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Opinião

O que o fracasso retumbante do NOVO tem a ensinar aos “isentões”

Felipe D'Ávila, candidato do Partido Novo à presidência nas eleições de 2022
Felipe D"Ávila, candidato do Partido Novo à presidência nas eleições de 2022 (Foto: EFE/Fernando Bizerra)

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O Partido Novo é um dos maiores perdedores desta eleição, não pelo número de cadeiras pura e simplesmente, mas porque analisou de forma completamente errada o momento político do país e apostou numa isenção atrapalhada como discurso oficial. Desde quando Amoedo se tornou inimigo confesso de Bolsonaro, em meados de 2019, aceitando colocar em dúvida seu liberalismo em troca de aceitação progressista, até a nova liderança do partido, que resolveu apostar em Felipe D’Ávila como candidato próprio, houve inúmeros erros de leitura política da atualidade brasileira pelo referido partido.

Só para contextualizarmos o leitor, o Novo elegeu oito deputados federais em 2018, a maior bancada do partido liberal, e esperava aumentar significativamente esse quadro neste ano, fiando-se na ideia de que as pautas liberais do governo legaria sobras abundantes de simpatizantes para seus candidatos; que a onda popular do neoliberalismo brasileiro traria simpatizantes puritanos aos seus portos. Errou feio. Perdeu cinco cadeiras e praticamente sumiu dos estados da federação, uma perda de 63% com relação ao pleito de 2018. Grande parte dos liberais entenderam que, ainda que o presidente não seja um liberal de berço esplêndido, puro sangue, ainda que seus discursos, muitas vezes, sejam patéticos e destemperados, ter apostado em D’Ávila em nome de uma independência abobada, enquanto a esquerda se unia para eleger Lula, definitivamente não poderia ser uma escolha inteligente — sob nenhuma perspectiva.

Mas preciso ser sincero, o Partido Novo tem algo que eu realmente admiro com veemência: a independência política e a coragem de criticar até mesmo aqueles mais alinhados a eles próprios. Poucas virtudes me agradam tanto quanto a independência. Foi com tal espírito, por exemplo, que os líderes do partido retiraram da liderança Amoedo e toda turma que o sustentava — não raro, sob críticas duras e públicas dos próprios parlamentares da sigla. Mas a autonomia crítica não deve ser uma crença fideísta, e entre as poucas virtudes que me agradam mais que a independência está a inteligência política.

Analisar racionalmente as consequências e as situações políticas imediatas é um exercício político necessário para os que atuam nesse meio, ignorar o fato que se apresenta para ficar com a virgindade ideológica é religião, não política. Ou seja, no ímpeto de serem independentes, muitos do Novo se tornaram radicais de um puritanismo partidário. A impressão popular de que somente Bolsonaro teria força política para combater Lula, e Lula para combater Bolsonaro, se fez fato no resultado do primeiro turno.

Os 0,47% de votos de D’Ávila são vergonhosos para as pretensões do partido, ainda mais para os estrategistas da sigla. Sem dúvida, o partido saiu enfraquecido não só politicamente, mas também moralmente. Isso porque não há glória em ser independente numa ilha autoconstruída, assim como não há vislumbre de vitória e honra em 0,47% de votos em um sistema eleitoral de maioria simples.

Ninguém ficou realmente espantado com a votação pífia de D’Ávila. Quem, nas vésperas da votação, sinceramente esperava algo diferente? A realidade polarizada do país, para o bem ou para o mal, não pede licença para existir, apenas se mostra como ela é. Tentar dobrar a realidade sob um discurso intransigente de terceira via sempre foi utopia pura sorvida de um só gole por Tabet, Ciro e D’Ávila. A postura do Novo de se afastar do presidente Bolsonaro por conta dos seus discursos atabalhoados, em troca de uma independência completamente insustentável e politicamente inócua, apesar de não ser condenável, de longe não foi politicamente inteligente – nem para o partido, nem para seus candidatos.

