O que resta do conservadorismo tradicional? – alguém há de legitimamente perguntar. Afinal, acabamos de passar por doze meses extraordinários – em todos os sentidos – e ainda estamos em choque. Ainda estamos correndo perigo, claro, já que muitas das coisas que ameaçaram diretamente a civilização em 2020 persistem, ainda que não com a mesma força.
Na política, vimos uma onda de populismo – sempre autoritário e com seus líderes cultuados – à esquerda e direita. Na cultura como um todo, vimos a ousadia irresponsável, a destruição de monumentos sagrados (e, em geral, inocentes) e a tradição sendo rasgada. “Distúrbios” seria uma palavra fraca demais para descrever os protestos violentos que se espalharam por todo o país, e a violência pareceu permear os centros urbanos (e ainda permeia em algumas regiões). Em nossas comunidades, vimos a ascensão do despotismo – um despotismo leve, democrático, mas ainda assim despotismo —, imposto em todos os níveis da sociedade.
Graças ao vírus – tenha sido ele criado por Deus ou pelo homem — governos, empresas e escolas se imiscuíram às nossas vidas de uma forma que só foi aceita pelo povo durante a guerra, jogando uma intrincada teia de controle sobre nós.
E, como disse, muito disso permanece e, nos casos em que se dissiparam parcialmente, seus efeitos continuam e devem continuar ainda por um bom tempo. E sejam quais forem as motivações das pessoas envolvidas nisso tudo — ou a que facção política ou cultural estejam afiliadas – o conservadorismo tradicional sofreu um duro golpe. Boa parte dos conservadores tradicionais não tinha nada a dizer e alguns simplesmente declararam derrota e se retiraram do debate.
Não quero sugerir aqui que nenhuma voz conservadora se manifestou. Houve e há manifestações do gênero, e elas foram e são muito boas. Por exemplo, Tom Woods, The Imaginative Conservative, The American Conservative, National Review, Hillsdale College, e outras, mas as forças do caos tentam abafá-las. Afinal, tentar explicar as virtudes de Cristóvão Colombo, por exemplo, para uma multidão que enxerga a realidade por meio das lentes radicais da raça, classe e gênero, será difícil para todos os envolvidos. Onde estão as nuances, as sutilezas e a busca pela verdade? Onde está o diálogo? Obviamente perdemos os debates sobre Colombo quando as estátuas foram derrubadas.
Então alguém novamente há de se perguntar: o que resta do conservadorismo tradicional? Devemos aceitar a derrota e legar as vozes de Irving Babbitt, Paul Elmer More, Willa Cather, Christopher Dawson, Ray Bradbury, Russell Kirk, C.S. Lewis e Robert Nisbet ao passado? Devemos vê-los como homens e mulheres que se manifestaram, mas cujas palavras hoje estão guardadas num obscuro museu das causas humanistas perdidas? Eles foram apenas autores de livros que na era digital não parecem mais necessários? Retrógrados, reacionários, sonhadores?
Para mim, essas vozes nunca foram tão necessárias e relevantes. Um humanista, mas não um conservador, George Orwell certa vez disse “chegamos a tal ponto que dizer o óbvio se tornou o maior dever do homem inteligente”.
De acordo com a máxima orwelliana, vale a pena lembrar três coisas que nos falam do que significa conservar nossas mais estimadas tradições – isto é, ser um conservador tradicional – mesmo em tempos de caos.
Antes de mais nada, precisamos lembrar que todo ser humano é um ente dotado de liberdade e dignidade, um agente moral e ético com livre-arbítrio e nascido em certa época e lugar, uma experiência que jamais se repetirá. A vida é importante e é um dom a ser apreciado sempre. Isto é, cada pessoa é um reflexo único do Infinito, alguém que ostenta a Imago Dei e que é Templo do Espírito. Por mais corrompida que a pessoa se mostre ao longo da vida, ela continua ao menos em essência preciosa. Porque até mesmo o mais corrompido dos seres humanos tem em si uma fagulha da Graça, por mais que essa fagulha às vezes o queime. “NEle nos movemos e vivemos e somos”, garantem-nos os estoicos e São Paulo.
Em segundo lugar, enquanto agentes da moral e da ética, podemos (e devemos) sempre recorrer às certezas das sete virtudes: prudência, justiça, coragem, temperança, fé, esperança e amor. Ainda que a prudência (a capacidade de separa o bem do mal) seja a primeira das virtudes, o amor (a capacidade de se entregar ao outro) é a virtude que une todas as coisas, buscando criar uma comunidade terrena de justiça (a capacidade de dar às pessoas o que lhes é devido). Por meio da temperança (a capacidade de criar o bem pelo Bem), nos lembramos do nosso dever de ver as coisas por completo, por maiores que sejam os perigos e os custos (coragem). Por fim, por meio da fé (capacidade de ver o que não é visível), temos esperança (capacidade de saber o que é importante).
Em terceiro lugar, munidos da crença de que toda pessoa importa e cada pessoa é um agente moral e ético com o objetivo de viver uma vida de virtude, reconhecemos que o indivíduo é a única pessoa real dentro da comunidade. É nas relações dos indivíduos que praticamos a caridade e a justiça e é na comunidade que amenizamos nossos defeitos e cultivamos nossas melhores qualidades. Para o verdadeiro conservador, sempre é melhor ter mais comunidades – comunidades que se sobrepõem, que competem, que trabalham juntas em harmonia – do que menos comunidades. Na verdade, poucas coisas são mais perigosas para o conservador tradicional do que o desejo populista (à esquerda e direita) de uma comunidade única, na qual todas as pessoas, ideias e normas sociais se submetem à maioria.
O que resta do conservadorismo? Em termos de esperanças e aspirações, tudo. Em termos de vontade de fazer acontecer? Isso ainda temos que descobrir. Independentemente disso, o conservadorismo não está morto.
Bradley J. Birzer é cofundador e colaborador da Imaginative Conservative.
©2021 The Imaginative Conservative. Publicado com permissão. Original em inglês
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