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O que o debate sobre o Antropoceno diz sobre a “verdadeira” ciência

Teste nuclear Castle Romeo, 1954
Teste nuclear "Castle Romeo", da Operação Castelo dos Estados Unidos, realizada nas Ilhas Marshall em 1954. Geólogos que acreditam que o ser humano gerou impacto suficiente no registro geológico para justificar o reconhecimento da época do Antropoceno mencionam a marca deixada nas camadas geológicas pelos testes nucleares. (Foto: Departamento de Energia dos Estados Unidos/Reprodução)

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Existe uma imagem idealizada do avanço científico, herdada de abordagens positivistas, que o concebe como um caminho de certezas incontroversas e matemáticas. No entanto, na evolução da ciência, a criatividade e o consenso desempenham um papel importante, sem que isso implique cair em concepções relativistas. A recente discussão sobre o termo Antropoceno é um bom exemplo.

Após quinze anos de trabalho, uma comissão da União Internacional de Ciências Geológicas rejeitou a ideia de que o Antropoceno seja uma nova época geológica, o que desencadeou a polêmica.

Para qualquer pessoa que desconheça a dinâmica institucional da ciência, pode surpreender que essa decisão esteja nas mãos de um comitê. Mas o fato, além de mostrar como as descobertas são realizadas, revela a importância do consenso na comunidade de pesquisadores, algo nem sempre fácil de alcançar. Por outro lado, os cientistas não apenas observam como as maçãs caem; também propõem teorias e elucubram, interpretando os fatos e incluindo-os em um quadro explicativo global.

Existem muitos desacordos, muitas polêmicas e lutas acirradas, o que não significa que a ciência ignore o real, mas que nunca experimentamos as coisas de forma nua ou pura, como defende o positivismo, mas avançamos a passos de hipóteses e interpretações.

O impacto do ser humano

Dito claramente: as ciências da natureza, as empíricas, não nos ensinam sobre verdades incontroversas. No entanto, estaria equivocado quem pensasse que isso implica ideologizar a ciência ou que constitui uma opção epistemológica relativista.

Muito pelo contrário: desde que Popper, Lakatos, Kuhn e – muito mais radicalmente – Feyerabend desvendaram que o progresso do conhecimento depende do acaso, das refutações e da criatividade, não apenas da observação meticulosa, devemos concluir que sabemos muito pouco sobre o que nos rodeia e que há coisas que serão verdadeiras até que apareça um cisne negro que refute sua verdade.

Mas comecemos pelo princípio. O que é o Antropoceno? O termo foi cunhado em 1922 por um geólogo russo, Alekséi Pavlov, mas foi Paul Crutzen, Nobel de Química, quem o tirou da cartola no meio de uma discussão, por volta do ano 2000, quando começava um novo milênio. O químico holandês sugeriu que o impacto do ser humano sobre o planeta foi determinante, alterando significativamente as condições geológicas e fechando de uma vez por todas o Holoceno, a era iniciada há 11.700 anos.

Pode parecer curioso, mas confirmar se estamos diante de uma nova era geológica é algo que compete à União Internacional de Ciências Geológicas, uma instituição formada por especialistas. Algumas décadas atrás, formou-se um grupo de trabalho específico, encarregado de coletar dados para confirmar – ou contestar – se o Antropoceno havia chegado.

Ideologia e ciência

Como comentava um editorial da prestigiada revista Nature (20-03-2024), o problema com o termo Antropoceno é que, devido às suas conotações ideológicas, ele se espalhou pela cultura, política e mídia muito antes de receber o endosso dos especialistas.

Por suas conotações ideológicas, o termo "Antropoceno" se espalhou entre o público muito antes de receber o endosso dos especialistas.

E há um motivo muito evidente para isso: para aqueles que se inclinam pelo purismo ambientalista, esta suposta "verdade" da ciência vinha como uma luva, pois confirmava que, de fato, o ser humano se dedicou a esgotar a natureza, explorando os recursos e abusando do seu entorno, até provocar um verdadeiro terremoto geológico.

Em um livro recente, *A ciência em questão* (Herder, 2024), o filósofo espanhol Antonio Diéguez explica, por outro lado, que a investigação científica é mais convencional do que parece. É preciso diferenciar, a esse respeito, a ciência como saber da ciência como instituição. Esta última dimensão é muito importante porque dela – de como os cientistas se reúnem, se há liberdade, financiamento ou possibilidade de afastar fontes de manipulação – dependem em grande parte os resultados alcançados.

