O Brasil tem 21 espécies de dinossauros confirmadas e batizadas. Há casos tidos como duvidosos (o Antarctosaurus brasiliensis: não se sabe dizer se era diferente ou igual a outras espécies) ou indeterminados, e já houve um “rebaixamento” – o Sacisaurus agudoensis (assim chamado porque, entre os ossos encontrados em rochas na cidade gaúcha de Agudo, havia 19 fêmures direitos, mas nenhum esquerdo), anunciado em 2006, foi reclassificado como pertencente a um grupo de répteis distinto.
As duas dezenas parecem poucas comparando com as mais de cem da Argentina, país com extensão territorial três vezes menor que, em 2014, deu oficialmente ao mundo o Dreadnoughtus schrani, gigante de 26 metros de comprimento e 60 toneladas, com 70% dos ossos descobertos na Patagônia.
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Há uma série de motivos para essa discrepância, como aponta o professor e paleontólogo paulista Luiz Eduardo Anelli no livro O guia completo dos dinossauros do Brasil (Editora Peirópolis, 2010). Esses fatores vão desde a formação geológica (por exemplo: aqui, são raras as rochas do Jurássico, período do qual são conhecidas sete espécies na Argentina) ao clima que, lá, favorece a preservação dos fósseis. O tempo de pesquisa também influi. Nossos vizinhos descreveram seu primeiro dino em 1893, 77 anos antes da primeira espécie brasileira.
Confira trechos da entrevista com Luiz Eduardo Anelli, paleontólogo e autor do livro O guia completo dos dinossauros do Brasil:
Por que os dinossauros despertam tanto fascínio?
Dinossauros nos transportam em uma longa viagem pelo tempo, a um mundo totalmente diferente do que conhecemos. Foram animais exuberantes, alguns enormes, de anatomia esquisita, com armaduras, chifres, longas caudas e pescoços harmoniosamente projetados.
O fato de não conhecermos completamente sua aparência e seus hábitos os reveste com mistérios e enigmas. E seus esqueletos estão escondidos nas rochas, o que torna o trabalho do paleontólogo fascinante, comumente realizado em regiões desérticas, selvagens e distantes, envolvendo perigos e desafios, além de jipes Land Rover estacionados em magníficos acampamentos empoeirados.
Por que pesquisar dinossauros?
Além de todas as razões descritas acima, pesquisamos os dinossauros porque queremos estudar tudo. Não existe algo neste mundo, ou mesmo no universo visível, que não esteja sendo observado e pesquisado exatamente neste momento. Moscas, plantas, rochas, bactérias, medusas, petróleo, CO2, cerâmicas, o cérebro de macacos, DNA, Nietzsche, adolescentes, supernovas, a ausência de gravidade, tudo é hoje alvo de algum cientista. O Homo sapiens é curioso e gosta de estudar. Queremos saber de onde viemos, como tudo funciona, como resolver nossos grandes e pequenos problemas, e o que o futuro nos tem reservado.
Vale a pena gastar tempo e dinheiro para estudá-los. Eles [os dinossauros] nos trazem do passado notícias a respeito da história da Terra e da vida, sobre as revoluções geológicas e transformações biológicas que mudaram o mundo, deixando-o como o conhecemos hoje
Com esqueletos de dinossauros não é diferente. O conhecimento deles teve grande impulso pouco antes do início do século 20, quando uma verdadeira corrida por esqueletos aconteceu nos Estados Unidos e no Canadá. Neste tempo foram encontrados os primeiros gigantes e o primeiro esqueleto de um Tyrannosaurus rex.
Aqueles monstros terrestres, pela primeira vez, foram expostos em museus, reproduzidos em ilustrações e esculturas, e adentravam o imaginário das pessoas. A vida ainda estava em processo de descoberta. Não temos hoje notícias com aquela magnitude. Daquele tempo em diante, seus esqueletos começaram a pipocar pelo mundo, em rochas de todos os períodos da Era Mesozoica, em grande diversidade de tamanhos, anatomias e modos de vida.
