Os social-democratas ocupam um lugar peculiar no espectro político. Para parte da esquerda, eles são sinônimo de “neoliberais”. Para a direita, a social-democracia é apenas um caminho mais suave para o mesmo destino autoritário do socialismo radical. Talvez os dois lados tenham um pouco de razão.
A história da social-democracia pode ser dividida em dois momentos históricos diferentes. A primeira fase do movimento remonta ao Partido Social-Democrata da Alemanha, criado em 1875 por August Bebel e Wilhelm Liebknecht (e funcionando até hoje). De forma geral (e apesar das diferentes correntes internas), o movimento social-democrata se diferenciava dos demais grupos socialistas porque repudiava a revolução como uma forma de chegar ao poder.
Em vez disso, defendia a adoção de saídas institucionais, por meio das eleições. Ainda assim, acreditava que uma sociedade socialista era o destino a ser alcançado. Ou seja: a diferença com os socialistas mais radicais era quanto aos meios, mas não quanto aos fins. A estatização da propriedade privada continuava sendo o alvo, embora com um caminho distinto.
O caminho do meio
Foi só depois da Segunda Guerra Mundial que os partidos social-democratas abriram mão da utopia e adotaram uma posição mais realista. O objetivo final já não era uma sociedade plenamente socialista, algo que nem os operários pareciam defender, mas uma que equacionasse a preservação da democracia e da liberdade de mercado com uma ampla rede de assistência social.
A experiência traumática com o totalitarismo fascista, o autoritarismo do regime soviético e o sangue derramado pelas revoluções mundo afora ajudou nessa conversão. Nos anos após a guerra, a social-democracia chegou ao poder em países como Alemanha, Itália e Suécia sem provocar rupturas institucionais.
Durante a Guerra Fria, a social-democracia se consolidou como um fenômeno sobretudo da Europa Ocidental: geograficamente e ideologicamente situados entre os Estados Unidos, capitalistas, e a União Soviética, socialista, alguns países apostaram em um caminho do meio que reunisse a permanência da propriedade privada com uma redistribuição de recursos pelas mãos do Estado.
“A social-democracia é uma tentativa de conciliação do lucro capitalista com a ideia de que parte desse lucro deve ser reinvestido socialmente. Os social-democratas se abstiveram da ideia de revolução porque acreditavam que era preciso haver o crescimento da economia para ter o que distribuir”, explica o cientista político Carlos Ranulfo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Exemplos dessa distribuição são programas de assistência aos mais pobres, um sistema de seguridade social e uma rede de saúde gratuita (ou parcialmente gratuita).
O Partido Social-Democrata alemão continua relevante até hoje, e é um exemplo da trajetória da social-democracia rumo a uma visão mais pragmática do mundo. Atualmente, no 145º ano de sua existência, a sigla faz parte da coalizão de Angela Merkel, que é uma democrata cristã (considerada de centro-direita).
Xô, Marx
Em outros países, os social-democratas receberam influências diferentes, nem sempre inofensivas. Na Itália, por exemplo, o pensador Antonio Gramsci se tornou uma figura de primeira importância com sua tese de que é preciso usar os meios da democracia para transformá-la em um regime socialista de partido único.
No Reino Unido, o chamado Fabianismo defendia uma solução similar: uma transição gradual rumo ao socialismo. Com o tempo, entretanto, as correntes mais moderadas acabaram prevalecendo dentro dos partidos de viés social-democrata, hoje mais distantes das ideias marxistas.
De forma geral, mesmo quando chegaram ao poder (e os social-democratas o fizeram em praticamente todos os países da Europa ocidental em algum momento), esses partidos se ativeram às regras democráticas e mantiveram um grau considerável de liberdade econômica.
Por exemplo: nas décadas de 1990 e 2000, apesar de ter sido chefiado por dois primeiros-ministros do Partido Trabalhista (social-democrata), o governo do Reino Unido adotou uma postura enfaticamente pró-livre mercado. “A social-democracia há muito tempo abandonou o socialismo como uma alternativa ao capitalismo, embora o discurso possa trazer ambiguidades”, diz o professor Ranulfo.
"Mais governo e mais mercado"
No Brasil, o maior representante da social-democracia é o PSDB. Nascido do antigo MDB em 1988, o partido agregou figuras que, embora no campo da esquerda, eram mais moderadas do que as do PT e de outras siglas, como o Partido Comunista no Brasil.
O PSDB chegou à Presidência em 1995, com Fernando Henrique Cardoso. Apesar de sua origem marxista, o então presidente implementou um extenso programa de privatizações e de liberalização da economia. Por isso, recebeu do PT o carimbo de “neoliberal”, rótulo que o partido sempre rejeitou. Ao mesmo tempo, o governo de FHC elevou a carga tributária e estendeu significativamente a cobertura dos programas sociais oferecidos pelo governo federal.
No seu programa atual, aprovado em 2007, o PSDB adota o lema “Mais governo e mais mercado”, e tenta encontrar uma conciliação entre os dois lados do espectro econômico. “O PSDB não é privatista nem estatista. É um partido autenticamente nacionalista e moderno”, diz o documento.
Autor de uma tese doutorado sobre a trajetória de Fernando Henrique, o professor da Universidade Mackenzie Rodrigo Prando afirma que os tucanos transitam entre o centro e a centro-esquerda. “O PSDB acredita que a sociedade capitalista produz e distribui riqueza, ainda que de forma distorcida, muito melhor do que qualquer regime socialista”, afirma.
Apesar da falta de identidade ideológica de boa parte das siglas brasileiras, também é possível ver princípios social-democratas em outros partidos, como o MDB e o Cidadania (antigo PPS). Sobre o PT, o veredito ainda é ambíguo. “Até pouco tempo era possível ler, nos documentos do PT, a defesa da socialização dos meios de produção – que é a diferença essencial entre os socialistas e os social-democratas. Mas a ala majoritária, de Lula, é a mais pragmática dentro do partido”, diz o professor Prando.
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