Na sua última noite no cargo, o presidente Dwight D. “Ike” Eisenhower fez um poderoso discurso de despedida endereçado à sua nação – palavras de tamanha importância que ele passou um ano e meio só para prepará-las. Ike queria, famosamente, dar um aviso à nação, para que ela “se resguardasse contra a aquisição de influências injustificadas, que tenham sido procuradas ou não, vindas do complexo industrial militar. O potencial para a ascensão desastrosa de um poder mal posicionado existe e há de perdurar”.
Muito do discurso de Einsenhower poderia formar parte da declaração de missão do WikiLeaks hoje. O que fazemos é publicar verdades sobre as violações e abusos conduzidos em segredo pelos poderosos. Nossas revelações mais recentes descrevem o programa multibilionário de guerra cibernética da CIA, com o qual a agência criou armas cibernéticas perigosas, aplicou-as em produtos de consumo feitos pelo setor privado e depois perdeu o controle do seu próprio arsenal.
As verdades que nós publicamos são inconvenientes para aqueles que procuram evitar uma das características mais magníficas da vida nos EUA – o debate público
As nossas fontes afirmaram ter esperanças de conseguir iniciar um debate público razoável sobre “segurança, criação, uso, proliferação e controle democrático de armas cibernéticas”. As verdades que nós publicamos são inconvenientes para aqueles que procuram evitar uma das características mais magníficas da vida nos EUA – o debate público.
Os governos afirmam que as reportagens do WikiLeaks são nocivas à segurança nacional. Há quem diga que publicar fatos sobre condutas ilícitas da parte do exército e da segurança nacional é em si um problema maior do que os problemas sendo anunciados. Porém, como enfatizou Eisenhower, “Apenas cidadãos alertas e informados são capazes de combinar adequadamente o imenso maquinário industrial e militar de defesa com nossos objetivos e métodos pacíficos, de modo que a segurança e a liberdade possam prosperar unidas”.
Para colocarmos em termos simples, a nossa motivação é idêntica à afirmada pelo New York Times e o The Washington Post – publicar conteúdo digno de notícia. Em consistência com a Constituição dos EUA, nós publicamos material que podemos confirmar que é verdadeiro, independentemente se as fontes pelas quais essa verdade foi revelada são lícitas ou não e se têm ou não o direito de publicá-las na mídia. E lutamos para mitigar as preocupações legítimas, por exemplo, utilizando de omissões para proteger as identidades de agentes de inteligência em risco.
O meu posicionamento é que a democracia funciona melhor quando os eleitores têm o máximo de informação possível...
Dean Baquet, editor executivo do New York Times, defendeu no ano passado a publicação de nosso material “roubado”: “Eu entendo o argumento de que os padrões devem ser diferentes se o material é roubado e isso deve influenciar as decisões. Mas, no fim, acho que temos uma obrigação de relatarmos tudo que pudermos sobre pessoas e eventos importantes”.
David Lauter, chefe da divisão de Washington do Los Angeles Times, fez um argumento parecido: “O meu posicionamento é que a democracia funciona melhor quando os eleitores têm o máximo de informação possível... E essa informação muitas vezes vem de campanhas rivais, de antigos inimigos, de todo o tipo de pessoas com uma motivação que você possa olhar e dizer, ‘nossa, que desagradável’”.
A mídia tem um longo histórico de trabalho de resistência, mesmo que seja necessário valer-se de material vazado ou extraviado – a reportagem de Jack Anderson sobre o envolvimento da Máfia num plano da CIA para matar Fidel Castro; a publicação feita pelo Providence Journal Bulletin das declarações de imposto de renda roubadas de Richard Nixon; e a reportagem obstinada do The Post dos vazamentos do Watergate, só para citar alguns exemplos. Tenho a esperança de que os historiadores venham a colocar também as publicações do WikiLeaks nesse panteão. Porém, há muitos que exigem que eu seja processado pelo governo.
A agitação produzida [pela imprensa livre] deve ser suportada. Ela é necessária para manter a pureza das águas
O presidente Thomas Jefferson tinha uma proposta modesta para melhorar a imprensa: “Talvez um editor pudesse começar uma reforma da seguinte maneira. Dividam este jornal em 4 capítulos, título 1º, ‘Verdades’. 2º, ‘Probabilidades’. 3º, ‘Possibilidades’. 4º, ‘Mentiras’. O primeiro capítulo seria brevíssimo, visto que conteria pouco mais do que documentos autênticos e informações”. O conceito de Jefferson de publicar “verdades” usando “documentos autênticos” foi um antecessor do WikiLeaks.
Quem não gosta da música culpa o pianista. Grandes setores do público ficaram agitados com o resultado da eleição presidencial dos EUA, com a disseminação pública de casos de incompetência perigosa da CIA ou com as provas dos truques sujos cometidos pelos oficiais veteranos dos partidos políticos. Mas, como previu Jefferson, “a agitação produzida [pela imprensa livre] deve ser suportada. Ela é necessária para manter a pureza das águas”.
Eu abri mão de anos da minha própria liberdade em nome dos riscos que corremos para que o WikiLeaks possa trazer a verdade ao público
O jogo de interesses distrai do fato de que o WikiLeaks segue publicando mesmo enquanto demoniza sua própria equipe e a mim mesmo. Somos representados, equivocadamente, como figuras antiamericanas que servem a potências estrangeiras hostis. Mas, na realidade, eu nutro uma grande admiração tanto pelos EUA em si quanto pela ideia do país. O único interesse do WikiLeaks é em expressar verdades protegidas constitucionalmente. É minha convicção ainda que essa é a pedra angular da liberdade, do sucesso e da grandeza notória dos EUA.
Eu abri mão de anos da minha própria liberdade em nome dos riscos que corremos para que o WikiLeaks possa trazer a verdade ao público. Isso me consola um pouco: Joseph Pulitzer, que deu nome ao prêmio da excelência no jornalismo, foi indiciado em 1909 por ter publicado informações supostamente caluniosas sobre o presidente Theodore Roosevelt e o financiador J. P. Morgan na cobertura do escândalo de corrupção do Canal do Panamá. Foi a verdade que o libertou.
---
*Assange é o editor do WikiLeaks.
Deixe sua opinião