Depois de surgir com destaque em 2014 nos debates envolvendo a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), o termo “gênero” voltou aos holofotes no Brasil. Políticos, pesquisadores, organizações da sociedade civil e cidadãos comuns têm se mobilizado para que o termo não conste nos novos planos municipais e estaduais de educação que devem ser votados até o fim do mês de junho. As razões para a preocupação, no entanto, ainda parecem desconhecidas de grande parte da opinião pública. Por que uma palavra aparentemente inofensiva passou a receber tanta resistência?
Uma das maiores dificuldades para esclarecer o assunto está nos múltiplos significados que o termo “gênero” pode receber, inclusive dentro de um mesmo contexto. No senso comum gênero é apenas um sinônimo mais polido para sexo, no sentido de diferenciação entre masculino e feminino, ou homem e mulher. Para uma corrente do feminismo, no entanto, o significado é bastante diferente.
MANIPULAÇÃO
Para o pedagogo Felipe Nery, presidente do Observatório Interamericano de Biopolítica, entidade crítica à teoria de gênero, há uma clara manipulação de linguagem com a palavra gênero. “O que querem promover não pretende valorizar a mulher, mas sim discriminar a família.”
Para explicar melhor o assunto e tornar a questão mais conhecida, críticos deram o nome “ideologia de gênero” a esse conjunto de ideias. O registro mais antigo que se tem da expressão está na obra “Who Stole Feminism?” (em Português, Quem roubou o feminismo?) , de 1994, escrita pela norte-americana Christina Hoff Sommers, doutora em Filosofia que se considera uma “feminista da equidade”, mas não uma “feminista de gênero”.
Conceito
Teóricos da “ideologia de gênero” afirmam que ninguém nasce homem ou mulher, mas que cada indivíduo deve construir sua própria identidade, isto é, seu gênero, ao longo da vida. “Homem” e “mulher”, portanto, seriam apenas papéis sociais flexíveis, que cada um representaria como e quando quisesse, independentemente do que a biologia determine como tendências masculinas e femininas.
Diferentemente do feminismo clássico, os militantes dessa linha não querem apenas direitos e oportunidades iguais para homens e mulheres. Para alguns de seus expoentes, a própria divisão do mundo entre homens e mulheres é um mal a ser combatido. Assim diz Shulamith Firestone, em seu livro The Dialectic of Sex (A dialética do sexo), de 1970: “A meta definitiva da revolução feminista deve ser igualmente – ao contrário do primeiro movimento feminista – não apenas acabar com o privilégio masculino, mas também com a própria diferença de sexos. As diferenças genitais entre os seres humanos já não importariam culturalmente.”
Outra referência acadêmica a cunhar o termo “gênero” foi a feminista Judith Butler. Em seu livro Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity (Questão de gênero: o feminismo e a subversão da identidade), ela afirma que “o gênero é uma construção cultural; por isso não é nem resultado causal do sexo, nem tão aparentemente fixo como o sexo”. Na mesma obra, Butler ainda defende que “homem e masculino poderiam significar tanto um corpo feminino como um masculino; mulher e feminino tanto um corpo masculino como um feminino”.
Confusão em torno do termo começou há vinte anos, na ONU
Estudiosos afirmam que a expansão da ideologia de gênero teve início na Conferência sobre as Mulheres, realizada em Pequim, em 1995. A jornalista norte-americana e participante da conferência Dale O’Leary diz em seu livro The Gender Agenda (ou algo como a Discussão do Gênero), de 1997, que o evento resultou em orientações para que governos de todo o mundo incorporassem a “perspectiva de gênero” em todo programa e em toda a política, em cada instituição pública e privada.
Em sua crítica, Dale lamenta que uma decisão com esse alcance tenha se dado sem a prudência de se explicar às pessoas a natureza dessa agenda, e afirma que essa discrição foi proposital. “A Agenda de Gênero navega nas comunidades não como um navio elevado, mas como um submarino, determinado em revelar-se tão pouco quanto possível”, diz a escritora.
No artigo “Perspectiva de género: sus peligros y alcances” de Jutta Burggraf, doutora em Pedagogia da Universidade de Navarra, Espanha, são relatados detalhes do evento. A cúpula da conferência teria emitido a seguinte definição: “O gênero se refere às relações entre mulheres e homens baseadas em papéis definidos socialmente que se refiram a um ou outro sexo”.
Segundo Jutta, na ocasião, muitos delegados ficaram confusos com o conceito, sugeriram a substituição pelo termo “sexo” e receberam a seguinte explicação da feminista e ex-congressista norte-americana Bella Abzug. “O sentido do termo ‘gênero’ evoluiu, diferenciando-se da palavra ‘sexo’ para expressar a realidade de que a situação e os papéis da mulher e do homem são construções sociais sujeitas à mudança”. Os documentos conclusivos da conferência de Pequim acabaram por assimilar o termo.
Conflito com neurociências levou à crise de credibilidade
Em 2011, um documentário transmitido em rede nacional na Noruega abalou a credibilidade dos teóricos de gênero nos países escandinavos. O Conselho Nórdico de Ministros (que inclui autoridades da Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia e Islândia) ordenou a suspensão dos financiamentos dirigidos ao Instituto Nórdico de Gênero, promotor de ideias ligadas às teorias de gênero, depois da exibição, em 2010, do filme “Hjernevask” (“Lavagem Cerebral”), que questionava os fundamentos científicos dessa linha de pesquisa. O documentário gerou um intenso debate público sobre o assunto no país.
A produção do sociólogo e ator Harald Eia contrapõe a afirmação dos defensores da teoria de gênero com outras de estudiosos ligados às neurociências e à psicologia evolutiva. Enquanto os teóricos do gênero afirmam que não há fundamento biológico nas diferenças de comportamento entre homens e mulheres, tratando-se apenas de construções sociais, os outros cientistas mostram resultados de seus testes empíricos que constatam diferenças inatas nas preferências e comportamentos de homens e mulheres.
Os estudiosos das neurociências, contudo, admitem que, mesmo que os genes sejam determinantes para algumas condutas, a cultura influencia. Já os teóricos do gênero afirmam que “não veem verdade alguma” nas pesquisas dos neurocientistas, embora toda a base dos estudos de gênero seja teórica e não empírica.
No vídeo, a filósofa do gênero Catherine Egeland, uma das entrevistadas, diz que “não se interessa nem um pouco” por esse tipo de ciência, e que “é espantoso como as pessoas se interessam em pesquisar essas diferenças”. Os sete episódios do documentário estão disponíveis no YouTube.
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