Medindo o Antropoceno

Que agora a União Internacional de Ciências Geológicas tenha entendido que as observações não são conclusivas não significa que se descarte absolutamente que estamos em uma nova época. Indica apenas que a verificação e o consenso fracassaram.

Os defensores do Antropoceno apontaram que os estratos geológicos se transformaram após o lançamento das bombas atômicas e que se poderiam perceber transformações radicais em determinados níveis, onde foram encontrados isótopos radioativos ou sedimentos de cinzas e pesticidas.

A isso se adicionaria, do ponto de vista biológico, a extinção de determinadas espécies vivas. O coquetel se completaria com o uso em grande escala de carvão e petróleo, o aquecimento global e a concentração de microplásticos.

No entanto, o grupo de trabalho formado para investigar até que ponto ocorreu uma alteração tão profunda não conseguiu provas consistentes. No último mês de fevereiro, após o documento apresentado pelos especialistas, uma comissão especializada rejeitou a proposta por 12 votos contra 4. Os críticos sustentam que não possui o consenso nem o respaldo empírico necessários, pois há dúvidas sobre como interpretar os dados.

Intrigas na ciência

A essas dificuldades se somam outras. Por exemplo, alguns pesquisadores explicam que concretizar épocas geológicas exige levar em conta arcos temporais de milhares de anos. Além disso, o impacto do ser humano não foi homogêneo em todas as regiões do mundo, de modo que a hipótese do Antropoceno não teria validade geral.

Alguns pesquisadores indicaram que concretizar épocas geológicas exige levar em conta arcos temporais de milhares de anos.

Por fim, pode-se indicar que havia muito interesse em que o início do Antropoceno coincidisse com as bombas atômicas, mas isso era muito forçado. Outros fatos – a revolução industrial ou certos movimentos colonizadores – poderiam ser igualmente significativos.

Mas a ciência não é imune a rixas, nem a novelas. Membros do comitê chegaram a dizer que souberam pela imprensa dos resultados do escrutínio e acusaram seu vice-presidente, Liping Zhou, de ter vazado a informação para o New York Times.

De qualquer forma, se não houver nenhuma surpresa, e não se espera que haja, será a executiva da União Internacional de Ciências Geológicas a encarregada de ratificar o que foi votado em sua reunião plenária no próximo 25 de agosto.

Antropoceno forte… ou fraco

Embora essas idas e vindas causem perplexidade, não se deve fazer uma leitura ideológica das desavenças. De fato, o questionamento da hipótese não significa negar ou minimizar a pegada que o ser humano deixou no ambiente.

Para pacificar os pesquisadores, Stan Finney, secretário-geral do organismo geológico internacional, propôs uma via intermediária: considerar o Antropoceno não como uma época, mas como um evento geológico, uma das categorias usadas para descrever mudanças de grande magnitude em nosso planeta. Acredita-se que um Antropoceno “fraco” talvez conseguisse o acordo.

Finney, que recordou outros “eventos” de enorme magnitude, como extinções em massa, o início do processo de oxigenação da Terra (a chamada Grande Oxigenação) ou modificações da biodiversidade, apontou que a função social e cultural desempenhada pelo Antropoceno já ocorreu e que a difusão do termo ajudou a “conscientizar sobre o imenso e crescente impacto dos humanos” (El País, 8-03-2024).

Ciência e visão crítica

Como revela Diéguez, a ciência é evolutiva, de modo que o fracasso dos partidários do Antropoceno não condiciona o que pode acontecer no futuro. Para Manuel Arias Maldonado, um dos maiores especialistas no assunto – e autor de um ensaio, *Antropoceno*, publicado pela Taurus há seis anos – “rejeitar a inclusão do Antropoceno na história geológica da Terra não equivale a rejeitar suas acepções históricas ou culturais” (Letras Libres, 14-03-2024). É na exploração destas últimas que o ambientalismo radical tem interesse.

Ao contrário do que poderia parecer, o ocorrido deveria aumentar razoavelmente nossa confiança na ciência, pois, afinal de contas, com suas limitações e erros, o trabalho realizado pelos cientistas e especialistas é rigoroso e sério.

É justamente a estrutura institucional da comunidade científica – as discussões dos geólogos, neste caso – que permite diferenciar a ciência das pseudociências, e que contribui para separar o grão da verdade do joio dos preconceitos.

Diéguez esclarece que há um vínculo entre ciência, verdade e realidade. E indica que o progresso do saber está condicionado pelo sucesso obtido ao “criar, em um quadro histórico contingente e sujeito a influências diversas, uma estrutura institucional que faz com que a crítica racional, aberta e permanente (…) seja um incentivo para todos os membros da comunidade de pesquisadores”.

©2024 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol.

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