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Racismo

O que eram as leis Jim Crow, que segregavam negros nos EUA – e eram apoiadas pelos progressistas

Em muitas cidades dos Estados Unidos durante a vigência das chamadas leis Jim Crow, os cidadãos negros poderiam ser tratados de forma separada, mesmo sendo iguais perante a lei. (Foto: Library of Congress/Wikimedia Commons)

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Houve um tempo, e nem foi há tanto tempo assim, em que negros e brancos não podiam andar juntos no mesmo veículo de transporte coletivo. Não só isso: não podiam beber no mesmo bebedouro nem estudar na mesma sala de aula ou mesmo comer no mesmo restaurante. Esse era o normal em muitas cidades dos Estados Unidos durante a vigência das chamadas leis Jim Crow, que institucionalizaram a segregação racial sob o preceito de que os cidadãos poderiam ser tratados de forma separada, mesmo sendo iguais perante a lei. E, diferente de agora, quando a esquerda se põe a incensar movimentos como o Black Lives Matter, foram os democratas e os progressistas os maiores apoiadores de tais leis de segregação racial.

Antes de ser eleito presidente pelo partido Democrata em 1912, o então professor progressista Woodrow Wilson publicou um artigo onde tentava convencer seus leitores que os escravos libertos, assim como seus descendentes não estavam preparados para a liberdade. Ele foi um dos expoentes progressistas que justificavam o restabelecimento da supremacia branca dos Estados Unidos no início do século passado por meio das leis Jim Crow, principalmente no sul do país.

Escreveu Wilson: os libertos “não tinham experiência com a liberdade, não foram ensinados a ter autocontrole, a eles nunca foi ensinado qualquer hábito de prudência, (...) são insolentes e agressivos, se cansam com o trabalho e cobiçam o prazer.” A citação está no livro Illiberal Reformers: Race, Eugenic & American Economics in the Progressive Era [Reformistas não-Liberais: Raça, Eugenia e Economia Americana na Era Progressista], escrito por Thomas C. Leonard. Segundo o autor, Wilson via as leis Jim Crow como necessárias, porque sem elas “os afro-americanos seriam um perigo para eles mesmos assim como para aqueles a quem há pouco haviam servido [como escravos].”

O economista John R. Commons, outro nome de fácil presença entre os progressistas da época, dizia acreditar que possibilitar aos negros o direito a voto não representava um avanço na democracia, mas sim a sua própria corrupção. Como se esquecesse da participação de soldados negros na Guerra Civil Americana, Commons escreveu que “esta raça, depois de muitos anos de selvageria, foi largada solta dentro de um conjunto de liberdades da cidadania e do sufrágio eleitoral graças ao cataclismo de uma guerra na qual não tomou parte.”

Richard Theodore Ely era um dos líderes dos progressistas na era das leis Jim Crow, e em seu trabalho como economista era um dos mais ferrenhos defensores da intervenção do Estado contra o que ele chamava de “injustiças do capitalismo.” Ele tratava os negros como incapazes de se adaptarem ao trabalho, e sujeitos a aceitar qualquer tipo de emprego por mais baixa que fosse a remuneração. Dessa forma, para ele era normal que essa população fosse segregada em colônias de trabalho separadas, como a criada em Nova York em 1911, como forma de melhorar a perspectiva de salário para os outros trabalhadores.

Mas para Ely ainda havia degraus a descer além da segregação. “Os moralmente incuráveis e aqueles que não trabalham, e por isso não obedecem, a eles não deve ser permitido que se propaguem”, uma forma sutil de pedir pela morte de uma população.

Essa ideia era corrente na época, e foi repetida por outro ícone entre os progressistas de então, a fundadora de uma das maiores correntes pró-aborto dos Estados Unidos, Margaret Sanger. Em uma carta endereçada ao Dr. Clarence Gamble, em 1939, ela traz detalhes sobre o “Projeto Negro”, um projeto lançado pela Liga Americana de Controle de Natalidade e o Escritório de Pesquisas Clínicas de Controle de Natalidade da própria Margaret.

“A mim parece, pela minha experiência (...) que por mais que os negros tenham grande respeito pelos médicos brancos, eles são mais próximos de seus iguais, e com eles colocam suas cartas na mesa, o que significa sua ignorância, suas superstições e suas dúvidas. Nós deveríamos contratar três ou quatro ministros de cor, preferencialmente com um histórico no serviço social, e com personalidades engajadoras. A abordagem educacional que tem mais sucesso entre os negros é aquela com um apelo religioso. Não queremos que se espalhe no mundo a ideia de que queremos exterminar a população de negros, e o ministro é o homem que pode esclarecer essa ideia se ela surgir entre os membros mais rebeldes.”