A atual agenda liberal do governo é com certeza o que mais se aproximou de um real liberalismo nacional desde o Segundo Império. Ora, ao final, o ministério da economia do governo nacional tinha à sua frente um clássico liberal de Chicago, uma equipe formada por integrantes genuinamente liberais e até libertários que iam da Escola Austríaca aos simpatizantes do Novo. As pautas liberais e agendas reformistas do governo sempre foram claras e atuantes; pode-se reclamar da forma e dos métodos, mas não da clareza ideológica e das incursões pró-mercado que Bolsonaro e sua equipe emplacaram nos últimos anos.

Maquiavel mostrou, em 'O Príncipe', que a política é feita majoritariamente na inteligência do player em antecipar acontecimentos e analisar corretamente possibilidades. Aquele que é capaz de supor acertadamente as movimentações sociais e políticas com maior antecedência estará melhor preparado para julgar a fortuna que disputará.

A política propõe cenários pragmáticos nos quais a independência pode rapidamente se tornar sinal de fraqueza, não rara a abnegação de princípios se torna teimosia egocêntrica, levando o casto valoroso a destruir a ideia cultuada porque não quer imaginar que mãos impuras possam tocar e dividir seu baú de valores. Saber regular seus princípios ao “o que se tem para hoje” é a genialidade dos grandes desse meio.

Se Thatcher tivesse aguardado os reais conservadores apoiá-la, não teria saído dos subúrbios políticos de seu partido; se Reagan aguardasse que os liberais americanos dessem a mão para ele, teria sido mais sensato voltar para suas atuações em Hollywood. Para um puritano liberal ou conservador, nunca haverá um candidato à altura de sua espera, a não ser ele próprio ou alguém de sua casta.

A atual necessidade do pacto liberal-conservador é evidente até para os mais ingênuos dos liberais, e não falo que é evidente agora, é evidente pelo menos desde quando Lula se apresentou como candidato da esquerda. Com certeza a falta dessa leitura política foi o grande revés do partido Novo. Bolsonaro e Lula não estão no mesmo pacote moral, o que muitos afiliados da sigla liberal frisaram constantemente em suas campanhas, trata-se de uma mentira factual levada a cabo por muitos com uma espécie de religiosismo político próprio.

Os erros e excessos de Bolsonaro não chegam nem perto da postura, projetos e consequências de um Lula no poder; se colocados em perspectiva, torna-se risível fazer tal comparação. No entanto, Felipe D’Ávila, após a votação do dia 2, já sinalizou mais uma vez neutralidade entre Lula e Bolsonaro, e o partido resolveu não apoiar formalmente a candidatura do presidente à reeleição, porém liberou sua bancada para apoiar quem eles queiram. Por outra via, Romeu Zema, Marcel van Hattem e Paulo Ganime, além de outros deputados estaduais e vereadores da sigla, já sinalizaram apoio a Bolsonaro.

O silêncio reiterado de muitos líderes liberais só reforça ainda mais o amadorismo que até agora pautou as decisões do partido Novo, tornando a sigla um partido quase irrelevante no Legislativo nacional pelos próximos quatro anos. Como liberal que sou, amaria ver um presidente com tais valores governar a nação, falo isso com total sinceridade. Mas os pés no chão e o pragmatismo da sensatez me impedem de alimentar de ilusões. A realidade que agora toca a campainha de nossos lares é apenas uma: Ou Lula, ou Bolsonaro.

E não, caros liberais, neste momento, não há como ficar “neutro”, tal “independência” não passa de fraqueza moral, afinal, não decidir – nessa situação – já é uma forma de decisão. Como a história ratifica, nos momentos difíceis, os neutros costumam cair no ostracismo político, no esquecimento, na pequenez.

Quem hoje se lembra com orgulho do pacifista Neville Chamberlain, que tentou dialogar com Hitler e quase derrubou a Europa toda com sua “neutralidade” gourmet? Quantos hoje admiram e aplaudem a memória de Richard Nixon por ter adulado e aprovado Mao Tsé Tung em troca de uma diplomacia tola?

A isenção sofisticada desses liberais e a neutralidade pseudovirtuosa da Faria Lima, em tempos de bruma autoritária, onde o socialismo deixou de ser uma ameaça para se tornar iminente, são muito bizarras de serem contempladas. Já dizia Ayn Rand: “Você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade”. Você pode não votar em Bolsonaro, mas não poderá ignorar as consequências de um Lula eleito.

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