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Mundo corporativo: sai a regra de ouro, entra a regra de platina.
Mundo corporativo: sai a regra de ouro, entra a regra de platina.| Foto: Christina Morillo/Pexels

No Novo Testamento, Jesus Cristo estabeleceu um princípio que transcenderia o Cristianismo e ficaria conhecido como a “regra de ouro”: “Façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam”.

As palavras foram registradas nos evangelhos de Lucas e Mateus, e se tornaram um dos pilares da filosofia moral do Ocidente. Livros e mais livros foram escritos sobre a importância da regra de ouro e suas aplicações práticas.

Mas, aparentemente, há quem acredite que chegou a hora de substituir esse princípio.

A chamada regra de platina ganhou adeptos no mundo corporativo e embora não seja uma causa da mudança de mentalidade no setor privado, provavelmente é um sintoma dessa guinada rumo a uma postura mais progressista.

De onde vem a regra de platina

A ideia da regra de platina foi apresentado pelo autor e empresário americano Dave Kerpen no livro “Art of People” ("Arte das Pessoas", em tradução livre), publicado em 2016.

Kerpen, que ganha a vida vendendo conselhos a empreendedores e gestores, acredita que a regra de ouro não é suficiente para promover um ambiente de trabalho saudável.

“É um conceito esplêndido, exceto por uma coisa: todo mundo é diferente, e a verdade é que em muitos casos o que você quer que façam a você difere o que o seu parceiro, empregado, cliente, investidor, esposa ou filho gostaria que fosse feito a ele ou ela", argumenta Kerpen em seu livro.

O princípio mereceu apenas algumas páginas da obra, e Kerpen não apresenta uma fundamentação filosófica para seu argumento. Mas o conceito usado por ele se assemelha a ideias defendidas por autores de esquerda nas ciências sociais.

Para os pós-modernos, cada pessoa enxerga o mundo de uma forma distinta, e que todas as perspectivas são igualmente válidas. Daí nasceram expressões que hoje fazem parte do jargão da esquerda, como "lugar de fala". De acordo com essa corrente filosófica, não cabe a um homem falar sobre aborto, assim como uma pessoa não-negra jamais será capaz de falar do racismo com propriedade.

"A adoção da regra de platina nas empresas tem mais a ver com uma resposta às pressões socioculturais da cultura 'woke' do que uma preocupação genuína com a individualidade das pessoas", critica Giuliano Miotto, advogado e presidente do think tank Instituto Liberdade e Justiça.

Para Miotto, a nova norma tem o potencial de prejudicar a eficiência das empresas. "A regra de platina traz para a relação um elemento subjetivo que acaba por estabelecer um padrão moral relativo, em que o gestor fica refém de demandas individuais ou de grupos de interesse", afirma.

A regra de platina chega ao LinkedIn

O LinkedIn se tornou a principal plataforma de propagação da regra de platina no mundo corporativo. Uma das entusiastas do termo é a coach e professora americana Daisy Lovelace, que tem quase 60 mil seguidores na rede social.

Em um curso recente sobre "diversidade cultural" no ambiente de trabalho, ela defendeu a regra de platina como o padrão a ser adotado.

"Muitos usam a regra de ouro como princípio orientador para interagir com os outros. Mas talvez seja hora de melhorar", ela ensinou, com a voz calma e o gestual suave. Daisy mencionou o exemplo de uma chefe de equipe que oferece uma folga de Natal aos funcionários sem levar em conta que algumas pessoas podem não ser cristãs e preferir folgar em outra data.

"Como somos diferentes, nossas experiências, valores, pontos de vista e preferências também costumam ser desiguais", afirmou Daisy, que leciona na Universidade de Duke e faz questão de se apresentar como "ela/dela".

Solange Castro, professora de Liderança do Ibmec Brasília, afirma que os novos princípios são bem-vindos. "Mais do que um indicativo de alta inteligência emocional, essa nova regra se faz urgente em uma sociedade que agora abraça a diversidade", diz.

A professora acrescenta que existe uma relação direta entre a regra de platina e a intenção de aumentar a diversidade no ambiente corporativo. "Organizações do mundo todo já estão implantando suas políticas de diversidade e inclusão, mas estas só serão bem-sucedidas se as pessoas reconhecerem que as minorias, sejam elas quais forem, pensam, sentem e desejam coisas diferentes", ela argumenta.

Conceito ganhou força em livros e artigos

Além de avançar no mundo empresarial, cada vez mais imerso no jargão progressista, a regra de platina parece estar ganhando popularidade em outros campos.

Recentemente, o chefe de "Inclusão" da Universidade Northeastern, na Virgínia, defendeu a regra de platina como guia por uma sociedade mais plural. "Para ser verdadeiros aliados, para andar em solidariedade com os mais marginalizados e menos privilegiados entre nós, nós nos posicionamos para ouvir de forma a compreender. A platina vale mais que o ouro" defendeu Karl Reid, em um artigo que mistura o jargão acadêmico com o corporativo.

A noção também aparece em artigos científicos sobre o trato com pacientes e em livros, como a obra recém-lançada por dois professores da Universidade de Nova York e que promete ensinar a maneira adequada de falar sobre "identidade" e "diversidade".

É provável que esse seja apenas o começo. Na opinião de Giuliano Miotto, este é um motivo para lamentar. "Quando políticas corporativas começam a se basear em normas subjetivas, elas abrem espaço para que ideologias culturais influenciem o processo de tomada de decisão e gestão de pessoal. No médio e longo prazo, essas políticas podem trazer resultados desastrosos para as corporações", analisa.

Ao descrever a regra de platina em seu livro, Dave Kerpen cita como exemplo uma passagem do best-seller de autoajuda "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas", de Dale Carnegie. Nele, Carnegie escreveu que, embora goste muito de comer morango com creme, ele não se baseia no seu gosto pessoal quando vai escolher sua isca em uma pescaria. Para atrair os peixes, ele recorre às minhocas como isca.

A regra de platina, afirma Kerpen, parte do mesmo princípio. Ele parece não ser dar conta de que, nessa metáfora, a escolha pela minhoca não resulta de uma preocupação genuína com o peixe, que morre no final da história. 

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