As leis Jim Crow

O nome Jim Crow fazia parte do cotidiano dos escravos americanos. Ele era personagem de uma canção popular entre os negros, que foi posteriormente adaptada pelo ator Thomas Rice. Ele também foi responsável pela personificação de Jim Crow, um trapaceiro vestido em roupas rasgadas, sapatos furados e chapéu torto, de fala rápida e irreverente. Isso com a ajuda da técnica chamada “black face”, em que um ator branco pinta o rosto e as mãos para interpretar uma pessoa negra. A forma caricata de apresentação, comum no começo do século XIX, era muitas vezes a única forma de contato dos brancos americanos com a imagem dos negros, principalmente nos estados onde a escravidão não era tão presente, como no Sul do país. Hoje este tipo de atuação é visto como fortemente racista.

Após o fim da escravidão, com a 13ª Emenda à Constituição, e a proteção legal aos escravos libertos, dada pela 14ª Emenda, os negros passaram a ser considerados iguais aos outros cidadãos americanos. Com a igualdade veio a representatividade, com negros sendo eleitos para cargos públicos municipais e estaduais, todos pelo partido Republicano. Esse crescimento político irritou os membros do Partido Democrata, que se considerava à época “um partido de brancos”. Quando as tropas federais deixaram o Sul após o fim da Reconstrução, período posterior à Guerra Civil Americana, os republicanos os seguiram, deixando o território livre para os democratas – que não tardaram a colocar em vigor leis que infringiam os direitos e começavam a segregar a população negra, as infames leis Jim Crow.

Uma dessas leis surgiu no estado da Lousiana, em 1890, e proibia que negros viajassem nos mesmos vagões no transporte coletivo. Ela estabeleceu a doutrina do “separados, mas iguais”, que apesar de inconstitucional foi aceita pela Suprema Corte dos EUA. Foi a primeira de muitas, e acabou por dar legitimidade a um estado de segregação tão forte que esse racismo legal influenciou ninguém menos que os nazistas alemães, que se inspiravam nas leis Jim Crow contra os negros para criar a própria legislação contra os judeus.

As restrições aos negros americanos se estenderam além dos trens e ônibus. As escolas públicas, por exemplo, eram divididas entre as que atendiam brancos e as que atendiam negros. Em 1954 uma estudante negra de 8 anos, Linda Brown, teve sua matrícula negada em uma escola pública de Topeka, no estado do Kansas. Seu pai entrou com uma ação na justiça e o caso foi parar na Suprema Corte. A decisão unânime a favor de Brown e contra a doutrina “separados mas iguais” é tida como o marco do início do fim das leis Jim Crow.

Casos emblemáticos

No ano seguinte, a costureira negra Rosa Parks se recusou a dar seu lugar no ônibus a um homem branco, em Montgomery, Alabama. Ela foi presa, e como consequência houve uma série de protestos, com muitos negros boicotando as empresas de transporte coletivo. Como resposta, as empresas começaram a forçar os políticos a afrouxar ou até mesmo acabar com as leis de segregação racial.

Como bem explicou o sociólogo e economista americano Thomas Sowell, “aqueles que veem o governo como a solução para os problemas sociais ficariam surpresos ao descobrir que é o governo quem cria esses problemas.” Em um artigo escrito após a morte de Rosa Parks ele mostra que o incentivo maior para a segregação foi político, e não econômico. “Ambos, negros e brancos, gastavam dinheiro com as passagens de ônibus, mas só os brancos contavam no processo político. (...) As pessoas que criticam o fato de empresários estarem no mundo dos negócios ‘só para ganhar dinheiro’ não entendem que se ganha dinheiro fazendo o que os outros querem, não o que você quer. O dinheiro dos negros era tão bom quanto o dinheiro dos brancos, mas não era assim com os votos.”

Em 1960, depois de ganhar a medalha de ouro nas Olimpíadas de Roma, o boxeador Cassius Clay voltou para casa, em Louisville, no Kentucky. Com a medalha no peito, ele foi até uma lanchonete local, onde negros não eram permitidos, e pediu à garçonete uma xícara de café e um cachorro-quente. “Não servimos negros”, respondeu a funcionária do local. “E nem eu como negros. Eu só quero uma xícara de café e um hambúrguer,” respondeu o medalhista olímpico. A situação, quase anedótica, foi contada por ele entre risadas em uma entrevista de televisão, mas teve tanto impacto em sua vida que foi um dos motivos que o levou a trocar de nome para Muhammad Ali. E sim, ele teve de sair do restaurante sem que seu pedido fosse atendido.

Mais tarde, em 1964, as Leis dos Direitos Civis sepultaram o sistema estatal de segregação racial dos Estados Unidos e decretaram o fim oficial das leis Jim Crow. Um marco na história da luta pelos direitos dos negros norte-americanos. Direitos que foram retirados no passado por democratas e progressistas, baseados em ideais de eugenia e racismo compartilhados por pessoas como Karl Marx, que ainda hoje fazem a cabeça de líderes de movimentos como o Black Lives Matter.

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