A partir da década de 1970, os paleontólogos perceberam que os dinossauros eram muito mais que répteis grandalhões desajeitados. A possibilidade de que tinham sangue quente, metabolismo elevado, que eram aparentados das aves, coloridos, e o fato de que a cada ano dezenas de novas espécies eram descobertas pelo mundo — incluindo na Antártica — capturou o interesse dos grandes cientistas nas maiores e mais importantes universidades do mundo.
Nosso conhecimento sempre foi nutrido por paisagens e dinossauros de outras regiões do mundo. A pré-história brasileira ainda não foi popularizada.
Descobrir e pesquisar novos dinossauros dá um tipo de status, deixa o paleontólogo um pouco mais “especial” que os outros — não é o meu caso, eu apenas os estudo e escrevo sobre eles. Além disso, os dinossauros já ensinaram muito aos cientistas sobre a evolução biológica e geológica, sobre a paleontologia, com um tipo de conhecimento que alcança e pode ser facilmente assimilado por pessoas leigas ligadas a outras áreas do conhecimento. O retorno cultural que nos dão é muito grande, muito valioso. Vale a pena gastar tempo e dinheiro para estudá-los. Eles nos trazem do passado notícias a respeito da história da Terra e da vida, sobre as revoluções geológicas e transformações biológicas que mudaram o mundo, deixando-o como o conhecemos hoje.
E mais. Algo muito importante neste mundo moderno é o fato de que dinossauros são facilmente transformados em produtos. Bonecos, livros pop-up e brinquedos são vendidos aos milhões pelo mundo. Cada notícia sobre a descoberta de um novo dinossauro aquece o grande mercado mundial de produtos infantis. Fazer o quê? É o capitalismo.
O que o Brasil tem a oferecer ao mundo da paleontologia?
No Brasil, e isso quer dizer o Rio Grande do Sul, aparecem na superfície rochas de um período chave na história dos dinossauros, o Triássico, quando esses répteis surgiram. Nessas rochas estão os mais antigos esqueletos, com idades entre 220 e 230 milhões de anos. O intervalo que os separa do último T. rex, cerca de 162 milhões de anos, é quase três vezes maior do que o que nos afasta hoje do grande predador. Os gaúchos Staurikosaurus, Pampadromeus, Saturnalia, Unaysaurus e Guaibasaurus representam a pré-história dos próprios dinossauros. Eles nos mostram que os primeiros dinos eram pequenos, tinham hábitos alimentares variados (carnívoros, herbívoros, onívoros, carniceiros) e modos de vida distintos (uns viviam perto da água, outros em regiões arborizadas, por exemplo).
A maior contribuição dos nossos dinos à paleontologia mundial é essa: eles ajudam os paleontólogos a montar o quebra-cabeça da evolução [das espécies]. E todos sabem: começar a unir as primeiras peças é sempre o mais difícil.
Embora tenham ficado à sombra de outros grandes répteis durante cerca de 30 milhões de anos, assim que tiveram oportunidade (com a extinção em massa ocorrida cerca de 200 milhões de anos atrás), a grande variedade de estilos de vida possibilitou que rapidamente se apoderassem dos ecossistemas, tornando-se os dominadores dos continentes por quase 150 milhões de anos.
A maior contribuição dos nossos dinos à paleontologia mundial é essa: eles ajudam os paleontólogos a montar o quebra-cabeça da evolução. E todos sabem: começar a unir as primeiras peças é sempre o mais difícil.
O que a gente ainda pode descobrir no país?
Novos dinossauros do Triássico serão encontrados no Rio Grande do Sul, outros serão descobertos em rochas do Cretáceo de São Paulo, Minas Gerais, Maranhão e Ceará. Os paleontólogos têm encontrado esqueletos de crocodilos terrestres e pterossauros, fósseis cobiçados por cientistas do mundo todo. Mas acredito que a maior descoberta será feita por todos os brasileiros: a da nossa própria pré-história.
De modo geral, não sabemos quais foram os dinossauros e os outros animais pré-históricos que pisaram nestas terras, nem como eram os mares, os lagos glaciais, os desertos, as florestas e pantanais que se sucederam por aqui centenas de milhões de anos atrás. Nosso conhecimento sempre foi nutrido por paisagens e dinossauros de outras regiões do mundo. A pré-história brasileira ainda não foi popularizada.