Assim que seu táxi chegou a um esconderijo do grupo Estado Islâmico, em dezembro de 2015, Mohamad Khweis percebeu que cometera um engano enorme, disseram seus advogados.
O jovem de 27 anos, natural de Fairfax County, na Virgínia, fugiu do grupo três meses mais tarde e foi capturado por forças curdas no Iraque. Agora, com seu julgamento por um tribunal federal de Alexandria, Virgínia, começando este mês, um júri vai avaliar se um erro dessa gravidade pode ser perdoado sob as leis relativas ao terrorismo.
Os promotores dizem que Khweis evidentemente cometeu de fato os crimes dos quais é acusado. Com plena consciência do que estava fazendo, ele se ofereceu para ser combatente de um grupo terrorista sanguinário. Conspirou com agentes do Estado Islâmico para fazê-lo. E, enquanto esteve com o grupo, ele manejou armas de fogo.
“O réu se entregou ao Estado Islâmico, a organização terrorista mais letal da história”, disse aos jurados o promotor Dennis Fitzpatrick em seu discurso de abertura.
“Decisão estúpida e ingênua”
Advogados da defesa retrucaram que não há provas de que Khweis tenha cometido ou defendido qualquer ato de violência. Ele se interessou pelo que leu online sobre o Estado Islâmico e esperava explorar por conta própria o território controlado pelo grupo na Síria, mas, em vez disso, foi recrutado.
“Daquele momento em diante, o EI passou a controlá-lo”, disse a advogada de defesa Jessica Carmichael em seu discurso inicial. “Quando um jovem toma uma decisão estúpida e ingênua, pedimos que seja autorizado a mudar de ideia antes que ocorra qualquer mal.”
O caso é incomum por várias razões. Khweis viajou até o território controlado pelo Estado Islâmico, algo que poucos americanos fizeram, e as autoridades o ignoravam por completo até ele ser capturado. Agentes do FBI disseram em depoimento que tomaram conhecimento de sua existência graças a um vídeo postado no Twitter por um combatente curdo. Quando voltou aos EUA, Khweis optou por ir a julgamento, sendo que a grande maioria dos réus em processos por terrorismo se confessa culpada.
A previsão é que o julgamento dure cerca de duas semanas. Os jurados já assistiram a vídeos de um capitão do exército curdo e um funcionário de contraterrorismo que depuseram em uma audiência anterior. Ainda devem ouvir os depoimentos de agentes do FBI que interrogaram Khweis no Iraque.
Khweis ainda não decidiu se vai falar em sua própria defesa. Ele é acusado de dar apoio material ao grupo terrorista, de conspiração para fornecer apoio material e de posse de uma arma de fogo em um crime de violência.
Piá de prédio
Segundo Carmichael, Khweis fumava, bebia, vivia com seus pais e dependia dos planos de seguro e telefonia celular pagos por eles. Enquanto esteve com o Estado Islâmico, disse a advogada, ele realizava tarefas domésticas: comprar alimentos, colocar o lixo para fora, preparar o almoço. Ainda segundo ela, Khweis só tocava em armas quando as tirava do lugar para poder sentar-se no sofá.
Segundo a advogada, o EI lhe pediu que fosse homem-bomba, já que ele não possuía habilidades ou conhecimentos. Ele teria concordado apenas por pensar que poderia ser morto como espião se não o fizesse.
Mas os promotores dizem que Khweis demonstrou conhecer muito bem o grupo terrorista no qual ingressou. Antes de partir para a Síria, ele deixou seu emprego como motorista de ônibus Metro Acess e vendeu seu carro, indo ao aeroporto internacional Marshall, de Baltimore-Washington, em um carro alugado. Fez escalas em Londres e Amsterdã, para evitar ser detectado. Quando desembarcou na Turquia, foi de ônibus até uma cidade na fronteira com a Síria e contatou intermediários do Estado Islâmico pelo Twitter.
Khweis usou um codinome que incluía o termo “greenbird” (pássaro verde), uma alusão ao martírio. Em uma mensagem direta, pediu a um intermediário que se comunicasse pelo programa encriptado Telegram. O agente do FBI Ryan Lamb disse em depoimento na quarta-feira passada que Khweis tinha vários aplicativos em seu telefone para possibilitar a troca de mensagens encriptadas e a navegação privada na internet.
“O réu é hábil no uso” de artifícios de espionagem, disse Fitzpatrick.
“Como orar, para principiantes”
Mas Khweis não deletou os dados de dois de seus três telefones. Ele deixou registros de sua viagem ao exterior e evidências de que, enquanto esteve na Turquia, navegou por vários sites do Estado Islâmico com imagens de combatentes armados, cadáveres e ataques violentos. Ele também visitou páginas envolvendo vários pregadores radicais que justificavam o uso de violência. Fez buscas no Google por frases comuns em árabe e por apelidos em árabe que significassem “o americano” e “o canadense”. Ele também fez uma busca por “como orar, para principiantes”.
De acordo com os promotores, o carro que levou Khweis da Turquia à Síria também transportou três recrutas franceses e um tunisiano, que se gabaram do ataque terrorista letal que acabara de acontecer em Paris.
Khweis foi transferido de um esconderijo a outro e acabou finalmente sendo levado a Mosul para fazer um curso de formação religiosa. Conheceu combatentes russos e ajudou a tratar de soldados feridos, segundo os promotores. Ele acabou sendo levado a Tal’Afar, a pouca distância da fronteira síria. Foi a partir de lá que fugiu e acabou caindo em mãos curdas.
“Ele correu para os braços das forças policiais americanas”, disse Carmichael. “Mohamad se dispôs completamente a lhes dizer tudo o que queriam saber.”
Documentos do Estado Islâmico encontrados durante a recaptura de Mosul pelo exército iraquiano, este ano, e mostrados no tribunal mostram que Khweis preencheu um formulário para ingressar no EI e que seu nome consta em uma planilha como combatente do grupo. Mas o formulário não indica que ele tenha feito treinamento de uso de armas nem que tenha sido encaminhado para entrar um grupo de combatentes.
Em audiência no tribunal na semana passada, os promotores disseram que Khweis recusou várias ofertas de acordo extrajudicial. O advogado de defesa John Zwerling disse no tribunal que Khweis sempre se dispôs a cooperar, mas “não queria admitir ter feito algo que ele considera que não fez.”
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