionais, a fina flor dos homens de negócios, industriais e cafeicultores de São Paulo, o establishment das camadas médias urbanas, antigos aliados de 1930 e do Estado Novo que foram afastados ou se afastaram voluntariamente de Vargas”, afirma Lilia Moritz Schwarcz no livro “Brasil: uma biografia” (Companhia das Letras). 

O partido foi parte de uma articulação para impedir a continuidade do governo Vargas com a posse do irmão de Getúlio, Benjamin Vargas, como chefe da polícia do Rio de Janeiro. Na ocasião, suspeitas de manipulação nas eleições que aconteceriam em breve cresciam entre setores da sociedade. Como medida contra isso, tanto a UDN quanto o PSD lançaram candidatos militares: o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN) e o general Eurico Gaspar Dutra (PSD). 

“Durante a campanha presidencial de 1950, Carlos Lacerda lançou a seguinte divisa: ‘Getúlio Vargas não pode ser eleito; se for eleito, não pode tomar posse; se tomar posse não pode governar’. Nesse sentido, a UDN serviu para tentar sabotar o governo Vargas desde 1951, o que culmina com a tentativa de assassinato de Lacerda em 1954. O que a UDN fez, então, foi criar um ambiente de instabilidade política, de oposição ao populismo para inviabilizar o governo”, explica Adriano Codato, doutor em Ciência Política pela Unicamp e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

Ruptura 

A história é relatada no livro “Histórias da gente brasileira: República: memórias (1889-1950)”, de Mary del Priore. O livro conta que a sigla acompanhou outro momento de cisão da ditadura no país: a ditadura militar de 1964, que chegou a receber o nome de “Estado Novo da UDN”. “Essa definição tem sua razão de ser”, aponta. 

Segundo a autora, os políticos do partido conseguiram implementar várias de suas propostas durante o regime, mesmo após décadas sem grande apoio do eleitorado brasileiro. A influência teria recaído também sobre o próprio funcionamento da ditadura militar, que teve alguma inspiração em modelos liberais. 

“Apesar de oportunistas e golpistas, os partidários da UDN são admiradores de democracias liberais. Tal posicionamento impede a adoção de um modelo fascista no Brasil. Mesmo nos momentos de maior intolerância, a ditadura militar, por meio da rotatividade dos presidentes, evita o caudilhismo, não deixando também de reconhecer a legalidade da oposição parlamentar”, escreve a autora. 

O papel da UDN no regime militar foi decisivo: o partido participou ativamente da deposição do presidente João Goulart, em 1964, por intermédio de dois governadores, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Carlos Lacerda, da Guanabara. 

A influência se estendeu a outro aspecto que marcou o período: a valorização da moral e dos bons costumes — a UDN foi uma das articuladoras da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, manifestação que deu o tom do apoio popular ao regime militar. 

Personagem chave 

A UDN teve como uma das figuras principais Carlos Lacerda. Líder da UDN, sua trajetória política começou no lado oposto do espectro; Lacerda foi integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas saiu renegado e delineou uma nova identidade que personificava a imagem da UDN: conservador, erudito e articulado nos manejos do jogo político. 

Assim como a imagem de Lacerda e do partido chegavam a se confundir, as motivações pessoais de Lacerda eram munição para as articulações políticas, segundo Lilia Moritz Schwarcz em “Brasil: uma biografia”. 

“Como costumava dizer Afonso Arinos, seu companheiro de partido, sem disfarçar o receio e a admiração que o personagem lhe inspirava, Lacerda era um propulsor de crises, e tornava-se particularmente perigoso durante as crises que provocava porque confundia seu destino pessoal com a sorte das instituições republicanas”, escreve. 

Uma nova UDN? 

Para Rachel Meneghelli, porém, não há como comparar a UDN da década de 60 com sua versão repaginada. “Não há base alguma para traçar paralelos entre a UDN e o partido de base do atual presidente. Não há partido organizado em bases locais, não se sabe quais grupos sociais, socioeconômicos ou mesmo quais lideranças iriam para esse partido que ainda não existe. Acreditar que apenas uma pauta moralista equivale a ‘ser UDN’ mostra desconhecimento político e histórico”, critica a professora. 

Já Adriano Codato questiona a utilidade simbólica de reviver a UDN. “É um grande mistério, visto que, tirando alguns historiadores, cientistas políticos e jornalistas, aposto que mais de 95% dos eleitores nunca ouviram falar da UDN e não têm nenhuma identidade com a antiga UDN. A tentativa de revivê-la é um pouco misteriosa, pois não há uma tradição política udeenista a ser resgatada", conclui.

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